Commonitório (ou Memorial) de São Vicente de Lérins - sobre a preservação da fé e o desenvolvimento da doutrina


Pela Antiguidade e Universalidade da Fé Católica Contra as Profanas Novidades de Todas as Heresias.

Capítulo 1. O Objetivo do Seguinte Tratado.

[1.] Eu, Peregrino, que sou o menor de todos os servos de Deus, lembrando-me da admoestação da Escritura: "Pergunta a teus pais e eles te contarão, aos teus anciãos e eles te declararão" (Deuteronômio 32:7); e novamente: "Inclina o teu ouvido às palavras dos sábios" (Provérbios 22:17); e mais uma vez: "Meu filho, não te esqueças destas instruções, mas que o teu coração guarde as minhas palavras" (Provérbios 3:1); lembrando-me destas admoestações, digo, eu, Peregrino, estou convencido de que, com a ajuda do Senhor, será de não pouca utilidade e, certamente, quanto às minhas próprias e débeis capacidades, é muito necessário que eu ponha por escrito as coisas que recebi fielmente dos santos Padres, pois terei então à mão aquilo com que, pela leitura constante, poderei remediar a fraqueza da minha memória.

[2.] A isto sou incitado não apenas pela consideração do fruto esperado do meu trabalho, mas também pela consideração do tempo e da oportunidade do lugar:

Pela consideração do tempo — pois, vendo que o tempo se apodera de todas as coisas humanas, nós também, por nossa vez, devemos arrebatar dele algo que nos possa aproveitar para a vida eterna, especialmente porque uma certa expectativa terrível da aproximação do julgamento divino exige importunamente um fervor redobrado na religião, enquanto a astúcia sutil dos novos heréticos exige cuidado e atenção fora do comum.

Sou incitado também pela oportunidade do lugar, pois, evitando o concurso e as multidões das cidades, estou habitando na reclusão de um Mosteiro, situado em uma granja remota, onde posso seguir sem distração a admoestação do Salmista: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus".

Além disso, convém bem ao meu propósito ao adotar esta vida; pois, embora estivesse outrora envolvido nas múltiplas e deploráveis tempestades da guerra secular, agora, finalmente, sob os auspícios de Cristo, lancei âncora no porto da religião, um porto sempre seguríssimo para todos, a fim de que, tendo sido ali libertado dos sopros da vaidade e do orgulho, e propiciando a Deus pelo sacrifício da humildade cristã, eu possa escapar não apenas dos naufrágios da vida presente, mas também das chamas do mundo vindouro.

[3.] Mas agora, em nome do Senhor, porei mãos à obra quanto ao objetivo que tenho em vista; a saber, registrar com a fidelidade de um narrador, em vez da presunção de um autor, as coisas que os nossos antepassados nos transmitiram e confiaram à nossa guarda, observando, porém, esta regra no que escrevo: que de modo algum tocarei em tudo o que poderia ser dito, mas apenas no que for necessário; nem em um estilo ornamentado e exato, mas em linguagem simples e comum, de modo que a maior parte pareça ser insinuada, em vez de exposta em detalhes. Que cultivem a elegância e a exatidão aqueles que confiam em sua habilidade ou são movidos por um senso de dever. Para mim, bastará ter providenciado um Commonitório (ou Lembrete) para mim mesmo, tal que possa auxiliar minha memória ou, antes, prover contra o meu esquecimento; o qual, contudo, me esforçarei, com a ajuda do Senhor, para emendar e tornar mais completo pouco a pouco, dia a dia, recordando o que aprendi. Menciono isso logo de início para que, se por acaso o que escrevo escapar de minha posse e chegar às mãos de homens santos, eles se abstenham de censurar apressadamente qualquer coisa ali contida, ao verem que há uma promessa de que será ainda emendado e tornado mais completo.

Capítulo 2. Uma Regra Geral para distinguir a Verdade da Fé Católica da Falsidade da Pravidade Herética.

[4.] Muitas vezes, então, indaguei com empenho e atenção de muitos homens eminentes em santidade e erudição, como e por qual regra segura e, por assim dizer, universal, eu poderia distinguir a verdade da fé católica da falsidade da pravidade herética; e recebi sempre, e de quase todos, uma resposta com este efeito: Que, se eu ou qualquer outra pessoa quiséssemos detectar as fraudes e evitar as armadilhas dos heréticos à medida que surgem, e permanecer sãos e íntegros na fé católica, devemos, com a ajuda do Senhor, fortificar nossa própria crença de duas maneiras: primeiro, pela autoridade da Lei Divina, e depois, pela Tradição da Igreja Católica.

[5.] Mas aqui alguém talvez pergunte: "Visto que o cânon das Escrituras é completo e suficiente por si mesmo para tudo, e mais do que suficiente, que necessidade há de unir a ele a autoridade da interpretação da Igreja?". Por esta razão: porque, devido à profundidade da Sagrada Escritura, nem todos a aceitam em um único e mesmo sentido, mas um entende suas palavras de um modo, outro de outro; de modo que ela parece ser capaz de tantas interpretações quantos são os intérpretes. Pois Novaciano a expõe de um modo, Sabélio de outro, Donato de outro, Ário, Eunômio, Macedônio, de outro, Fotino, Apolinário, Prisciliano, de outro, Joviniano, Pelágio, Celestio, de outro e, por fim, Nestório de outro. Portanto, é muito necessário, por causa das tão grandes complexidades de erros tão variados, que a regra para a correta compreensão dos profetas e apóstolos seja formulada de acordo com o padrão da interpretação Eclesiástica e Católica.

[6.] Além disso, na própria Igreja Católica, deve-se ter todo o cuidado possível para que mantenhamos aquilo que foi acreditado em toda parte, sempre e por todos. Pois isso é verdadeira e propriamente católico, como o próprio nome e a razão da coisa declaram, compreendendo tudo universalmente. Esta regra observaremos se seguirmos a universalidade, a antiguidade e o consentimento. Seguiremos a universalidade se confessarmos como verdadeira aquela única fé que a Igreja inteira ao redor do mundo confessa; a antiguidade, se não nos afastarmos de modo algum daquelas interpretações que é manifesto terem sido notoriamente sustentadas por nossos santos antepassados e pais; o consentimento, da mesma forma, se na própria antiguidade aderirmos às definições e determinações concordantes de todos ou, pelo menos, de quase todos os sacerdotes e doutores.

Capítulo 3. O que deve ser feito se um ou mais discordarem do resto.

