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sábado, 28 de setembro de 2024

Indiferentismo Religioso, Liberalismo e Imutabilidade da Doutrina - Papa Gregório XVI

A encíclica Mirari Vos, publicada pelo Papa Gregório XVI em 1832, condena diversas ideias e tendências modernas da época, em especial o liberalismo e o indiferentismo religioso.

Indiferentismo Religioso

O indiferentismo religioso, a crença de que todas as religiões são igualmente válidas e levam à salvação, também é condenado. Gregório XVI afirma que essa ideia mina a fé católica, pois promove uma visão relativista da verdade, onde não haveria diferença essencial entre as religiões. Para o papa, apenas a Igreja Católica possui a plenitude da verdade e dos meios de salvação, sendo, portanto, perigoso para a salvação das almas adotar uma postura de indiferentismo:

Outra causa que tem acarretado muitos dos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, ou seja, aquela perversa teoria espalhada por toda parte, graças aos enganos dos ímpios, e que ensina poder-se conseguir a vida eterna em qualquer religião, contanto que se amolde à norma do reto e honesto. Podeis, com facilidade, patentear à vossa grei esse erro tão execrável, dizendo o Apóstolo que há um só Deus, uma só fé e um só batismo (Ef 4, 5): entendam, portanto, os que pensam poder-se ir de todas as partes ao porto da Salvação que, segundo a sentença do Salvador, eles estão contra Cristo, já que não estão com Cristo (Lc 11,23), e os que não colhem com Cristo dispersam miseramente, pelo que perecerão infalivelmente os que não tiverem a fé católica e não a guardarem íntegra e sem mancha (Simbol. Sancti Athanasii); ouçam S. Jerônimo, do qual se diz que quanto alguém tentara atraí-lo para a sua causa, dizia sempre com firmeza: O que está unido à Cátedra de Pedro é o meu (S. Hier., ep. 57). E nem alimentem ilusões porque estão batizados; a isto calha a resposta de Santo Agostinho que diz não perder o sarmento sua forma quando está amputado da vide; porém, de que lhe serve, se não tira sua vida da raiz? (In Ps. contra part. Donat.).

Condenação do Liberalismo

Gregório XVI critica duramente o liberalismo, que ele associa a uma rejeição da autoridade da Igreja e à promoção de uma falsa liberdade. O papa argumenta que o liberalismo coloca o indivíduo acima das leis divinas e da ordem moral, permitindo que as pessoas busquem suas próprias vontades e paixões em detrimento da verdade revelada e da moralidade cristã. Ele adverte que essa liberdade desordenada leva à anarquia social e à subversão das instituições, especialmente as religiosas:

Dessa fonte lodosa do indiferentismo promana aquela sentença absurda e errônea, digo melhor disparate, que afirma e defende a liberdade de consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estendo por toda parte, chegando a imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião. Que morte pior há para a alma, do que a liberdade do erro! dizia Santo Agostinho (Ep. 166). Certamente, roto o freio que mantém os homens nos caminhos da verdade, e inclinando-se precipitadamente ao mal pela natureza corrompida, consideramos já escancarado aquele abismo (Apoc 9,3) do qual, segundo foi dado ver a São João, subia fumaça que entenebrecia o sol e arrojava gafanhotos que devastavam a terra. Daqui provém a efervescência de ânimo, a corrupção da juventude, o desprezo das coisas sagradas e profanas no meio do povo; em uma palavra, a maior e mais poderosa peste da república, porque, segundo a experiência que remonta aos tempos primitivos, as cidade que mais floresceram por sua opulência, extensão e poderio sucumbiram, somente pelo mal da desbragada liberdade de opiniões, liberdade de ensino e ânsia de inovações.

Obs: O marco fundante do liberalismo, especialmente no campo da política e sua relação com o indivíduo, é o pensamento de John Locke, especialmente quando publicou o “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” em 1690. 

Imutabilidade da Doutrina

Gregório XVI afirma que a verdade revelada por Cristo e transmitida pela Igreja é imutável e eterna. As mudanças no pensamento humano ou nas condições sociais não podem alterar o depósito da fé, e a Igreja tem a responsabilidade de preservá-lo intocado:

Constando, com efeito, como reza o testemunho dos Padres do Concílio de Trento (Sess. 13, dec. de Eucharistia in proœm.), que a Igreja recebeu sua doutrina de Jesus Cristo e dos seus Apóstolos, e que o Espírito Santo a está continuamente assistindo, ensinando-lhe toda a verdade, é por demais absurdo e altamente injurioso dizer que se faz necessária uma certa restauração ou regeneração, para fazê-la voltar à sua primitiva incolumidade, dando-lhe novo vigor, como se fosse de crer que a Igreja é passível de defeito, ignorância ou outra qualquer das imperfeições humanas; com tudo isto pretendem os ímpios que, constituída de novo a Igreja sobre fundamentos de instituição humana, venha a dar-se o que São Cipriano tanto detestou: que a Igreja, coisa divina, se torne coisa humana (Ep. 52, edit. Baluz.). Pensem, pois, os que tal supõem, que somente ao Romano Pontífice como atesta São Leão, tem sido confiada a constituição dos cânones; e que somente a ele, que não a outro, compete julgar dos antigos decretos dos cânones, medir os preceitos dos seus antecessores para moderar, após diligente consideração, aquelas coisas, cuja modificação é exigida pela necessidade dos tempos (Ep. ad. episc. Lucaniae).