Auctorem Fidei: Defesa da fé católica (resposta ao Sínodo de Pistoia)


A Bula Auctorem Fidei foi emitida pelo Papa Pio VI em 28 de agosto de 1794. Esta bula papal foi uma resposta crítica ao Sínodo de Pistoia de 1786, que havia proposto várias reformas consideradas controversas pela Igreja Católica. Aqui estão algumas das principais ideias e pontos abordados na bula:

Condenação do jansenismo: A bula reafirmou a oposição da Igreja às doutrinas jansenistas, que eram vistas como heréticas. O jansenismo, com sua visão rigorista, pode parecer o oposto do otimismo humanista que triunfou no Concílio Vaticano II. Contudo, ambos os movimentos partem de um desequilíbrio na relação entre natureza e graça. O humanismo conciliar, ao postular uma dignidade quase autônoma no homem moderno, minimiza as feridas do pecado original e a necessidade absoluta da graça para a retidão dos atos. A condenação de Pistoia, portanto, representou uma defesa da autêntica doutrina católica, que evita tanto o pessimismo exagerado sobre a natureza humana decaída quanto o otimismo ingênuo que a exalta como se não necessitasse de redenção (Calderón, 2010).

Defesa da autoridade papal: Pio VI reafirmou a supremacia e infalibilidade do Papa em questões de fé e moral. Este ponto é crucial. O ataque do Sínodo de Pistoia à monarquia papal é um precursor direto da doutrina da "colegialidade" promovida pelo Vaticano II. A Bula Auctorem Fidei defende a estrutura monárquica divinamente instituída por Cristo, onde o Papa detém a plenitude da jurisdição. O Vaticano II, em contrapartida, introduziu uma noção ambígua de um "colégio" de bispos que seria também, junto com o Papa, sujeito do poder supremo. Essa "democratização" do poder eclesiástico é um dos pilares da revolução conciliar, pois enfraquece a autoridade vertical e a substitui por uma estrutura parlamentar, mais suscetível às pressões do "espírito do tempo" (Calderón, 2010, p. 104-107).

Crítica às reformas litúrgicas: A bula condenou propostas de simplificação da liturgia e o uso excessivo das línguas vernáculas nos serviços religiosos. As propostas litúrgicas de Pistoia antecipam de forma impressionante a reforma litúrgica pós-conciliar. A crítica de Pio VI a essas tendências defendia a liturgia como um culto sagrado, teocêntrico e imutável em sua essência. A nova liturgia, fruto do espírito do Vaticano II, transformou o Sacrifício em uma celebração da comunidade, um "culto do fariseu" que glorifica o homem e seu trabalho, em vez de ser o "culto do publicano" que propicia a Deus pela Cruz de Cristo. A simplificação e o uso da língua vernácula serviram ao propósito de dessacralizar o mistério e torná-lo mais acessível ao homem moderno, invertendo assim seu propósito fundamental (Calderón, 2010, p. 122).

Rejeição do conciliarismo: Condenou a ideia de que os concílios gerais estão acima do Papa em autoridade. Esta é a mesma raiz do erro da colegialidade. A Bula reafirma a doutrina tradicional de que a autoridade de um concílio deriva de sua união com sua cabeça, o Papa. A inversão proposta por Pistoia, e mais tarde pelo espírito do Vaticano II, é fundamentalmente democrática: a autoridade emana da base (o povo de Deus ou, em um segundo nível, o colégio dos bispos) e o Papa se torna um moderador ou um primus inter pares. Isso destrói a própria natureza da autoridade como um poder que vem de Deus através de Seu Vigário, e não como uma representação da vontade da maioria (Calderón, 2010, p. 107).

Defesa dos sacramentos: Reafirmou as doutrinas tradicionais sobre os sacramentos, especialmente a Eucaristia. A defesa da doutrina sacramental tradicional por Pio VI opunha-se a uma visão racionalista que buscava esvaziar os sacramentos de sua eficácia ex opere operato. O pensamento moderno, que Pistoia prefigurou, tende a transformar os sacramentos em "símbolos" da fé da comunidade ou "encontros" existenciais, em vez de instrumentos que conferem a graça por sua própria virtude. Esta mesma tendência se manifesta na nova teologia, que redefine a própria Igreja como "sacramento" da humanidade, diluindo a natureza única e a necessidade dos sete sacramentos instituídos por Cristo (Calderón, 2010, p. 115).