[7.] O que fará, então, um cristão católico, se uma pequena porção da Igreja se tiver separado da comunhão da fé universal? O que mais, senão preferir a sanidade do corpo inteiro à enfermidade de um membro pestilento e corrupto? E se algum novo contágio procurar infectar não meramente uma porção insignificante da Igreja, mas a Igreja inteira? Então, seu cuidado será apegar-se à antiguidade, que hoje não pode, de modo algum, ser seduzida por qualquer fraude de novidade.

[8.] Mas e se, na própria antiguidade, for encontrado erro por parte de dois ou três homens, ou ao menos de uma cidade ou mesmo de uma província? Então, seu cuidado será, por todos os meios, preferir os decretos, se houver, de um antigo Concílio Geral à temeridade e ignorância de poucos. E se surgir algum erro sobre o qual não se encontre tal decreto? Então ele deve colacionar, consultar e interrogar as opiniões dos antigos, daqueles, a saber, que, embora vivendo em vários tempos e lugares, permanecendo na comunhão e fé da única Igreja Católica, se destacam como autoridades reconhecidas e aprovadas; e tudo o que ele verificar que foi sustentado, escrito e ensinado, não por um ou dois destes apenas, mas por todos, igualmente, em comum acordo, aberta, frequente e persistentemente, isso ele deve entender que ele próprio também deve crer sem qualquer dúvida ou hesitação.

Capítulo 4. O mal resultante da introdução de Nova Doutrina mostrado nos exemplos dos Donatistas e Arianos.

[9.] Mas para que tornemos o que dizemos mais inteligível, devemos ilustrá-lo com exemplos individuais e ampliá-lo de forma mais completa, para que, ao visar uma brevidade excessiva, assuntos importantes não sejam apressados e perdidos de vista.

No tempo de Donato, de quem seus seguidores foram chamados donatistas, quando grandes números na África se lançavam de cabeça em seu próprio erro insano e, esquecidos de seu nome, de sua religião, de sua profissão, preferiam a temeridade sacrílega de um só homem à Igreja de Cristo, então somente estavam seguros, dentro dos recintos sagrados da fé católica em toda a África, aqueles que, detestando o cisma profano, continuaram em comunhão com a Igreja universal, deixando à posteridade um exemplo ilustre de como, e quão bem, no futuro, a sanidade do corpo inteiro deve ser preferida à loucura de um só ou, no máximo, de poucos.

[10.] Assim também quando o veneno ariano havia infectado não uma porção insignificante da Igreja, mas quase o mundo inteiro, de modo que uma espécie de cegueira havia caído sobre quase todos os bispos da língua latina, circunscritos em parte pela força, em parte pela fraude, e os impedia de ver o que era mais conveniente fazer em meio a tanta confusão, então quem quer que fosse um verdadeiro amante e adorador de Cristo, preferindo a crença antiga à nova descrença, escapou da infecção pestilenta.

[11.] Pelo perigo daquele tempo foi abundantemente demonstrado quão grande calamidade a introdução de uma nova doutrina causa. Pois então verdadeiramente não apenas interesses de pequena monta, mas outros da mais grave importância foram subvertidos. Pois não apenas afinidades, parentescos, amizades, famílias, mas, além disso, cidades, povos, províncias, nações e, por fim, todo o Império Romano, foram abalados em seus alicerces e arruinados. Pois quando esta mesma profana novidade ariana, como uma Belona ou uma Fúria, capturou primeiro o Imperador e depois sujeitou todas as principais pessoas do palácio a novas leis, a partir daquele momento nunca deixou de envolver tudo em confusão, perturbando todas as coisas, públicas e privadas, sagradas e profanas, não dando atenção ao que era bom e verdadeiro, mas, como se detivesse uma posição de autoridade, ferindo a quem bem entendesse. Então esposas foram violadas, viúvas ultrajadas, virgens profanadas, mosteiros demolidos, clérigos expulsos, o clero inferior açoitado, sacerdotes levados ao exílio, cadeias, prisões e minas preenchidas com santos, dos quais a maior parte, impedida de entrar nas cidades, expulsa de seus lares para vagar em desertos e cavernas, entre rochas e covis de feras, exposta à nudez, fome e sede, foi desgastada e consumida. De tudo isso, houve outra causa senão que, enquanto superstições humanas estão sendo introduzidas para suplantar a doutrina celestial, enquanto a antiguidade bem estabelecida está sendo subvertida pela ímpia novidade, enquanto as instituições das eras anteriores estão sendo desprezadas, enquanto os decretos de nossos pais estão sendo rescindidos, enquanto as determinações de nossos antepassados estão sendo despedaçadas, a luxúria da curiosidade profana e nova se recusa a restringir-se dentro dos limites mais castos da antiguidade consagrada e incorrupta?

Capítulo 5. O Exemplo que nos deram os Mártires, a quem nenhuma força pôde impedir de defender a Fé de seus Antecessores.

[12.] Mas pode ser que inventemos estas acusações por ódio à novidade e zelo pela antiguidade. Quem quer que esteja disposto a dar ouvidos a tal insinuação, que ao menos creia no bem-aventurado Ambrósio, que, deplorando a acerbidade da época, diz no segundo livro de sua obra dirigida ao Imperador Graciano: "Já basta, ó Deus Todo-Poderoso! Expiamos com nossa própria ruína, com nosso próprio sangue, a matança de Confessores, o banimento de sacerdotes e a maldade de tamanha impiedade extrema. É claro, sem dúvida, que aqueles que violaram a fé não podem permanecer em segurança".

E novamente no terceiro livro da mesma obra: "Observemos os preceitos de nossos predecessores e não ultrapassemos com rude temeridade os marcos que herdamos deles. Aquele Livro selado da Profecia, nem Anciãos, nem Poderes, nem Anjos, nem Arcanjos ousaram abrir. Somente a Cristo foi reservada a prerrogativa de explicá-lo (Apocalipse 5:1-5). Quem de nós ousa deslacrar o Livro Sacerdotal selado por Confessores e consagrado já pelo martírio de tantos, o qual aqueles que haviam sido compelidos pela força a deslacrar, depois selaram novamente, condenando a fraude que havia sido praticada contra eles; enquanto aqueles que não se aventuraram a adulterá-lo provaram-se Confessores e mártires? Como podemos negar a fé daqueles cuja vitória proclamamos?".

