O assassinato de Charlie Kirk: Martírio, Verdade e o Falso Evangelho do Discurso Civil


Um recente artigo de Spencer Kashmanian (2025), intitulado "É a fé, e não a liberdade de expressão, que faz mártires", apresenta uma tese a ser discutida adiante. O texto analisa o assassinato do comentarista cristão conservador Charlie Kirk, argumentando que a sua morte não deve ser enquadrada como um martírio pela "liberdade de expressão", como muitos na direita teriam sugerido. Para Kashmanian, essa interpretação honra o meio — o debate civilizado — em detrimento do fim, que é a busca pela verdade e pela submissão a uma ordem moral objetiva. Ele sustenta que Kirk foi morto não por defender um processo de intercâmbio de ideias, mas por causa do conteúdo de suas convicções: sua fé explícita em Jesus Cristo e sua defesa da civilização ocidental. O autor reflete sobre como a hostilidade dirigida a Kirk é, por extensão, dirigida a todos os cristãos conservadores que partilham das mesmas crenças, incluindo ele próprio. Conclui-se que o "diálogo" não é um fim em si mesmo e que uma trégua social baseada no silêncio sobre a verdade é insustentável. A verdadeira causa do martírio, portanto, não é a defesa de uma liberdade processual, mas a proclamação da fé, e os cristãos devem estar preparados para a perseguição, seja ela violenta ou sutil, como preço por sua fidelidade à verdade.

A análise proposta por Kashmanian (2025) é perspicaz e fundamental, pois identifica corretamente o cerne da questão que aflige a civilização ocidental contemporânea. O erro de enquadrar o assassinato de Kirk como um ataque à "liberdade de expressão" é um sintoma da profunda confusão teológica que a própria Liberdade, o deus que falhou, impôs sobre nós. Trata-se de uma falha em reconhecer que o conflito em curso não é entre diferentes opiniões políticas dentro de uma arena neutra, mas sim entre duas fés antagônicas: a fé em Cristo Rei e a fé no Estado secular e seus dogmas.

📜 A Ferramenta e o Templo

A distinção entre a ferramenta (liberdade de expressão) e o templo (a ordem social cristã) é crucial. A "liberdade de expressão", tal como concebida pelo Iluminismo e consagrada na estrutura política americana, nunca foi um princípio neutro. É, na verdade, um dos principais artigos de fé da religião civil que a Liberdade estabeleceu. Essa noção de liberdade não é a liberdade cristã — a libertação do pecado para viver na virtude —, mas sim a definição de Locke: a mera ausência de restrições à ação humana, limitada apenas para evitar danos físicos e proteger a propriedade (Ferrara, 2012).

Dentro dessa estrutura, todas as "verdades" são reduzidas a meras opiniões competindo em um "mercado de ideias". O Estado, agindo como árbitro "neutro", garante que nenhuma "verdade" — especialmente a verdade do Evangelho — possa reivindicar autoridade sobre a ordem pública. Assim, ao defender Kirk como um mártir da "liberdade de expressão", os conservadores bem-intencionados, sem perceber, rendem homenagem ao próprio sistema que produziu o seu assassino. Eles defendem o altar do deus que o matou. Kirk não morreu defendendo o direito de um ateu de negar a Deus ou de um progressista de subverter a moralidade; ele morreu por afirmar uma Verdade que transcende e julga o "livre intercâmbio de ideias". Morreu por proclamar que o templo da ordem moral objetiva não pode ser demolido para dar lugar às ferramentas da conveniência humana.

⚔️ A Teologia do Conflito

Argumenta-se corretamente que o antagonismo a Kirk é, em essência, teológico. Todas as diferenças humanas são, em última instância, religiosas (Ferrara, 2012). O assassinato de Kirk não foi um ato de violência política aleatória, mas um ato de fervor religioso secular. Os "sumos sacerdotes do progressismo" que ocupam nossas instituições de elite não veem as crenças cristãs tradicionais como meras opiniões erradas, mas como blasfêmias contra o seu próprio deus — a Vontade Soberana do Povo, a Liberdade de definir a própria existência, a igualdade radical que nega qualquer hierarquia natural ou divina.

O Estado secular, longe de ser neutro, é, na verdade, um Estado confessional americano. Ele professa uma fé, impõe uma ortodoxia e pune a heresia (Ferrara, 2012). A heresia, neste caso, é a insistência cristã de que existe uma autoridade superior à vontade da maioria, uma lei superior à Constituição, e um Rei a quem todos os presidentes e povos devem submissão. Kirk foi executado como um herege contra a religião da Liberdade. Seu crime não foi falar, mas sim o que ele falou: que "existe um Deus das nações diante do qual o homem deve dobrar seus joelhos". Esta afirmação é uma declaração de guerra contra o Estado secular, que não tolera rivais ao seu trono.

⚖️ O Fracasso do Diálogo e o Martírio

A tese de que o "diálogo não é um fim em si mesmo" expõe a fraude da "Law of Toleration" de Locke, que exige que todas as religiões se curvem ao dogma da tolerância para serem toleradas (Ferrara, 2012). A insistência liberal no "debate civilizado" e no "concordar em discordar" não é um convite à busca da verdade, mas uma exigência de que os cristãos tratem as verdades da fé como se fossem meras opiniões negociáveis. É uma exigência para que se cale sobre a natureza do pecado, a exclusividade de Cristo e as consequências eternas da descrença. Manter a paz, como observa Kashmanian (2025), só é possível "enquanto nos abstivermos de dizer a verdade uns aos outros".

Essa é a paz do túmulo, a paz de uma civilização que abandonou a Verdade que a criou. A fé, e não a defesa de um processo liberal, é o que faz mártires. Os mártires da Igreja primitiva não morreram defendendo o direito dos pagãos de adorar seus ídolos; morreram por se recusarem a queimar incenso a César. Da mesma forma, Kirk não foi martirizado por defender o fórum, mas por insistir na soberania da Cruz sobre o fórum. A perseguição que se abate sobre os cristãos hoje — seja a bala de um assassino ou as "perseguições mais sutis" mencionadas — é a consequência inevitável de se recusar a render homenagem ao "deus que falhou". É o preço de insistir que a salvação vem de Cristo, e não da Constituição, e que a verdadeira liberdade se encontra na obediência a Deus, e não na licença concedida pelo Estado.

Referências
Ferrara, Christopher A. Liberty, the God that failed: policing the sacred and the myth-making of the secular state, from Locke to Obama. New York: Angelico Press, 2012.
Kashmanian, Spencer. É a fé, e não a liberdade de expressão, que faz mártires. Crisis Magazine, 19 set. 2025.