Na Sexta-feira da Paixão e
Morte do Senhor a Igreja não celebra o Santo Sacrifício
da Missa. Em sinal de luto e para realçar mais a morte de Nosso Senhor na Cruz,
ela congrega os fiéis em redor do Sumo Sacerdote que se oferece como Vítima
pelos pecados do mundo. É dia de luto universal. A solene ação
litúrgica desse dia, que deve ser celebrada à tarde, das 15 horas, não, todavia,
depois das 18 horas se divide em quatro partes: 1ª. as Leituras; 2ª. as Orações
Solenes; 3ª. a Adoração da Cruz e 4ª. a Comunhão.
Leitura (Ex 12, 1-11)
Naqueles dias, disse o Senhor a Moisés e a Aarão, na terra do Egito: Este mês
será para vós o primeiro dos meses; será para vós o primeiro dos meses do ano.
Falai a toda a assembléia dos filhos de Israel, e dizei-lhes: No décimo dia
deste mês, tome, cada qual, um cordeiro para sua família e para sua casa. Se em
uma casa não houver número suficiente de pessoas para comer o cordeiro,
chamem-se da casa do vizinho mais próximo quantas pessoas bastem para comer o
cordeiro. Este cordeiro deve ser sem mancha, masculino e deste ano. Observando o
mesmo rito, podeis também tomar um cabrito. Guarda-lo-eis até o décimo quarto
dia deste mês: e então, à tarde, toda a multidão dos filhos de Israel o imolará.
E tomar-se-á o sangue com o qual serão pintados os dois umbrais e o limiar das
casas em que o cordeiro for comido. Nessa mesma noite comerão a carne assada no
lume, com pão ázimo e alfaces silvestres. Dele nada comereis cru ou cozido com
água, mas tudo será assado no lume: a cabeça, os pés e as entranhas serão
comidos. Nada deverá ficar para o dia seguinte. Se alguma coisa sobrar, tereis o
cuidado de a consumir no fogo. E é assim que deveis comer: cingidos os vossos
rins, calçados os vossos pés e segurando bordões na mão. Comereis com pressa,
pois é a Páscoa (isto é, a passagem) do Senhor.
Paixão (Jo 18, 1-40;
19, 1-42)
Naquele tempo, passou Jesus com os seus discípulos à outra banda
do rio Cedron, onde havia um horto no qual entrou com os seus discípulos. Judas,
que o traía, conhecia também esse lugar, porque muitas vezes Jesus ali viera com
os seus discípulos. Tendo pois, tomado uma companhia de soldados e de servos,
fornecidos pelos pontífices e fariseus, veio Judas a esse lugar, com lanternas,
archotes e armas. Jesus, que sabia tudo o que ia acontecer, foi-lhes ao encontro
e disse: A quem procurais? Eles responderam: A Jesus Nazareno. Disse-lhes Jesus:
Sou eu. Ora, Judas, que o atraiçoava, estava também com eles. Apenas Jesus lhes
disse: Sou eu, retrocederam e caíram por terra. Perguntou-lhes Jesus, pela
segunda vez: A quem procurais? Responderam eles: A Jesus Nazareno. Respondeu
Jesus: Já vos disse que sou eu; se, pois, só a mim buscais, deixai ir a estes.
Assim se cumpriu a palavra que havia dito: Não perdi nenhum dos que me destes.
Então Simão Pedro, que tinha uma espada, desembainhou-a e feriu um servo do
pontífice, cortando-lhe a orelha direita. Este servo chamava-se Malco. Disse
Jesus a Pedro: Mete a tua espada na bainha. O cálice que meu Pai me deu, não o
beberei eu? Então, a corte, o tribunal e os servos dos judeus prenderam a Jesus
e O amarraram; e O conduziram primeiramente a Anaz, porque era sogro de Caifás
que era o pontífice naquele ano. Ora, Caifás era o que havia dado este conselho
aos judeus: Convém que um homem morra pelo povo. Entretanto Simão Pedro e o
outro discípulo [João] seguiram a Jesus. Este discípulo, que era conhecido do
pontífice, entrou com Jesus no pátio do palácio; mas Pedro ficou fora, à porta.