[13.] Proclamamo-la verdadeiramente, ó venerável Ambrósio, proclamamo-la, aplaudimo-la e admiramo-la. Pois quem há tão demente que, embora não sendo capaz de alcançar, não deseje ao menos ardentemente seguir aqueles a quem nenhuma força pôde dissuadir de defender a fé de seus antepassados, nem ameaças, nem blandícias, nem a vida, nem a morte, nem o palácio, nem a Guarda Imperial, nem o Imperador, nem o próprio império, nem homens, nem demônios? — aos quais, digo, como recompensa por sua firmeza em aderir à antiguidade religiosa, o Senhor considerou dignos de tão grande prêmio, que por seu intermédio Ele restaurou igrejas que haviam sido destruídas, vivificou com nova vida povos que estavam espiritualmente mortos, recolocou nas cabeças dos sacerdotes as coroas que lhes haviam sido arrancadas, lavou aquelas abomináveis, não direi letras, mas manchas (non literas, sed lituras) da impiedade nova, com uma fonte de lágrimas crentes, que Deus abriu nos corações dos bispos? — por fim, quando quase o mundo inteiro estava sobrecarregado por uma tempestade implacável de heresia inesperada, chamou-o de volta da nova descrença para a fé antiga, da loucura da novidade para a sanidade da antiguidade, da cegueira da novidade para a luz primitiva?

[14.] Mas nesta virtude divina, como podemos chamá-la, exibida por estes Confessores, devemos notar especialmente que a defesa que eles então empreenderam ao apelar para a Igreja Antiga, foi a defesa não de uma parte, mas de todo o corpo. Pois não era justo que homens de tal eminência sustentassem com tão imenso esforço as noções vagas e conflitantes de um ou dois homens, ou se empenhassem na defesa de alguma combinação mal aconselhada de alguma pequena província; mas, aderindo aos decretos e definições do sacerdócio universal da Santa Igreja, herdeiros da verdade Apostólica e Católica, preferiram entregar-se a si mesmos do que trair a fé da universalidade e da antiguidade. Por esta causa foram considerados dignos de tão grande glória que não apenas foram contados como Confessores, mas reta e merecidamente contados como os primeiros entre os Confessores.

Capítulo 6. O exemplo do Papa Estevão ao resistir à Iteração do Batismo.

[15.] Grande é, pois, o exemplo destes mesmos homens bem-aventurados, um exemplo claramente divino e digno de ser lembrado e meditado continuamente por todo verdadeiro católico, que, como o candelabro de sete braços, brilhando com a luz sétupla do Espírito Santo, mostrou à posteridade como, dali em diante, a audácia da novidade profana, em todos os vários delírios do erro, poderia ser esmagada pela autoridade da antiguidade sagrada.

E não há nada de novo nisso? Pois sempre foi o caso na Igreja que, quanto mais um homem está sob a influência da religião, tanto mais pronto ele está para se opor às inovações. Exemplos há sem número; mas, para sermos breves, tomaremos um, e este, de preferência a outros, da Sé Apostólica, para que seja mais claro que o dia para todos com quanta energia, com quanto zelo, com quanto empenho, os bem-aventurados sucessores dos bem-aventurados apóstolos defenderam constantemente a integridade da religião que uma vez receberam.

[16.] Certa vez, então, Agripino, bispo de Cartago, de venerável memória, sustentou a doutrina — e ele foi o primeiro que a sustentou — de que o Batismo deveria ser repetido, contrariamente ao cânon divino, contrariamente ao regra da Igreja universal, contrariamente aos costumes e instituições de nossos antepassados. Esta inovação trouxe consigo tal quantidade de mal que não apenas deu um exemplo de sacrilégio a heréticos de todos os tipos, mas provou ser ocasião de erro até para certos católicos.

Quando todos, então, protestaram contra a novidade, e o sacerdócio em toda parte, cada um conforme seu zelo o incitava, opôs-se a ela, o Papa Estevão de bem-aventurada memória, Prelado da Sé Apostólica, em conjunto com seus colegas, mas ele mesmo à frente, resistiu a ela, pensando ser correto, não duvido, que assim como ele excedia a todos os outros na autoridade de seu lugar, assim também deveria na devoção de sua fé. Enfim, em uma epístola enviada na época para a África, ele estabeleceu esta regra: "Que não haja inovação — nada além do que foi transmitido". Pois aquele homem santo e prudente bem sabia que a verdadeira piedade não admite outra regra senão que todas as coisas que foram fielmente recebidas de nossos pais sejam as mesmas fielmente confiadas aos nossos filhos; e que é nosso dever não conduzir a religião para onde queiramos, mas antes seguir a religião para onde ela nos conduz; e que é parte da modéstia e gravidade cristã não transmitir nossas próprias crenças ou observâncias aos que vêm depois de nós, mas preservar e guardar o que recebemos daqueles que nos precederam. Qual foi, então, o desenlace de toda a questão? Qual, senão o usual e costumeiro? A antiguidade foi mantida, a novidade foi rejeitada.

[17.] Mas pode ser que a causa da inovação naquele tempo carecesse de patrocínio. Pelo contrário, ela tinha a seu favor um talento tão poderoso, uma eloquência tão copiosa, tal número de partidários, tanta semelhança com a verdade, tão pesado suporte na Escritura (apenas interpretada em um sentido novo e perverso), que me parece que toda aquela conspiração não poderia possivelmente ter sido derrotada, a menos que a única causa desta agitação extraordinária, a própria novidade do que era assim empreendido, defendido e louvado, se mostrasse insuficiente para ela. Ao final, que resultado, sob Deus, teve aquele mesmo Concílio ou decreto africano? Nenhum. Toda a questão, como se fosse um sonho, uma fábula, uma coisa de nenhuma importância possível, foi anulada, cancelada e pisoteada.

[18.] E, ó revolução maravilhosa! Os autores desta mesma doutrina são julgados católicos, os seguidores heréticos; os mestres são absolvidos, os discípulos condenados; os escritores dos livros serão filhos do Reino, os defensores deles terão sua porção no Inferno. Pois quem é tão demente a ponto de duvidar que aquela luz bendita entre todos os santos bispos e mártires, Cipriano, juntamente com o restante de seus colegas, reinará com Cristo; ou, quem, por outro lado, é tão sacrílego a ponto de negar que os donatistas e aquelas outras pestes, que se gabam da autoridade daquele concílio para sua iteração do batismo, serão entregues ao fogo eterno com o diabo?

Capítulo 7. Como os Heréticos citam astutamente passagens obscuras em escritores antigos em apoio às suas próprias novidades.

