Em tempos de sombras e incertezas, quando a voz dos bispos se dispersa como folhas ao vento e os governos civis se erguem contra a própria ordem natural, impõe-se recordar a doutrina perene da Igreja sobre a rocha sobre a qual foi edificada. O ultramontanismo, tão mal compreendido e difamado por modernistas e galicanos, não foi uma invenção devocional, nem um delírio clericalista de mentes exaltadas. Foi — e é — o reconhecimento da constituição divina da Igreja, segundo a qual Pedro recebeu do Senhor as chaves do Reino, e seus sucessores exercem essa autoridade até o fim dos tempos. Essa autoridade, no entanto, não é um poder temporal entre outros, mas a manifestação de um princípio espiritual que transcende e julga todas as autoridades terrenas, estabelecendo uma distinção vertical que rompe a bidimensionalidade do mundo antigo, onde o poder religioso e o poder político se confundiam no culto da polis ou do Império. É, em última instância, um ato de fé na promessa de Cristo que inaugura uma revolução da consciência, ao fundar uma autoridade espiritual autônoma em face do poder temporal: "Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam" (Mt 16,18).
O termo "ultramontano", usado inicialmente de forma pejorativa por seus adversários, significa literalmente "além dos montes", referindo-se à sede de Roma, situada além dos Alpes para os franceses e germânicos. Designava aqueles que, contra o espírito de autonomia nacional eclesiástica — seja galicana, febroniana ou josefista — sustentavam a supremacia do Romano Pontífice em matéria de fé, moral, governo e disciplina eclesiástica. Os ultramontanos, pois, reconheciam que o Bispo de Roma, como sucessor de Pedro, não apenas possui um primado de honra, mas uma jurisdição ordinária, imediata e universal sobre todos os fiéis e pastores, como definido pelo Concílio Vaticano I: "do Romano Pontífice existe uma potestade ordinária, episcopal e imediata sobre todas e cada uma das igrejas e sobre todos e cada um dos pastores e fiéis" (Denzinger-Hünermann, n. 3064).
A virulência do liberalismo católico e das doutrinas políticas nascidas da Revolução Francesa exigiu uma resposta clara e inequívoca da parte dos fiéis. Essas novas ideologias não eram meras contestações políticas, mas a expressão de uma nova "religião civil" que buscava divinizar o tempo e a história, transferindo para o Estado (Leviatã) a autoridade que antes pertencia a Deus. É aqui que o ultramontanismo floresce como movimento doutrinário e espiritual, encarnado em homens como Dom Prosper Guéranger, abade beneditino de Solesmes, cuja obra L’Année Liturgique não apenas restaurou a vida litúrgica, mas reafirmou a unidade católica através da fidelidade à Roma. Para Guéranger, "ser católico é ser romano" (Guéranger, 1841, p. 12). Louis Veuillot, por sua vez, empunhou a pena como espada, enfrentando os liberais com uma retórica ardente e uma lógica intransigente, sem temer os poderosos nem os compromissos que devastam a fé. O cardeal Pie, de Poitiers, não hesitava em proclamar que "a questão política do nosso tempo é a do reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Pie, 1875, p. 201).
Contra os galicanos que queriam submeter o Papa aos concílios nacionais ou ao beneplácito dos soberanos, os ultramontanos repetiam o ensinamento constante dos Padres: Roma locuta, causa finita est. Contra os modernistas, precursores da heresia feita sistema, que insinuavam uma Igreja sem centro, uma fé sujeita ao tempo e uma disciplina dissolúvel, os ultramontanos opunham a figura do Papa como o critério visível da unidade, o vínculo institucional da Verdade. Dizia Pio IX, na Syllabus Errorum, que um dos maiores erros de nosso tempo era pensar que o Pontífice Romano poderia e deveria reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna (Pio IX, 1864, proposição 80), pois essa "civilização" não era outra senão a ascensão da religião de César, o culto da sociedade como entidade suprema.