Saiu então o discípulo que conhecia o pontífice, falou à porteira e esta fez
Pedro entrar. E então disse a porteira a Pedro: Não és tu também um dos
discípulos desse homem? Respondeu ele: Não sou. Estavam ali os servos e os
guardas em torno do braseiro, aquecendo-se, porque fazia frio; e com eles estava
Pedro, de pé, aquecendo-se também. O pontífice, no entanto, inquiriu Jesus
acerca de seus discípulos e de sua doutrina. Respondeu-lhe Jesus: Eu falei
publicamente ao mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo a que afluem todos
os judeus; e nada disse ocultamente. Por que me interrogas? Pergunta àqueles que
me ouviram; eles sabem o que lhes ensinei. Tendo Jesus proferido estas palavras,
um dos guardas que aí se achavam, deu-Lhe uma bofetada, dizendo: Assim respondes
ao pontífice? Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, traze-me o testemunho do mal,
mas se falei bem, por que me bates? E Anás enviou-O maniatado ao pontífice
Caifás. Ainda ali estava Simão Pedro, de pé, a aquecer-se. Disseram-lhe então:
Não és também um dos seus discípulos ? Ele negou, dizendo: Não sou. Disse-lhe um
dos servos do pontífice, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha:
Porventura não te vi eu no horto com Ele? E Pedro negou outra vez; e logo depois
o galo cantou. Conduziram então Jesus da casa de Caifás ao pretório. Era manhã,
e eles não entraram no pretório para não ficarem impuros e poderem comer o
cordeiro pascal. Pilatos veio fora, junto a eles e disse-lhes: Que acusações
trazeis contra este homem? Replicaram-lhe com estas palavras: Se não fosse um
malfeitor, não O entregaríamos a ti. Disse-lhes Pilatos: Levai-O e julgai-O
segundo a vossa lei. Responderam-lhe os judeus: Não nos é permitido matar
ninguém. Foi dito isto para que se cumprisse a palavra que Jesus dissera,
indicando de que morte havia de morrer Entrou Pilatos outra vez no pretório,
chamou Jesus e disse-Lhe: És Tu o Rei dos judeus? Respondeu Jesus: Dizes isso de
ti mesmo ou foram outros que to disseram de mim? Respondeu Pilatos. Sou eu,
porventura, judeu? Tua gente e os pontífices Te entregaram a mim. Que fizeste
pois? Respondeu Jesus: Meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste
mundo, meus ministros pelejariam para que eu não fosse entregue aos judeus;
agora porém, não é daqui o meu Reino. Disse-Lhe então Pilatos-. Logo, Tu és Rei
? Respondeu Jesus: Tu dizes; eu sou Rei. Eu para isto nasci e para isto vim ao
mundo a fim de dar testemunho à verdade. Todo aquele que é da verdade, ouve a
minha voz. Disse-Lhe Pilatos: Que coisa é a verdade? E dizendo isto, foi ter
outra vez com os judeus e lhes disse: Nenhum crime acho n’Ele. É porém costume
entre vós que eu vos liberte um preso pela Páscoa; quereis, pois, que vos solte
o Rei dos judeus? Então tornaram todos a clamar, dizendo: Este não, e sim
Barrabás. Ora, Barrabás era um ladrão. Então Pilatos prendeu a Jesus e O mandou,
açoitar. E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na sobre a cabeça
de Jesus e O revestiram com um manto de púrpura. E aproximavam-se d’Ele e
diziam-Lhe: Salve, Rei dos judeus! E davam-Lhe bofetadas. Pilatos tornou ainda a
sair e disse-lhes: Ei-Lo, aqui O trago para que saibais que não acho n’E!e
nenhum delito. (Apareceu então Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de
púrpura.) E disse-lhes Pilatos: Eis o homem. Vendo-O, os pontífices e os guardas
puseram-se a gritar: Crucifica-O, crucifica-O. Disse-lhes Pilatos: Tomai-O vós e
crucificai-O: porque não acho n’ Ele crime algum. Responderam-lhe os judeus: Nós
temos uma lei, e segundo essa lei, Ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus.
