Livro: O Triunfo do Modernismo sobre a Exegese Católica, Monsenhor Francesco Spadafora


Spadafora argumenta que a exegese (interpretação) bíblica católica tradicional foi subvertida e sistematicamente derrotada por uma corrente modernista. Essa corrente, originada no racionalismo protestante, infiltrou-se em instituições-chave da Igreja, notadamente no Pontifício Instituto Bíblico (PIB) a partir da década de 1950, e consolidou sua vitória com o Concílio Vaticano II e as reformas subsequentes, resultando em uma crise de fé generalizada e na demolição dos próprios fundamentos da Revelação Divina. 

⚔️Spadafora identifica uma oposição radical e irreconciliável entre a exegese católica tradicional e a "nova exegese" modernista em três pontos dogmáticos cruciais.

Inspiração e Inerrância da Escritura:
Visão Tradicional: A Bíblia, inspirada por Deus em todas as suas partes, é absolutamente inerrante (isenta de qualquer erro, não apenas em matéria de fé e moral), conforme ensinado firmemente por encíclicas como a Providentissimus Deus de Leão XIII e a Spiritus Paraclitus de Bento XV (Spadafora, 1994).
Visão Modernista: A inerrância limita-se à "verdade salvífica", ou seja, apenas às questões de fé e moral, permitindo a existência de erros históricos e científicos no texto sagrado. Esta tese, repetidamente condenada pelo Magistério, foi ardilosamente reintroduzida no Concílio Vaticano II, apesar da oposição de centenas de padres e da intervenção do Papa Paulo VI (Spadafora, 1994).

Historicidade dos Evangelhos:
Visão Tradicional: Os Evangelhos são relatos historicamente fiéis, escritos pelos Apóstolos (Mateus e João) ou por seus discípulos diretos (Marcos e Lucas), que testemunharam os fatos.
Visão Modernista: Utilizando métodos racionalistas como a Formgeschichte ("história das formas") e a Redaktiongeschichte ("história da redação"), os Evangelhos são vistos como produtos da "fé da comunidade primitiva", escritos décadas depois por "redatores" anônimos. Assim, a historicidade de milagres, da infância de Jesus, da Ressurreição e até mesmo de certas palavras fundamentais como as do Primado de Pedro (Mt 16, 17-19) é posta em dúvida e reduzida a meras construções teológicas (Spadafora, 1994).

O Magistério como Intérprete:
Visão Tradicional: A Igreja, através de seu Magistério infalível, é a única intérprete autêntica da Escritura, sendo a "norma próxima" para o exegeta católico, conforme definido pelos Concílios de Trento e Vaticano I (Spadafora, 1994).
Visão Modernista: A "crítica científica" (o método histórico-crítico) torna-se a autoridade final, colocando os exegetas acima do Magistério e da Tradição, numa atitude de rebelião que ecoa a heresia modernista condenada por São Pio X.

🗺️Uma cronologia de uma traição à fé:

A Defesa da Ortodoxia (até 1950): Papas como Leão XIII (Providentissimus Deus) e São Pio X estabeleceram defesas sólidas contra o modernismo, criando a Pontifícia Comissão Bíblica (PCB) original como um "dique" para proteger a doutrina.

O Ponto de Inflexão (década de 1950-1960): O Pontifício Instituto Bíblico (PIB), dirigido por jesuítas, começou a adotar os métodos racionalistas protestantes. Professores como os padres Stanislas Lyonnet e Maximiliano Zerwick tornaram-se os principais expoentes dessa "nova exegese", ensinando erros graves sobre o pecado original e a historicidade dos Evangelhos (Spadafora, 1994).

A Reação Católica (1960): Monsenhor Spadafora e Monsenhor Antonino Romeo denunciaram publicamente essa virada modernista do PIB. A controvérsia levou à intervenção do Santo Ofício (sob o Cardeal Ottaviani), que suspendeu os padres Lyonnet e Zerwick em 1962 e publicou um Monitum (advertência) em 1961 reafirmando a historicidade dos Evangelhos.

A Vitória Modernista (Concílio Vaticano II e Papa Paulo VI): Spadafora argumenta que a "Aliança Europeia" de bispos progressistas (liderada por figuras como os Cardeais Bea, Frings e Liénart) dominou o Concílio. O esquema preparatório sobre a Revelação (De fontibus Revelationis), que reafirmava a doutrina tradicional de forma clara, foi rejeitado. O documento final, Dei Verbum, é visto como um texto de compromisso, com ambiguidades ("bombas-relógio") inseridas propositalmente. A reabilitação dos padres Lyonnet e Zerwick por Paulo VI em 1964 é vista como o golpe final contra o Santo Ofício e a consagração da "nova exegese".

🏛️Crítica às Instituições Pós-Conciliares

A "Nova" Pontifícia Comissão Bíblica (PCB): Reformada por Paulo VI, a nova PCB deixou de ser um órgão do Magistério para se tornar uma "comissão de especialistas". Spadafora demonstra que seus membros (como Descamps, Cazelles, Vanhoye e, mais recentemente, Ravasi) são, em grande parte, expoentes da mesma corrente modernista que a comissão original foi criada para combater.

Documentos Recentes: O autor critica duramente documentos como Biblia y Cristología (1984) e La interpretación de la Biblia en la Iglesia (1993), que, em sua visão, oficializam a aceitação do método histórico-crítico e tratam a historicidade dos Evangelhos como uma "questão aberta", contrariando séculos de doutrina e o próprio texto do Vaticano II quando interpretado corretamente (Spadafora, 1994).

O Papel do Cardeal Ratzinger: Spadafora expressa perplexidade e decepção com o Cardeal Ratzinger. Embora reconheça que Ratzinger identifica a "crise" e os problemas do método histórico-crítico, critica-o por não o rejeitar e por buscar uma síntese impossível entre a fé e um método que a nega em seus princípios. Como presidente da nova PCB, Ratzinger é visto como alguém que preside a própria demolição da exegese católica, permitindo que a heresia se dissemine sob o pretexto de "pesquisa científica" (Spadafora, 1994).

⚖️Conclusão do Autor

Monsenhor Spadafora conclui que a exegese católica está em um estado de "decomposição", onde a heresia é ensinada abertamente sob o pretexto de "ciência bíblica". O triunfo do modernismo, facilitado pela ambiguidade do Vaticano II e pela fraqueza da autoridade pós-conciliar, levou a uma separação total entre exegese e dogma, minando os próprios fundamentos da fé. O autor termina denunciando a traição e expressando a esperança — que é certeza de fé — de que uma futura intervenção infalível do Magistério restaurará a verdade, pondo fim a este funesto desvio.

📚Referências

SPADAFORA, Francesco. O triunfo do modernismo sobre a exegese católica. 1994.