[19.] Esta condenação, de fato, parece ter sido providencialmente promulgada como que com uma visão especial para a fraude daqueles que, planejando vestir uma heresia sob um nome diferente do seu, apoderam-se muitas vezes das obras de algum escritor antigo, não expressas de forma muito clara, as quais, devido à própria obscuridade de sua própria doutrina, têm a aparência de concordar com ela, de modo que obtêm o crédito de não serem nem as primeiras nem as únicas pessoas que a sustentaram. Esta maldade deles, em meu julgamento, é duplamente odiosa: primeiro, porque não têm medo de convidar outros a beber do veneno da heresia; e segundo, porque com hálito profano, como se estivessem abanando brasas adormecidas para virarem chamas, sopram sobre a memória de cada homem santo e espalham um mau relato do que deveria ser sepultado em silêncio ao trazê-lo novamente à atenção, trilhando assim os passos de seu pai Cam, que não apenas se absteve de cobrir a nudez do venerável Noé, mas contou-a aos outros para que pudessem rir dela, ofendendo assim tão gravemente o dever da piedade filial que até seus descendentes foram envolvidos com ele na maldição que ele atraiu, diferindo amplamente daqueles seus irmãos bem-aventurados, que não poluiriam seus próprios olhos ao olhar para a nudez de seu reverenciado pai, nem permitiriam que outros o fizessem, mas andaram para trás, como diz a Escritura, e o cobriram, isto é, nem aprovaram nem traíram a falta do homem santo, causa pela qual foram recompensados com uma bênção sobre si mesmos e sobre sua posteridade (Gênesis 9:22).

[20.] Mas para voltar ao assunto em questão: Convém-nos, pois, ter um grande pavor do crime de perverter a fé e adulterar a religião, crime do qual somos dissuadidos não apenas pela disciplina da Igreja, mas também pela censura da autoridade apostólica. Pois todos sabem quão gravemente, quão severamente, quão veementemente o bem-aventurado apóstolo Paulo investe contra certos que, com maravilhosa leviandade, haviam sido tão cedo removidos daquele que os chamara à graça de Cristo para outro Evangelho, que não era outro (Gálatas 1:6); que haviam amontoado para si mestres segundo suas próprias luxúrias, desviando seus ouvidos da verdade e voltando-se para as fábulas (2 Timóteo 4:3-4); tendo condenação porque haviam abandonado sua primeira fé (1 Timóteo 5:12); que haviam sido enganados por aqueles de quem o mesmo apóstolo escreve aos cristãos romanos: "Rogo-vos, irmãos, que noteis os que causam divisões e escândalos, contrariamente à doutrina que aprendestes, e evitai-os. Pois os tais não servem ao Senhor Cristo, mas ao seu próprio ventre, e com palavras suaves e lisonjas enganam os corações dos simples" (Romanos 16:17-18); os quais entram nas casas e levam cativas mulheres tolas carregadas de pecados, levadas por diversas luxúrias, sempre aprendendo e nunca podendo chegar ao conhecimento da verdade (2 Timóteo 3:6); faladores vãos e enganadores, que subvertem casas inteiras, ensinando coisas que não devem, por ganância sórdida (Tito 1:10); homens de mentes corruptas, reprovados quanto à fé (2 Timóteo 3:8); soberbos, nada sabendo, mas delirando acerca de questões e contendas de palavras, destituídos da verdade, supondo que a piedade é ganho (1 Timóteo 6:4), aprendendo outrossim a serem ociosos, andando de casa em casa, e não apenas ociosos, mas também tagarelas e curiosos, falando o que não devem (1 Timóteo 5:13), os quais, tendo rejeitado a boa consciência, naufragaram quanto à fé (1 Timóteo 1:19); cujas profanas e vãs conversas aumentam para mais impiedade, e sua palavra corrói como câncer (2 Timóteo 2:16-17). Bem, também, está escrito deles: "Mas não irão mais longe: porque a sua loucura será manifesta a todos, como também a daqueles foi" (2 Timóteo 3:9).

Capítulo 8. Exposição das Palavras de São Paulo, Gal. 1:8.

[21.] Quando, portanto, certos deste tipo, vagando por províncias e cidades, e carregando consigo seus erros venais, encontraram o caminho para a Galácia, e quando os gálatas, ao ouvi-los, enojando-se da verdade e vomitando o maná da doutrina Apostólica e Católica, ficaram encantados com o lixo da novidade herética, o apóstolo, exercendo a autoridade de seu ofício, proferiu sua sentença com a máxima severidade: "Ainda que nós", diz ele, "ou um anjo do céu, vos anuncie outro Evangelho além do que já vos temos anunciado, seja anátema" (Gálatas 1:8).

[22.] Por que ele diz "Ainda que nós"? Por que não, antes, "ainda que eu"? Ele quer dizer: ainda que Pedro, ainda que André, ainda que João, em uma palavra, ainda que toda a companhia dos apóstolos vos anuncie outro evangelho além do que vos temos anunciado, seja anátema. Severidade tremenda! Ele não poupa nem a si mesmo nem aos seus companheiros apóstolos, para que possa preservar inalterada a fé que foi entregue no início. Mas isso não é tudo. Ele continua: "Mesmo que um anjo do céu vos anuncie outro Evangelho além do que já vos temos anunciado, seja anátema". Não bastava para a preservação da fé uma vez entregue ter se referido ao homem; ele precisou compreender também os anjos. "Ainda que nós", diz ele, "ou um anjo do céu". Não que os santos anjos do céu sejam agora capazes de pecar. Mas o que ele quer dizer é: Mesmo que acontecesse aquilo que não pode acontecer — se qualquer pessoa, seja quem for, tentar alterar a fé entregue de uma vez por todas, seja anátema.

[23.] Mas pode ser que ele tenha falado assim, no primeiro momento, sem consideração, dando vazão à impetuosidade humana em vez de se expressar sob orientação divina. Longe disso. Ele dá seguimento ao que dissera e insiste com intensa e reiterada seriedade: "Como antes dissemos, assim agora novamente digo: Se alguém vos anunciar outro Evangelho além do que recebestes, seja anátema". Ele não diz: "Se alguém vos entregar outra mensagem além da que recebestes, seja abençoado, louvado, acolhido" — não; mas seja anátema, isto é, separado, segregado, excluído, para que o terrível contágio de uma única ovelha não contamine o rebanho inocente de Cristo por sua mistura venenosa com eles.

Capítulo 9. Sua advertência aos Gálatas é uma advertência a todos.