Quando Pilatos ouviu estas palavras, temeu ainda mais. E entrou outra vez no
pretório e disse a Jesus: Donde és Tu? Mas Jesus não lhe deu resposta. Disse-Lhe
então Pilatos: Não me falas? Não sabes que tenho poder para Te crucificar e
poder para te por em liberdade? Respondeu Jesus: Não terias poder algum sobre
mim, se te não fosse dado do alto. Por isso aquele que a ti me entregou, tem
maior pecado. Desde esse momento, procurava Pilatos o meio de O livrar. Mas os
judeus gritavam: Se soltas este homem, não és amigo de César; porque todo aquele
que se faz rei, declara-se contra César. Ao ouvir Pilatos estas palavras, trouxe
Jesus para fora e assentou-se em seu tribunal, no lugar chamado em grego
Lithóstrotos e em hebraico Gabbatha. Era o dia da preparação da Páscoa, e quase
à hora sexta. E disse Pilatos aos judeus: Eis o vosso Rei. Eles, porém,
clamavam: Fora! fora com Ele! Crucifica-O. Disse-lhes Pilatos: Pois hei de
crucificar o vosso Rei? Revidaram os pontífices: Não temos outro Rei senão
César. Então, finalmente, Pilatos lhes entregou Jesus para ser crucificado. Eles
tomaram pois a Jesus e O levaram. E Jesus, carregando a sua cruz às costas, saiu
para o lugar chamado Calvário, em hebraico Gólgota, onde O crucificaram, e com
Ele dois outros, um de cada lado, e Jesus no meio. Escreveu também Pilatos um
título que mandou colocar sobre a cruz. E nele estava escrito: Jesus Nazareno,
Rei dos judeus. Muitos dos judeus leram esse título, porque era perto da cidade
o lugar onde Jesus fora crucificado. E a inscrição era em hebraico, grego e
latim. Diziam pois a Pilatos os pontífices dos’ judeus: Não escrevas: Rei dos
judeus, mas sim como Ele disse: Sou o Rei dos judeus. Respondeu Pilatos: O que
escrevi, escrevi. Os soldados, porém, depois de haverem crucificado a Jesus,
tomaram as suas vestes (dividindo-as em quatro partes, uma para cada soldado); e
tomaram também a túnica. Esta era sem costura, toda tecida de alto a baixo. E
disseram então uns aos outros: Não a rasguemos; mas tiremos por sorte quem há de
levá-la. Para que se cumprisse a Escritura, que diz: Repartiram entre si as
minhas vestes e sobre a minha túnica deitaram sortes. E assim mesmo fizeram os
soldados. Estavam de pé junto à cruz de Jesus, sua Mãe, e a irmã de sua Mãe,
Maria, mulher de Cleófas, e Maria Madalena. Jesus, então, vendo sua Mãe e perto
dela o discípulo que Ele amava, disse à sua Mãe: Mulher, eis o teu filho. Depois
disse ao discípulo: Eis a tua Mãe. E desde aquela hora, recebeu-a o discípulo em
sua casa. Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para que ainda se
cumprisse a Escritura, disse: Tenho sede. Havia ali um vaso cheio de vinagre. E
os soldados embeberam no vinagre uma esponja, que prenderam num hissopo, e
chegaram-na à sua boca. Havendo Jesus tomado o vinagre, disse: Tudo está
consumado. E, inclinando a cabeça, expirou. (Aqui todos se ajoelham, havendo uma
pausa, para honrar a morte de Nosso Senhor). Como era a preparação da Páscoa,
para que não ficassem na cruz os corpos em dia de sábado (porque aquele dia de
sábado era de grande solenidade), rogaram os judeus a Pilatos que se lhes
quebrassem as pernas e os corpos fossem tirados. Vieram pois os soldados e
quebraram as pernas ao primeiro, e ao outro que com Ele fora crucificado. Tendo
vindo depois a Jesus, como O viram já morto, não Lhe quebraram as pernas. Mas um
dos soldados Lhe abriu o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água.
E aquele que o viu, deu testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe
que disse a verdade, para que também o creiais. Porque estas coisas aconteceram
para que se cumprissem as palavras da Escritura: Não lhe quebrareis osso algum.