Oposição ao regalismo: Criticou as tentativas de interferência dos estados nos assuntos eclesiásticos. A Bula defendeu a liberdade da Igreja contra a subordinação ao poder temporal, um princípio fundamental da Cristandade. Paradoxalmente, a "nova cristandade" proposta pelo humanismo conciliar resulta em uma submissão ainda maior, embora mais sutil. Ao aceitar a autonomia do temporal com um fim puramente natural e ao promover a "liberdade religiosa" como um direito civil, a Igreja renuncia à sua autoridade indireta sobre o Estado, tornando-se apenas mais uma "comunidade espiritual" em uma sociedade secular, cujo poder oculto, em última análise, dita os rumos de todos (Calderón, 2010, p. 66, 95).

Condenação do anticlericalismo: Rejeitou propostas que diminuíam o papel do clero na Igreja. Pistoia, ao atacar a estrutura hierárquica, manifestava um espírito anticlerical. O Vaticano II realizou essa mesma diminuição de forma mais engenhosa, através da exaltação do "sacerdócio comum dos fiéis". Ao afirmar que este sacerdócio comum e o ministerial, embora essencialmente diferentes, "se ordenam um ao outro", a nova teologia subverte a ordem, fazendo do sacerdócio hierárquico uma mera "função de serviço" para a comunidade sacerdotal, que é a Igreja inteira. Isso apaga a distinção fundamental entre o clero, que age in persona Christi, e os leigos (Calderón, 2010, p. 98).

Defesa das ordens religiosas: Opôs-se às tentativas de suprimir ou reformar radicalmente as ordens monásticas. As ordens religiosas, com a prática dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência, são o testemunho mais radical contra o espírito do mundo. O humanismo, que busca uma reconciliação com os valores terrenos (a "consistência das realidades temporais"), vê esta negação radical como excessiva e desumana. A defesa das ordens religiosas por Pio VI era uma defesa do caminho da perfeição cristã, que o espírito moderno considera uma "apostasia e retrocesso" em relação aos valores puramente humanos (Calderón, 2010, p. 37).

Reafirmação da doutrina do pecado original: Defendeu a compreensão tradicional católica do pecado original contra interpretações mais liberais. Este é um ponto nevrálgico. A negação prática das consequências do pecado original é a base do otimismo conciliar. Ao apresentar Cristo como o "homem perfeito" que revela o homem a si mesmo, em vez de Redentor que o salva de uma dívida impagável com Deus, o Concílio pressupõe uma natureza humana que, no fundo, não está tão ferida. A Bula Auctorem Fidei, ao reafirmar a doutrina tradicional, mantinha a centralidade da Cruz e do sacrifício, algo que o humanismo busca abolir para poder afirmar que a salvação não é obra de justiça, mas de um amor que anula a dívida (Calderón, 2010, p. 121).

Censura de 85 proposições: A bula especificamente condenou 85 proposições do Sínodo de Pistoia, classificando-as como heréticas, errôneas, subversivas, etc. O método da Bula é, em si, um testemunho do Magistério tradicional: claro, preciso e condenatório. O Vaticano II inaugurou um novo estilo "pastoral", que deliberadamente evita condenações e definições dogmáticas precisas, preferindo uma linguagem ambígua e "inclusiva". Essa recusa em condenar o erro, justificada por um falso otimismo, é o que permitiu que o "subjetivismo" e o "pluralismo teológico" se instalassem como método, deixando a fé desprotegida diante dos mesmos erros que, em Pistoia, foram claramente identificados e anatematizados (Calderón, 2010, p. 31-32).

Esta bula foi uma resposta às tendências reformistas dentro da Igreja Católica no final do século XVIII, reafirmando doutrinas tradicionais e a autoridade papal em um período de mudanças sociais e políticas significativas na Europa. De fato, a Bula Auctorem Fidei permanece como um farol, um diagnóstico profético dos erros que, deixados em estado latente por quase dois séculos, eclodiram com força avassaladora no Concílio Vaticano II, marcando o triunfo da "religião do homem" sobre a Religião de Deus (Calderón, 2010).

Referências
Calderón, Álvaro. Prometeo: la religión del hombre, 2010.