[24.] Mas, possivelmente, esta advertência era pretendida apenas para os gálatas. Que seja assim; então aquelas outras exortações que se seguem na mesma Epístola eram pretendidas apenas para os gálatas, tais como: "Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito; não sejamos desejosos de vanglória, provocando uns aos outros, invejando uns aos outros", etc. (Gálatas 5:25); alternativa que, se for absurda, e as injunções foram destinadas igualmente a todos, então se segue que, assim como estas injunções que se referem à moral, também aquelas advertências que se referem à fé são destinadas igualmente a todos; e assim como é ilícito para todos provocar uns aos outros, ou invejar uns aos outros, assim, da mesma forma, é ilícito para todos receber qualquer outro Evangelho além daquele que a Igreja Católica prega em toda parte.

[25.] Or talvez o anátema pronunciado sobre qualquer um que pregasse outro Evangelho além daquele que fora pregado fosse destinado àqueles tempos, não ao presente. Então, também, a exortação: "Andai no Espírito e não cumprireis a concupiscência da carne" (Gálatas 5:16) era destinada àqueles tempos, não ao presente. Mas se for ímpio e pernicioso acreditar nisso, então se segue necessariamente que, assim como estas injunções devem ser observadas por todas as eras, assim também aquelas advertências que proíbem a alteração da fé são advertências destinadas a todas as eras. Pregar qualquer doutrina, portanto, aos cristãos católicos além do que receberam, nunca foi lícito, nunca é lícito, nunca será lícito; e anatematizar aqueles que pregam qualquer coisa além do que foi uma vez recebido, sempre foi um dever, sempre é um dever, sempre será um dever.

[26.] Sendo este o caso, há alguém tão audaz a ponto de pregar qualquer outra doutrina além daquela que a Igreja prega, ou tão inconstante a ponto de receber qualquer outra doutrina além daquela que recebeu da Igreja? Aquele vaso escolhido, aquele mestre dos gentios, aquela trombeta dos apóstolos, aquele pregador cuja comissão era para toda a terra, aquele homem que foi arrebatado ao céu (2 Coríntios 12:2) grita e grita novamente em suas Epístolas a todos, sempre, em todos os lugares: "Se alguém pregar qualquer nova doutrina, seja anátema". Por outro lado, um conjunto efêmero e moribundo de rãs, pulgas e moscas, tais como os pelagianos, clama em oposição, e isso aos católicos: "Aceitem nossa palavra, sigam nossa liderança, aceitem nossa exposição, condenem o que costumavam sustentar, sustentem o que costumavam condenar, lancem fora a fé antiga, os institutos de seus pais, os legados deixados para vocês por seus ancestrais e recebam em troca" — o quê? Estremeço ao dizê-lo: pois é tão cheio de arrogância e presunção que me parece que não apenas afirmá-lo, mas até refutá-lo, não pode ser feito sem culpa de algum modo.

Capítulo 10. Por que Homens Eminentes são permitidos por Deus a tornarem-se Autores de Novidades na Igreja.

[27.] Mas alguém perguntará: Como é, então, que certas pessoas excelentes, e de posição na Igreja, são muitas vezes permitidas por Deus a pregar doutrinas novas aos católicos? Uma pergunta adequada, certamente, e que deve ser tratada com muito cuidado e plenitude, mas respondida ao mesmo tempo, não confiando na própria habilidade, mas pela autoridade da Lei divina e pelo apelo à determinação da Igreja.

Ouçamos, então, o Santo Moisés, e que ele nos ensine por que homens instruídos, e tais que, por causa de seu conhecimento, são até chamados Profetas pelo apóstolo, são às vezes permitidos a apresentar doutrinas novas, que o Antigo Testamento costuma chamar, por meio de alegoria, de deuses estranhos, visto que os heréticos prestam o mesmo tipo de reverência às suas noções que os gentios prestam aos seus deuses.

[28.] O bem-aventurado Moisés escreve assim no Deuteronômio: "Se se levantar no meio de ti um profeta ou um sonhador de sonhos", isto é, alguém que exerce o cargo de Doutor na Igreja, que é acreditado por seus discípulos ou ouvintes como ensinando por revelação: bem — o que se segue? "e te der um sinal ou um prodígio, e suceder o sinal ou o prodígio de que te falou" — ele está apontando para algum doutor eminente, cujo aprendizado é tal que seus seguidores acreditam que ele não apenas conhece as coisas humanas, mas, além disso, pré-conhece coisas sobre-humanas, tais como, seus discípulos comumente se gabam, foram Valentim, Donato, Fotino, Apolinário e os demais desse tipo! O que vem depois? "E te disser: Vamos após outros deuses, que não conhecestes, e sirvamo-los". O que são esses outros deuses senão erros estranhos que não conhecestes, isto é, novos e tais que nunca foram ouvidos antes? "E sirvamo-los"; isto é, acreditemos neles, sigamo-los. O que por último? "Não ouvirás as palavras daquele profeta ou sonhador de sonhos". E por que, rogo-vos, Deus não proíbe que seja ensinado o que Deus proíbe que seja ouvido? "Porque o Senhor, vosso Deus, vos prova, para saber se o amais de todo o vosso coração e de toda a vossa alma". A razão é mais clara que o dia por que a Providência Divina às vezes permite que certos doutores das Igrejas preguem novas doutrinas — "Para que o Senhor vosso Deus vos prove", diz ele. E certamente é uma grande prova quando alguém que você acredita ser um profeta, um discípulo de profetas, um doutor e defensor da verdade, a quem você acolheu em seu peito com a maior veneração e amor, quando tal pessoa, de repente, secreta e furtivamente, introduz erros nocivos, que você não pode detectar rapidamente, sendo mantido pelo prestígio da autoridade anterior, nem considera levemente correto condenar, sendo impedido pela afeição ao seu antigo mestre.

Capítulo 11. Exemplos da História da Igreja, confirmando as palavras de Moisés — Nestório, Fotino, Apolinário.

[29.] Aqui, talvez, alguém exija que ilustremos as palavras do santo Moisés por exemplos da História da Igreja. A demanda é justa, e não esperará muito pela satisfação.

Pois para tomar primeiro um caso muito recente e muito claro: que tipo de prova, pensamos nós, foi aquela que a Igreja experimentou outro dia, quando aquele infeliz Nestório, de repente metamorfoseado de ovelha em lobo, começou a fazer estragos no rebanho de Cristo, enquanto ainda uma grande proporção daqueles a quem ele estava devorando acreditava que ele era uma ovelha e, consequentemente, estava mais exposta aos seus ataques? Pois quem suporia prontamente que estava em erro aquele que se sabia ter sido eleito pela alta escolha do Imperador e ser tido na maior estima pelo sacerdócio? Quem suporia prontamente que estava em erro aquele que, muito amado pelos santos irmãos e em alto favor com o populacho, expunha as Escrituras em público diariamente e refutava os erros pestilentos tanto de judeus quanto de pagãos? Quem poderia deixar de acreditar que seu ensino era Ortodoxo, sua pregação Ortodoxa, sua crença Ortodoxa, ele que, para abrir caminho para uma heresia própria, estava zelosamente investindo contra as blasfêmias de todas as heresias? Mas isso era a própria coisa que Moisés diz: "O Senhor vosso Deus vos prova para saber se o amais ou não".