E também diz outro aqueles a quem traspassaram, Depois disso, José de Arimateia
(que era discípulo de Jesus, ainda que ocultamente, por medo dos judeus) rogou a
Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. E Pilatos consentiu. José
veio, pois, e tirou o corpo de Jesus. Nicodemos, aquele que fora visitar a Jesus
pela primeira vez, à noite, veio também, trazendo uma mistura de quase cem
libras de mirra e aloés. Tomaram então o corpo de Jesus e O envolveram em
lençóis com aromas, segundo o costume de sepultar dos judeus. Havia no lugar em
que Jesus fora crucificado, um horto, e nele uma sepultura nova onde ninguém
fora ainda depositado. Ali pois, por ser o dia de Parasceve dos judeus, e porque
aquele sepulcro estava perto, colocaram a Jesus.
Homilias e Explicações Teológicas
O sacrifício do cordeiro pascal, cuja carne é consumida para a salvação dos primogênitos, prefigura o verdadeiro Cordeiro, Cristo, cuja oblação na cruz não apenas redime, mas une os fiéis em comunhão com sua divindade, sendo o sangue aspergido um sinal da nova aliança que purifica a alma do pecado (Santo Agostinho, Sermão 228). A traição de Judas, movida por cobiça, revela a fraqueza humana que contrasta com a fortaleza de Cristo, que, ao aceitar a traição, manifesta a soberania de sua vontade divina, transformando o mal em instrumento de redenção (São João Crisóstomo, Homilia sobre João 18). A flagelação e a coroação de espinhos, longe de serem apenas sofrimentos físicos, são a assunção por Cristo de todas as dores humanas, elevando o sofrimento à dignidade de sacrifício redentor, onde a humilhação se torna glória (Santo Tomás de Aquino, Comentário sobre João 19). A entrega de Cristo à cruz, em silêncio e obediência, é a perfeita realização da justiça divina, que não pune, mas reconcilia, oferecendo ao mundo a paz que excede toda compreensão (Santo Ambrósio, Tratado sobre o Evangelho de Lucas, adaptado para João 19). A inscrição na cruz, escrita em três línguas, proclama a universalidade do reinado de Cristo, que, mesmo na morte, governa como Rei, unindo todos os povos sob sua cruz (São Beda, o Venerável, Comentário sobre João 19).
Síntese Comparativa com os Evangelhos Sinóticos
Os evangelhos sinóticos complementam o relato de João (Jo 18,1-40; 19,1-42) com detalhes que enriquecem a narrativa da Paixão. Mateus (Mt 26,30-27,66) destaca o canto do hino após a Última Ceia, sugerindo um contexto litúrgico, e inclui o arrependimento de Judas, que devolve as moedas e se enforca, um aspecto ausente em João. Marcos (Mc 14,26-15,47) enfatiza a angústia de Jesus no Getsêmani, com sua oração intensa e suor de sangue, detalhando a humanidade de Cristo em sua luta interior, menos explícita em João. Lucas (Lc 22,39-23,56) apresenta Jesus consolando as mulheres que choram por ele no caminho do Calvário, um gesto de compaixão não mencionado em João, e registra o perdão de Jesus ao "bom ladrão", oferecendo uma perspectiva única sobre a misericórdia divina. Esses acréscimos dos sinóticos fornecem nuances emocionais e teológicas que complementam a abordagem mais teológica e simbólica de João.
Síntese Comparativa com Textos de São Paulo
Os textos de São Paulo complementam o evangelho de João (Jo 18,1-40; 19,1-42) ao explicitar os efeitos teológicos e espirituais da Paixão de Cristo. Em 1 Coríntios 5,7-8, Paulo identifica Cristo como o "Cordeiro Pascal" sacrificado, conectando diretamente a morte de Jesus à libertação do pecado, um simbolismo apenas implícito em João. Em Romanos 5,8-11, Paulo destaca que a morte de Cristo reconcilia a humanidade com Deus, enfatizando a justificação pela fé, um tema que João aborda de forma mais narrativa. Em Filipenses 2,6-11, Paulo descreve a kénosis de Cristo, sua humilhação voluntária até a cruz, enriquecendo a compreensão da obediência de Jesus narrada em João. Finalmente, em Gálatas 3,13, Paulo interpreta a crucificação como Cristo se tornando "maldição" para redimir os homens da maldição da lei, um aspecto jurídico-teológico ausente no relato joanino. Esses textos paulinos amplificam a dimensão soteriológica da Paixão, oferecendo uma reflexão teológica que complementa a narrativa de João.
Cerimônia do dia na St. Gertrude the Great Roman Catholic Church