Tal foi a força e a lógica interna do ultramontanismo que ele culminou no dogma da infalibilidade papal, definido solenemente pelo Concílio Vaticano I em 1870. Quando o Papa fala ex cathedra — isto é, como sucessor de Pedro, com intenção de definir uma doutrina de fé ou moral para toda a Igreja —, ele é preservado do erro, por assistência divina, e sua definição é irreformável por si mesma. Esse dogma não ampliou o poder do Papa, mas reconheceu solenemente o que sempre estivera implícito no depósito da fé. O ultramontano não é um papólatra, como o acusam os ignorantes ou os maliciosos: ele não adora o Papa, mas crê que o Senhor da Igreja, que é Cristo, não deixou seu Corpo Místico ao arbítrio da democracia, dos teólogos ou das assembleias sinodais, mas estabeleceu uma autoridade visível, garantida por sua promessa.
Se hoje se acusa o ultramontanismo de "centralismo excessivo", é porque muitos preferem a Igreja como abstração sociológica ou plataforma ideológica, e não como Corpo sobrenatural. Preferem bispos que representam regiões, etnias ou causas, mas não o Cristo. Esquecem que a Igreja, sendo visível, precisa de um princípio visível de unidade, como ensina São Tomás de Aquino (S. Th., II-II, q. 39, a.1, ad 3). O Papa, sendo cabeça visível, não é uma ameaça à liberdade cristã, mas sua garantia. A verdadeira ameaça é a dissolução da autoridade espiritual numa pluralidade de "igrejas nacionais" ou "teologias contextuais", que, ao fragmentar a unidade da fé, preparam o terreno para que o Estado leigo se torne o único princípio de unidade, o árbitro final de todas as crenças e o verdadeiro sacerdote do culto universal.
Nos nossos dias, a confusão pós-conciliar, a proliferação de abusos litúrgicos, a pulverização da doutrina moral, o culto da descentralização episcopal e o silêncio diante de heresias públicas tornam urgente a recuperação da doutrina ultramontana, ao menos em seu núcleo teológico. A obediência autêntica ao Papa — e não ao marketing curial ou às entrevistas jornalísticas — é medida pela adesão ao magistério constante e infalível da Igreja. O ultramontano de hoje não é um idolatra da autoridade papal circunstancial, mas um guardião da fé petrina que subsiste na Tradição.
Como bem disse Dom Guéranger, "A vida do católico é a vida do dogma. E o dogma vive na Cátedra de Pedro" (Guéranger, 1858, p. 47). Portanto, não há verdadeira restauração da fé que não passe pela fidelidade a Roma. E se Roma, por um tempo, estiver eclipsada por homens que não a representam bem, essa fidelidade se manifesta não no servilismo, mas na firmeza doutrinal, na oração perseverante e na confissão da fé católica íntegra.
Roma é eterna. E o ultramontanismo, longe de ser uma escola política ou uma nostalgia clerical, é a expressão de uma fé teologal que reconhece no Papado não um mero instrumento humano, mas uma instituição divina, fundamento visível de unidade e verdade. Em tempos de névoa, quando a religião civil do Império avança sob o pretexto de unificar o mundo, os olhos que enxergam mais longe são os que olham para além dos montes.
Referências
GUÉRANGER, Dom Prosper. L’Année Liturgique. Paris: Librairie Poussielgue, 1841.
GUÉRANGER, Dom Prosper. Le sens chrétien dans l’histoire. Paris: Poussielgue Frères, 1858.
PIE, Louis-Édouard. Œuvres choisies. Paris: Lecoffre, 1875.
PAPA PIO IX. Syllabus Errorum (1864). In: DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter (org.). Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. 43. ed. São Paulo: Loyola, 2007. (Denzinger-Hünermann, n. 2901–2980).
CONCÍLIO VATICANO I. Constituição Dogmática Pastor Aeternus, 1870. In: DENZINGER-HÜNERMANN, n. 3050–3075.