[30.] Deixando Nestório, no qual houve sempre mais o que os homens admiravam do que aquilo com que lucravam, mais de aparência do que de realidade, a quem a habilidade natural, mais do que a graça divina, engrandeceu por um tempo na opinião do povo comum, passemos a falar daqueles que, sendo pessoas de grandes realizações e de muita indústria, provaram ser uma prova não pequena para os católicos. Tal, por exemplo, foi Fotino, na Panônia, que, na memória de nossos pais, diz-se ter sido uma prova para a Igreja de Sirmio, onde, tendo sido elevado ao sacerdócio com aprovação universal e tendo exercido o cargo por algum tempo como católico, de repente, como aquele mau profeta ou sonhador de sonhos a quem Moisés se refere, começou a persuadir o povo que Deus confiara ao seu encargo a seguir deuses estranhos, isto é, erros estranhos, que antes não conheciam. Mas não havia nada de incomum nisso; o mal da questão era que, para a perpetração de tão grande maldade, ele se valeu de auxílios não comuns. Pois ele era de grande habilidade natural e de poderosa eloquência, e tinha uma riqueza de aprendizado, disputando e escrevendo copiosamente e com força em ambas as línguas, como testemunham seus livros que permanecem, compostos parte em grego, parte em latim. Mas, felizmente, as ovelhas de Cristo a ele confiadas, vigilantes e cautelosas quanto à fé católica, voltaram rapidamente seus olhos para as palavras premonitórias de Moisés e, embora admirando a eloquência de seu profeta e pastor, não foram cegas à prova. Pois, a partir de então, começaram a fugir dele como de um lobo, a quem anteriormente haviam seguido como o carneiro do rebanho.

[31.] Nem é apenas no exemplo de Fotino que aprendemos o perigo desta prova para a Igreja, e somos advertidos outrossim da necessidade de dupla diligência em guardar a fé. Apolinário apresenta uma advertência semelhante. Pois ele deu origem a grandes questões candentes e graves perplexidades entre seus discípulos, a autoridade da Igreja atraindo-os para um lado, a influência de seu Mestre para o oposto; de modo que, vacilante e sacudidos aqui e ali entre os dois, ficavam sem saber que rumo tomar.

Mas talvez ele fosse uma pessoa de nenhum peso de caráter. Pelo contrário, ele era tão eminente e tão altamente estimado que sua palavra seria aceita prontamente demais em qualquer assunto. Pois o que poderia exceder sua agudeza, sua destreza, seu aprendizado? Quantas heresias ele, em muitos volumes, aniquilou! Quantos erros, hostis à fé, ele refutou! Prova disso é aquela obra nobilíssima e vasta, de nada menos que trinta livros, na qual, com uma grande massa de argumentos, repeliu as calúnias insanas de Porfírio. Levaria muito tempo para enumerar todas as suas obras, que certamente o teriam colocado no nível dos principais construtores da Igreja, se aquela luxúria profana de curiosidade herética não o tivesse levado a conceber não sei que novidade que, como que pelo contágio de uma espécie de lepra, tanto manchou todos os seus trabalhos quanto fez com que seus ensinamentos fossem declarados a prova da Igreja em vez da edificação da Igreja.

Capítulo 12. Um relato mais completo dos Erros de Fotino, Apolinário e Nestório.

[32.] Aqui, possivelmente, ser-me-á pedido algum relato das heresias acima mencionadas; a saber, as de Nestório, Apolinário e Fotino. Isso, de fato, não pertence ao assunto em questão; pois nosso objetivo não é discorrer sobre os erros de indivíduos, mas produzir exemplos de alguns poucos, nos quais a aplicabilidade das palavras de Moisés possa ser evidentemente e claramente vista; isto é, que se em algum momento algum Mestre na Igreja, ele próprio também um profeta ao interpretar os mistérios dos profetas, tentar introduzir alguma doutrina nova na Igreja de Deus, a Providência Divina permite que isso aconteça a fim de nos provar. Será útil, portanto, por meio de digressão, dar um breve relato das opiniões dos heréticos acima nomeados: Fotino, Apolinário, Nestório.

[33.] A heresia de Fotino, então, é a seguinte: Ele diz que Deus é singular e único, e deve ser considerado como os judeus o consideravam. Ele nega a integridade da Trindade e não acredita que haja qualquer Pessoa de Deus o Verbo, ou qualquer Pessoa do Espírito Santo. Cristo ele afirma ser um mero homem, cuja origem foi de Maria. Daí ele insistir com a máxima obstinação que devemos prestar culto apenas à Pessoa de Deus o Pai, e que devemos honrar a Cristo apenas como homem. Esta é a doutrina de Fotino.

[34.] Apolinário, afetando concordar com a Igreja quanto à unidade da Trindade, embora nem isto com inteira sanidade de crença, quanto à Encarnação do Senhor, blasfema abertamente. Pois ele diz que a carne de nosso Salvador era ou totalmente desprovida de uma alma humana ou, ao menos, era desprovida de uma alma racional. Além disso, ele diz que esta mesma carne do Senhor não foi recebida da carne da santa Virgem Maria, mas desceu do céu para a Virgem; e, sempre vacilante e indeciso, prega ora que ela era coeterna com Deus o Verbo, ora que foi feita da natureza divina do Verbo. Pois, negando que haja duas substâncias em Cristo, uma divina, outra humana, uma do Pai, outra de sua mãe, ele sustenta que a própria natureza do Verbo foi dividida, como se uma parte dela permanecesse em Deus, e a outra fosse convertida em carne; de modo que, enquanto a verdade diz que de duas substâncias há um só Cristo, ele afirma, contrariamente à verdade, que da única divindade de Cristo se tornaram duas substâncias. Esta, então, é a doutrina de Apolinário.

