Cibávit eos ex ádipe fruménti, allelúia... O Senhor os alimentou com flor de trigo, aleluia; e fartou-os com mel do rochedo, aleluia, aleluia, aleluia. Sl. Exultai em Deus, nosso auxílio: glorificai ao Deus de Jacó.
Epístola (I Cor 11, 23-29)
Irmãos: Do Senhor eu recebi o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão, e, dando graças, partiu-o e disse: Tomai e comei: Isto é o meu Corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Igualmente, depois de haver ceando, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo Testamento em meu Sangue. Fazei isto todas as vezes que o beberdes em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha. Portanto todo aquele que comer deste pão, e beber este cálice do Senhor indignamente, será réu do Corpo e do Sangue do Senhor. Examine-se, pois, a si mesmo,o homem, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação, não distinguindo [de outra comida], o Corpo do Senhor.
Evangelho (Jo 6, 56-59)
Naquele tempo, disse Jesus às multidões dos judeus: Minha Carne é verdadeiramente comida e meu Sangue é verdadeiramente bebida. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue, permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim também, o que me comer viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu. Não como o maná que os vossos país comeram, e contudo morreram. Quem comer deste pão viverá eternamente.
Reflexões
- A solenidade de Corpus Christi, celebrada com os textos litúrgicos do Introito (Sl 80, 17), da Epístola (I Cor 11, 23-29) e do Evangelho (Jo 6, 56-59), revela a profundidade do mistério eucarístico como fonte de vida divina e união com Cristo. A Eucaristia, enquanto memorial do sacrifício de Cristo, não apenas reatualiza a oferta da cruz, mas também constitui um vínculo sobrenatural que transforma o fiel em morada do Verbo encarnado, elevando sua alma à comunhão com a Trindade (Santo Agostinho, Sermo 57, 7). Este sacramento é um remédio contra a fragilidade humana, pois, ao receber o Corpo de Cristo, o homem é fortalecido para resistir às tentações e crescer na caridade, sendo incorporado à Igreja como membro vivo do Corpo Místico (Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, III, q. 79, a. 1*). A presença real de Cristo na Eucaristia, distinta de sua presença em outros sacramentos, é um mistério de fé que exige do fiel uma disposição interior de humildade e reverência, para que o recebimento do Pão Vivo não se torne ocasião de juízo, mas de salvação (Santo Ambrósio, De Mysteriis, 9, 58*). Por fim, a festa de Corpus Christi exalta a Eucaristia como um banquete escatológico, que prefigura a união eterna dos santos com Deus no céu, onde a visão beatífica consumará o que o sacramento agora realiza em mistério (Santo Boaventura, In IV Sent., d. 8, p. 2, a. 1, q. 2*).
- O Evangelho de João 6, 56-59, proclamado na solenidade de Corpus Christi, enfatiza a necessidade de comer a carne e beber o sangue de Cristo para ter vida eterna, um ensino único que não encontra paralelo direto nos evangelhos sinóticos. Em Mateus 26, 26-28, Marcos 14, 22-24 e Lucas 22, 19-20, a narrativa da instituição da Eucaristia durante a Última Ceia destaca o aspecto sacrificial do Corpo e Sangue de Cristo, oferecidos como nova aliança para a remissão dos pecados, complementando o discurso joanino ao vincular a Eucaristia ao sacrifício pascal. Lucas 24, 30-31 adiciona a dimensão da revelação eucarística, onde Cristo, ao partir o pão em Emaús, é reconhecido pelos discípulos, sugerindo que a Eucaristia é também um encontro com o Ressuscitado, um aspecto não explicitado em João. Mateus 14, 19-21 e paralelos sinóticos (Mc 6, 41; Lc 9, 16) sobre a multiplicação dos pães prefiguram a Eucaristia como um banquete abundante, reforçando a ideia de João sobre o Pão Vivo que sacia eternamente, mas com ênfase na providência divina para as multidões.
- A Epístola de I Coríntios 11, 23-29, lida em Corpus Christi, apresenta a instituição da Eucaristia como um mandato de Cristo para perpetuar seu sacrifício, com advertências sobre a necessidade de discernimento para evitar profaná-la. Outros textos paulinos complementam essa perspectiva. Em I Coríntios 10, 16-17, Paulo destaca a Eucaristia como uma comunhão no Corpo e Sangue de Cristo, que une os fiéis em um só corpo, enfatizando a dimensão eclesial da unidade, ausente no texto litúrgico do dia. Em Efésios 5, 25-27, a entrega de Cristo pela Igreja é comparada ao sacrifício eucarístico, sugerindo que a Eucaristia purifica e santifica a Igreja como esposa de Cristo, um aspecto não abordado diretamente em I Coríntios 11. Já em Colossenses 1, 24, Paulo menciona completar os sofrimentos de Cristo em sua carne, o que, em conexão com a Eucaristia, aponta para a participação dos fiéis no sacrifício de Cristo por meio do sacramento, enriquecendo a ideia de memorial presente na Epístola.
- O Concílio de Trento, em sua Sessão XIII (1551), Decretum de Sanctissima Eucharistia, define a presença real, substancial e permanente de Cristo na Eucaristia, complementando João 6, 56-59 ao esclarecer que o Pão Vivo é verdadeiramente o próprio Cristo, e não apenas um símbolo. O Missale Romanum de São Pio V (1570), em sua oração Supra quae do Cânon Romano, reforça a ideia de I Coríntios 11, 23-29, apresentando a Eucaristia como um sacrifício agradável a Deus, que renova a oferta de Cristo, mas com ênfase na intercessão pelos vivos e mortos, não explicitada na Epístola. A encíclica Mirae Caritatis (1902), de Leão XIII, exalta a Eucaristia como fonte de caridade e vínculo de fraternidade, conectando-se ao Introito (Sl 80, 17) ao descrever o sacramento como o alimento celestial que fortalece a alma para a união com Deus e os irmãos. O Catechismus Romanus (1566), promulgado por Trento, sublinha a necessidade de pureza espiritual para receber dignamente, ampliando a advertência de Paulo em I Coríntios 11 sobre o discernimento, com foco na preparação penitencial.