As Metamorfoses da Revolução no Século XXI (“Todos são bem-vindos... Exceto os fiéis”)


  1. Em artigo de 24 de julho de 2025, intitulado “Todos são bem-vindos... Exceto os fiéis” e publicado em Hiraeth no exílio, o autor Chris Jackson descreve um panorama eclesial e civil marcado por três episódios centrais: um sermão de Leão XIV, que prega uma hospitalidade vaga em detrimento da conversão; a bênção pública de um ativista drag queen por um bispo em San Diego; e a revelação de que o FBI investigou um padre da Fraternidade Sacerdotal São Pio X por manter o sigilo sacramental da confissão. Jackson argumenta que tais eventos, aparentemente distintos, estão conectados por um fio condutor: a promoção de uma “hospitalidade sem verdade”, que acolhe o pecado e exila os fiéis, configurando uma “igreja de apostasia sorridente”. Uma análise mais profunda, no entanto, revela que estes acontecimentos não são meramente um desvio moderno, mas manifestações coerentes de um processo histórico, metódico e multissecular.
  2. Os fenômenos descritos por Jackson, embora situados em esferas distintas — a doutrinária, a disciplinar e a política —, não constituem crises isoladas. Ao contrário, representam múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, cujas características são a universalidade, a unidade e a totalidade. Trata-se de um único processo que “se prolonga ou se desdobra, pela própria ordem das coisas, em todas as potências da alma, em todos os campos da cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem” (Oliveira, 1998, p. 4). Este processo, de natureza revolucionária, visa a destruição da ordem cristã e sua substituição por um estado de coisas diametralmente oposto.
  3. O sermão de Leão XIV, ao enfatizar um sentimentalismo vago e evitar sistematicamente as noções de pecado, arrependimento e juízo, ilustra a primeira e mais profunda fase da Revolução: a que ocorre nas tendências e nas ideias. Ao suprimir a distinção entre o bem e o mal, a Revolução “nega a própria noção do pecado” (Oliveira, 1998, p. 25). A redução do cristianismo a uma experiência terapêutica e a transformação do Fiat da Virgem em um mero símbolo de “inclusão sinodal” são manifestações do igualitarismo revolucionário, que odeia toda superioridade, inclusive a da verdade sobre o erro e da virtude sobre o vício. A Igreja, convertida em “um lar aberto a todos” sem critério doutrinário, reflete o ideal igualitário de abolir qualquer discriminação que ofenda a “fundamental igualdade entre os homens” (Oliveira, 1998, p. 19), mesmo que essa “discriminação” seja a própria Lei Divina.
  4. O episódio do bispo Bejarano em San Diego representa a transposição deste processo para o terreno dos fatos. A bênção de um pecador público impenitente no altar não é apenas um escândalo, mas a aplicação prática do liberalismo, que, em sua essência, “pouco se importa com a liberdade para o bem. Só lhe interessa a liberdade para o mal” (Oliveira, 1998, p. 21). Este ato blasfemo, sancionado pela autoridade diocesana, configura uma inversão da ordem, onde o sagrado é profanado e o pecado é honrado. O silêncio da alta hierarquia diante de tal fato, como aponta o artigo, demonstra como a mentalidade revolucionária já domina setores da própria Igreja, tornando-os agentes, conscientes ou não, da sua “autodemolição” (Oliveira, 1998, p. 57). Esta é a ação do “inimigo” sutil e misterioso que, como advertia Pio XII, “se encontra em todo lugar e no meio de todos” (Oliveira, 1998, p. 4).
  5. Por fim, a perseguição estatal a um padre por sua fidelidade ao sigilo sacramental e por sua adesão à ortodoxia católica — qualificada pelo FBI como “catolicismo tradicionalista radical” — revela a outra face da Revolução. Enquanto em seu aspecto “moderado” e de marcha lenta ela corrói a Igreja por dentro com um sorriso, em seu aspecto externo e de alta velocidade ela persegue abertamente os que lhe resistem. Os critérios do FBI para identificar o “extremismo” — a Missa em latim, a rigidez moral, a oposição à ideologia LGBT — são, na realidade, traços da própria Contra-Revolução. O sacerdote fiel representa a reação contra o processo revolucionário; o Estado, por sua vez, age como o braço secular da Revolução, buscando eliminar os últimos vestígios da ordem que ela visa destruir. A inação da hierarquia eclesiástica diante desta perseguição, enquanto promove ativistas, ilustra a harmonia funcional entre as duas velocidades da Revolução: a corrupção interna cria as condições para a perseguição externa.
  6. O fio condutor que une estes três eventos é, de fato, a lógica interna do processo revolucionário. A crise nasce de uma explosão desordenada de orgulho e sensualidade. O orgulho gera o igualitarismo, que não tolera a superioridade da Lei de Deus. A sensualidade gera o liberalismo, que exige liberdade absoluta para o pecado. A pregação de Leão XIV e a ação do bispo Bejarano são frutos diretos destas paixões, que promovem uma “hospitalidade” que é, em si, uma capitulação à desordem. O Estado, ao perseguir a ortodoxia, apenas leva às suas últimas consequências os mesmos princípios. Não há, portanto, uma contradição, mas uma coerência profunda: a Igreja minada por dentro torna-se incapaz de resistir ao inimigo externo, pois ambos servem, em última análise, ao mesmo senhor.
  7. Em conclusão, os fatos narrados por Chris Jackson não são sintomas de uma “nova religião”, mas o apogeu de uma velha Revolução. A aparente hospitalidade é, na verdade, a indiferença liberal-igualitária que constitui a alma do processo revolucionário. A excomunhão não declarada dos fiéis, o silenciamento dos ortodoxos e a perseguição dos sacerdotes que não violam seus votos sagrados são as consequências lógicas da destruição da ordem por excelência. A “igreja de apostasia sorridente” nada mais é do que uma das mais trágicas metamorfoses da Revolução em seu curso para aniquilar por completo os últimos remanescentes da civilização cristã.
Referência

Oliveira, Plinio Corrêa de. Revolução e Contra-Revolução. 4. ed. São Paulo: Artpress, 1998.