[35.] Nestório, cuja doença é de tipo oposto, enquanto finge que sustenta duas substâncias distintas em Cristo, introduz de repente duas Pessoas, e com maldade inaudita quereria ter dois filhos de Deus, dois Cristos — um, Deus, o outro, homem; um, gerado de seu Pai, o outro, nascido de sua mãe. Por tal razão ele sustenta que Santa Maria deve ser chamada não Theotokos (Mãe de Deus), mas Christotokos (Mãe de Cristo), visto que deu à luz não ao Cristo que é Deus, mas ao Cristo que é homem. Mas se alguém supõe que em seus escritos ele fala de um só Cristo e prega uma só Pessoa de Cristo, não acredite nisso levianamente. Pois ou isso é um artifício astuto, para que por meio do bem ele possa mais facilmente persuadir o mal, de acordo com aquilo do apóstolo: "Aquilo que é bom se tornou morte para mim" (Romanos 7:13) — ou, digo, ele astutamente afeta em alguns lugares em seus escritos acreditar em um só Cristo e em uma só Pessoa de Cristo, ou então diz que, depois que a Virgem deu à luz, as duas Pessoas foram unidas em um só Cristo, embora no momento de sua concepção ou parto, e por algum tempo depois, houvesse dois Cristos; de modo que, decerto, embora Cristo tenha nascido a princípio como um homem comum e nada mais, e não ainda associado em unidade de Pessoa com o Verbo de Deus, contudo, depois, a Pessoa do Verbo assumindo-o desceu sobre Ele; e embora agora a Pessoa assumida permaneça na glória de Deus, contudo, outrora pareceria não ter havido diferença entre Ele e todos os outros homens.

Capítulo 13. A Doutrina Católica da Trindade e da Encarnação explicada.

[36.] Destas maneiras, então, estes cães raivosos, Nestório, Apolinário e Fotino, ladram contra a fé católica: Fotino, negando a Trindade; Apolinário, ensinando que a natureza do Verbo é mutável, e recusando-se a reconhecer que há duas substâncias em Cristo, negando outrossim ou que Cristo tivesse alma de todo ou, ao menos, que tivesse uma alma racional, e afirmando que o Verbo de Deus supria o lugar da alma racional; Nestório, afirmando que havia sempre, ou ao menos que outrora houve, dois Cristos. Mas a Igreja Católica, mantendo a fé reta tanto concernente a Deus quanto concernente ao nosso Salvador, não é culpada de blasfêmia nem no mistério da Trindade, nem naquele da Encarnação de Cristo. Pois ela adora tanto uma só Divindade na plenitude da Trindade quanto a igualdade da Trindade em uma só e mesma majestade, e confessa um só Cristo Jesus, não dois; o mesmo tanto Deus quanto homem, um tão verdadeiramente quanto o outro. Uma só Pessoa de fato ela crê n’Ele, mas duas substâncias; duas substâncias, mas uma só Pessoa: duas substâncias, porque o Verbo de Deus não é mutável a ponto de ser convertível em carne; uma só Pessoa, para que, ao reconhecer dois filhos, não pareça adorar não uma Trindade, mas uma Quaternidade.

[37.] Mas será bom desdobrar esta mesma doutrina mais distintamente e explicitamente repetidas vezes.

Em Deus há uma só substância, mas três Pessoas; em Cristo duas substâncias, mas uma só Pessoa. Na Trindade, outra e outra Pessoa, não outra e outra substância; no Salvador outra e outra substância, não outra e outra Pessoa. Como na Trindade outra e outra Pessoa, não outra e outra substância? Porque há uma Pessoa do Pai, outra do Filho, outra do Espírito Santo; mas contudo não há outra e outra natureza, mas uma só e mesma natureza. Como no Salvador outra e outra substância, não outra e outra Pessoa? Porque há uma substância da Divindade, outra da humanidade. Mas contudo a Divindade e a humanidade não são outra e outra Pessoa, mas um só e mesmo Cristo, um só e mesmo Filho de Deus, e uma só e mesma Pessoa de um só e mesmo Cristo e Filho de Deus, da mesma maneira que no homem a carne é uma coisa e a alma outra, mas um só e mesmo homem, tanto alma quanto carne. Em Pedro e Paulo a alma é uma coisa, a carne outra; contudo não há dois Pedros — um alma, o outro carne — ou dois Paulos, um alma, o outro carne — mas um só e mesmo Pedro, e um só e mesmo Paulo, consistindo cada um de duas naturezas diversas, alma e corpo. Assim, então, em um só e mesmo Cristo há duas substâncias, uma divina, a outra humana; uma de (ex) Deus Pai, a outra da (ex) Virgem Mãe; uma coeterna e coigual ao Pai, a outra temporal e inferior ao Pai; uma consubstancial ao seu Pai, a outra consubstancial à sua Mãe, mas um só e mesmo Cristo em ambas as substâncias. Não há, portanto, um Cristo Deus e o outro homem, não um incriado e o outro criado; não um impassível e o outro passível; não um igual ao Pai e o outro inferior ao Pai; não um de seu Pai e o outro de sua Mãe, mas um só e mesmo Cristo, God e homem, o mesmo incriado e criado, o mesmo imutável e incapaz de sofrimento, o mesmo conhecedor por experiência tanto da mudança quanto do sofrimento, o mesmo igual ao Pai e inferior ao Pai, o mesmo gerado do Pai antes dos tempos (antes do mundo), o mesmo nascido de sua mãe no tempo (no mundo), perfeito Deus, perfeito Homem. Em Deus a suprema divindade, no homem a perfeita humanidade. Perfeita humanidade, digo, visto que tem tanto alma quanto carne; a carne, carne verdadeira; nossa carne, carne de sua mãe; a alma, intelectual, dotada de mente e razão. Há então em Cristo o Verbo, a alma, a carne; mas o todo é um só Cristo, um só Filho de Deus, e um só nosso Salvador e Redentor: Um, não por não sei que confusão corruptível de Divindade e humanidade, mas por uma certa unidade de Pessoa inteira e singular. Pois a conjunção não converteu nem mudou uma natureza na outra (que é o erro característico dos arianos), mas antes compactou ambas em uma de tal modo que, enquanto permanece sempre em Cristo a singularidade de uma só e mesma Pessoa, permanece eternamente também a propriedade característica de cada natureza; de onde se segue que nem Deus (isto é, a natureza divina) jamais começa a ser corpo, nem o corpo jamais deixa de ser corpo. O que pode ser ilustrado na natureza humana: pois não apenas na vida presente, mas também na futura, cada homem individual consistirá de alma e corpo; nem seu corpo jamais será convertido em alma, nem sua alma em corpo; mas enquanto cada homem individual viverá para sempre, a distinção entre as duas substâncias continuará em cada homem individual para sempre. Assim também em Cristo cada substância reterá para sempre sua própria propriedade característica, contudo sem prejuízo à unidade de Pessoa.

