O texto em apreço, que se intitula "O Evangelho Segundo o Espiritismo", pretende oferecer uma elucidação dos ensinamentos morais de Nosso Senhor Jesus Cristo, buscando, para tal, um alicerce em comunicações espirituais e até mesmo em figuras veneráveis como Moisés, e nos pensadores pagãos Sócrates e Platão, apresentados como precursores. No entanto, tal empreendimento, longe de iluminar a Verdade Eterna e Imutável do Evangelho, lança sobre ela o véu de perigosas novidades e interpretações que desviam as almas do único caminho da Salvação.
É de se questionar, primeiramente, a audácia de se propor uma "terceira revelação" (p. 38), como se a Palavra de Deus, encarnada em Jesus Cristo e confiada à Sua Igreja, fosse insuficiente ou necessitasse de complementos advindos de fontes obscuras e não verificáveis. A alegação de que o Cristo não teria dito tudo (p. 38) e que seus ensinamentos permaneceram incompreendidos ou alegóricos, aguardando uma "chave" espírita para sua decifração, atenta contra a clareza e a suficiência da Revelação Divina. A tentativa de colocar filósofos pagãos, por mais nobres que fossem suas intuições parciais, no mesmo patamar de precursores da doutrina cristã que Moisés, dilui a singularidade e a origem divina da Lei Antiga e da Nova Aliança.
Ademais, a interpretação de passagens cruciais do Santo Evangelho é torcida para se adequar a doutrinas estranhas à Fé Apostólica. A promessa de "muitas moradas na casa do Pai" (p. 48) é transfigurada em uma teoria sobre mundos habitados para sucessivas reencarnações, e o "nascer de novo" (p. 56), claro ensinamento sobre a regeneração espiritual pelo Batismo e pela graça, é pervertido em um ciclo de existências terrenas. Tais noções anulam a unicidade da vida terrena como tempo de merecimento ou demerecimento, esvaziam o significado do Juízo e da eternidade das penas e das recompensas, e contradizem frontalmente o dogma da Ressurreição da carne. A própria natureza do sofrimento e da justiça divina é reinterpretada sob a luz de supostas "causas anteriores" (p. 66), em existências pretéritas, minimizando a misericórdia divina e a redenção operada por Cristo.
Questiona-se, com gravidade, a natureza e a origem dos "espíritos" que teriam ditado tais "revelações". A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja advertem sobejamente contra as comunicações com os mortos e as astúcias do Inimigo da Salvação, que pode se disfarçar para semear o erro. A pretensa "concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos" (p. 17, 19) como critério de verdade é um fundamento frágil e subjetivo, que abre as portas para toda sorte de ilusões e enganos.
Mesmo a máxima "Fora da caridade não há salvação" (p. 173), em si mesma sublime, quando destacada do conjunto da Fé e da verdadeira doutrina sobre a natureza de Deus e os meios de Salvação por Ele instituídos, torna-se um preceito incompleto, podendo levar a um perigoso indiferentismo religioso. A caridade verdadeira floresce no terreno da Fé autêntica e da obediência aos Mandamentos divinos, tal como ensinados pela única e verdadeira Igreja.
Em suma, o referido texto, ao propor uma releitura do Evangelho fundamentada em comunicações espirituais e em princípios como a reencarnação, a pluralidade dos mundos evolutivos e a lei de causa e efeito como justificativa para as aflições, afasta-se perigosamente da pura doutrina de Jesus Cristo. Constitui-se, pois, em uma construção humana que, sob a aparência de explicar e moralizar, introduz erros funestos e conduz as almas por sendas que não são as da Verdade revelada por Deus.
Referências
Monsenhor Louis-Gaston de Ségur. Les Mystères du Spiritisme dévoilés.
Kardec, A. (s.d.). O Evangelho Segundo o Espiritismo:
Página 17, 19: Autoridade da Doutrina Espírita; Controle universal dos ensinamentos dos Espíritos.
Página 38: As três revelações (Moisés, Cristo, Espiritismo); O Espiritismo é a chave.
Página 48: Capítulo 3 – Há Muitas Moradas na Casa de Meu Pai.
Página 56: Capítulo 4 – Ninguém Pode Ver o Reino de Deus se Não Nascer de Novo.
Página 66: Capítulo 5 – Bem-Aventurados os Aflitos; Causas anteriores das aflições.
Página 173: Capítulo 15 – Fora da Caridade Não Há Salvação.