O texto em apreço, que se intitula "O Evangelho Segundo o Espiritismo", pretende oferecer uma elucidação dos ensinamentos morais de Nosso Senhor Jesus Cristo, buscando, para tal, um alicerce em comunicações espirituais e até mesmo em figuras veneráveis como Moisés, e nos pensadores pagãos Sócrates e Platão, apresentados como precursores. No entanto, tal empreendimento, longe de iluminar a Verdade Eterna e Imutável do Evangelho, lança sobre ela o véu de perigosas novidades e interpretações que desviam as almas do único caminho da Salvação.
É de se questionar, primeiramente, a audácia de se propor uma "terceira revelação" (KARDEC, s.d., p. 38), como se a Palavra de Deus, encarnada em Jesus Cristo e confiada à Sua Igreja, fosse insuficiente ou necessitasse de complementos advindos de fontes obscuras e não verificáveis. A alegação de que o Cristo não teria dito tudo (KARDEC, s.d., p. 38) e que seus ensinamentos permaneceram incompreendidos ou alegóricos, aguardando uma "chave" espírita para sua decifração, atenta contra a clareza e a suficiência da Revelação Divina. Na verdade, esta pretensão de "completar" e "reformar" a obra de Cristo é de uma arrogância monumental, que reduz Nosso Senhor à condição de um mero precursor, um profeta menor cuja obra seria imperfeita e transitória. O próprio Kardec admite que seu movimento visa "restaurar a religião de Cristo que se tomou, nas mãos dos padres, objeto de comércio e de tráfico vil" (apud KLOPPENBURG, 2002, p. 10), revelando não uma intenção de iluminar, mas um projeto de demolição da autoridade eclesial. A tentativa de colocar filósofos pagãos, por mais nobres que fossem suas intuições parciais, no mesmo patamar de precursores da doutrina cristã que Moisés, dilui a singularidade e a origem divina da Lei Antiga e da Nova Aliança.
Ademais, a interpretação de passagens cruciais do Santo Evangelho é torcida para se adequar a doutrinas estranhas à Fé Apostólica. A promessa de "muitas moradas na casa do Pai" (KARDEC, s.d., p. 48) é transfigurada em uma teoria sobre mundos habitados para sucessivas reencarnações, e o "nascer de novo" (KARDEC, s.d., p. 56), claro ensinamento sobre a regeneração espiritual pelo Batismo e pela graça, é pervertido em um ciclo de existências terrenas. Com uma exegese digna de amadores, ignora-se o contexto bíblico e patrístico. O "nascer do alto" (do grego ánothen) é a obra da graça santificante, o "batismo da regeneração e renovação do Espírito Santo" (Tito 3,5), e não um perpétuo retorno à carne para pagar dívidas cármicas. Ao fazer isso, o espiritismo nega a doutrina apostólica sobre a unicidade da vida terrestre, que é o tempo de merecimento ou demerecimento (Heb. 9,27), e esvazia o significado do Juízo e da eternidade das penas e recompensas, substituindo o drama da salvação por uma enfadonha e automática evolução cósmica. O dogma da Ressurreição da carne é frontalmente contradito, pois o espiritismo prega uma definitiva independência do corpo, estado que considera "normal e definitivo" para a alma (KLOPPENBURG, 2002, p. 53). A própria natureza do sofrimento e da justiça divina é reinterpretada sob a luz de supostas "causas anteriores" (KARDEC, s.d., p. 66), em existências pretéritas, minimizando a misericórdia divina e a redenção operada por Cristo.
Questiona-se, com gravidade, a natureza e a origem dos "espíritos" que teriam ditado tais "revelações". A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja advertem sobejamente contra as comunicações com os mortos e as astúcias do Inimigo da Salvação, que pode se disfarçar para semear o erro. A pretensa "concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos" (KARDEC, s.d., p. 17, 19) como critério de verdade é um fundamento frágil e subjetivo, que abre as portas para toda sorte de ilusões e enganos. De fato, o próprio Kardec admite a existência de uma multidão de espíritos mentirosos, levianos e zombeteiros, capazes de "imitar todas as caligrafias" e "identificar-se com os hábitos daqueles a quem falam" (apud KLOPPENBURG, 2002, p. 41), tornando qualquer identificação impossível. Onde está, então, a segurança? O critério final, como revela Kardec, é a sua própria razão e "bom senso", que o leva a "rejeitar desassombradamente o que a razão e o bom senso reprovarem" (apud KLOPPENBURG, 2002, p. 48). Assim, a suposta "revelação" nada mais é do que uma construção humana, filtrada pelo racionalismo do século XIX, que aceita dos "espíritos" apenas o que lhe convém.
Mesmo a máxima "Fora da caridade não há salvação" (KARDEC, s.d., p. 173), em si mesma sublime, quando destacada do conjunto da Fé e da verdadeira doutrina sobre a natureza de Deus e os meios de Salvação por Ele instituídos, torna-se um preceito incompleto, podendo levar a um perigoso indiferentismo religioso. É um slogan vazio, usado como um aríete contra a necessidade da Fé. A caridade que não se fundamenta na Verdade revelada degenera em mera filantropia ou sentimentalismo. Nosso Senhor disse: "Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado" (Mc 16,16). A Fé não é opcional. Sem ela, a caridade perde seu fundamento sobrenatural e sua direção. A caridade verdadeira floresce no terreno da Fé autêntica e da obediência aos Mandamentos divinos, tal como ensinados pela única e verdadeira Igreja.
Em suma, o referido texto, ao propor uma releitura do Evangelho fundamentada em comunicações espirituais e em princípios como a reencarnação, a pluralidade dos mundos evolutivos e a lei de causa e efeito como justificativa para as aflições, afasta-se perigosamente da pura doutrina de Jesus Cristo. Constitui-se, pois, em uma construção humana que, sob a aparência de explicar e moralizar, introduz erros funestos e conduz as almas por sendas que não são as da Verdade revelada por Deus. É, como denuncia o Padre Júlio Maria, uma "palhaçada perigosa", que "perturba as inteligências pela macabra e misteriosa encenação de que se reveste" (MARIA, 1959, p. 101), levando as almas, por fim, não à casa do Pai, mas a uma "verdadeira fábrica de loucos" (KLOPPENBURG, 2002, p. 31), onde a confusão doutrinária é o primeiro passo para a ruína espiritual.
Referências
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
KLOPPENBURG, Frei Boaventura. Espiritismo – orientação para católicos. 7. ed. 2002.
MARIA, Padre Júlio. Os Segredos do Espiritismo. 5. ed. 1959.
SÉGUR, Monsenhor Louis-Gaston de. Les Mystères du Spiritisme dévoilés.