Capítulo 14. Jesus Cristo Homem em Verdade, não em Aparência.

[38.] Mas quando usamos a palavra Pessoa, e dizemos que Deus se tornou homem por meio de uma Pessoa, há razão para temer que nosso significado seja tomado como se Deus o Verbo tivesse assumido nossa natureza meramente em imitação, e realizado as ações de homem, sendo homem não em realidade, mas apenas em aparência, assim como em um teatro, um homem em um curto espaço representa várias pessoas, nenhuma das quais ele mesmo é. Pois quando alguém se propõe a sustentar o papel de outro, ele realiza os ofícios, ou faz os atos, da pessoa cujo papel ele sustenta, mas ele não é ele mesmo aquela pessoa. Assim, para tomar uma ilustração da vida secular e uma em alto favor com os maniqueus, quando um ator trágico representa um sacerdote ou um rei, ele não é realmente um sacerdote ou um rei. Pois, assim que a peça termina, a pessoa ou personagem que ele representava deixa de ser. Deus nos livre de termos qualquer coisa a ver com tal escárnio nefasto e ímpio. Seja essa a infatuação dos maniqueus, esses pregadores de alucinação, que dizem que o Filho de Deus, Deus, não foi uma pessoa humana real e verdadeiramente, mas que Ele falsificou a pessoa de um homem em fingida conversação e modo de vida.

[39.] Mas a Fé Católica ensina que o Verbo de Deus se tornou homem de tal modo que Ele tomou sobre Si nossa natureza, não fingidamente e em aparência, mas em realidade e verdade, e realizou ações humanas, não como se estivesse imitando as ações de outro, mas realizando as Suas próprias, e como sendo em realidade a pessoa cujo papel Ele sustentava. Assim como nós mesmos também, quando falamos, raciocinamos, vivemos, subsistimos, não imitamos homens, mas somos homens. Pedro e João, por exemplo, eram homens, não por imitação, mas por serem homens em realidade. Paulo não falsificou um apóstolo, ou fingiu ser Paulo, mas era apóstolo, era Paulo. Assim, também, aquilo que Deus o Verbo fez, em Sua condescendência, ao assumir e ter carne, ao falar, agir e sofrer, através da instrumentalidade da carne, contudo sem qualquer prejuízo de Sua própria natureza divina, resume-se em uma palavra a isto: — Ele não imitou nem fingiu ser homem perfeito, mas mostrou-Se ser verdadeiro homem em realidade e verdade. Portanto, assim como a alma unida à carne, mas ainda não mudada em carne, não imita o homem, mas é homem, e homem não fingidamente mas substancialmente, assim também Deus o Verbo, sem qualquer conversão de Si mesmo, ao unir-Se ao homem, tornou-Se homem, não por confusão, não por imitação, mas por realmente ser e subsistir. Fora então, de uma vez por todas, com a noção de Sua Pessoa como de um personagem fictício assumido, onde sempre o que é é uma coisa, e o que é falsificado é outra, onde o homem que atua nunca é o homem cujo papel ele atua. Deus nos livre de crermos que Deus o Verbo tenha tomado sobre Si a pessoa de um homem desta maneira ilusória. Antes reconheçamos que, enquanto Sua própria substância imutável permanecia, e enquanto Ele tomava sobre Si a natureza de homem perfeito, Ele mesmo era realmente carne, Ele mesmo era realmente homem, Ele mesmo era realmente pessoalmente homem; não fingidamente, mas em verdade; não em imitação, mas em substância; não, enfim, de modo a deixar de ser quando a performance terminasse, mas de modo a ser e continuar a ser substancial e permanentemente.

Capítulo 15. A União da Natureza Divina com a Humana ocorreu na própria Concepção da Virgem. A denominação Mãe de Deus.

[40.] Esta unidade de Pessoa, então, em Cristo não foi efetuada após Seu nascimento da Virgem, mas foi compactada e aperfeiçoada em seu próprio útero. Pois devemos ter o cuidado mais especial de confessar Cristo não apenas um, mas sempre um. Pois seria uma blasfêmia intolerável se, enquanto você o confessa um agora, sustentasse que outrora Ele não era um, mas dois; um decerto desde Seu batismo, mas dois em Seu nascimento. Cujo sacrilégio monstruoso certamente de modo algum evitaremos a menos que reconheçamos a humanidade unida à Divindade (mas por unidade de Pessoa), não a partir da ascensão, ou da ressurreição, ou do batismo, mas já em Sua mãe, já no útero, já na própria concepção da Virgem. Em consequência de cuja unidade de Pessoa, tanto aqueles atributos que são próprios a Deus são atribuídos ao homem, quanto aqueles que são próprios à carne a Deus, indiferentemente e promiscuamente. Pois daí está escrito por orientação divina, por um lado, que o Filho do homem desceu do céu (João 3:13); e por outro, que o Senhor da glória foi crucificado na terra (1 Coríntios 2:8). Daí também é que, visto que a carne do Senhor foi feita, visto que a carne do Senhor foi criada, o próprio Verbo de Deus é dito ter sido feito, a própria onisciente Sabedoria de Deus ter sido criada, assim como profeticamente Suas mãos e Seus pés são descritos como tendo sido transpassados. Desta unidade de Pessoa segue-se, por razão de um mistério semelhante, que, visto que a carne do Verbo nasceu de uma mãe imaculada, Deus o Verbo Ele mesmo é mui catolicamente acreditado, e mui impiamente negado, como tendo nascido da Virgem; sendo este o caso, Deus livre que alguém procure defraudar a Santa Maria de sua prerrogativa de graça divina e de sua glória especial. Pois pelo dom singular dAquele que é nosso Senhor e Deus, e além disso, seu próprio filho, ela deve ser confessada mui verdadeira e mui benditamente — A mãe de Deus Theotokos, mas não no sentido em que é imaginado por uma certa heresia ímpia que sustenta que ela deve ser chamada a Mãe de Deus por nenhuma outra razão senão porque deu à luz aquele homem que depois se tornou Deus, assim como falamos de uma mulher como a mãe de um sacerdote, ou a mãe de um bispo, querendo dizer que ela foi tal, não por dar à luz alguém que já era sacerdote ou bispo, mas por dar à luz alguém que depois se tornou sacerdote ou bispo. Não assim, digo, foi a santa Maria Theotokos, a mãe de Deus, mas antes, como foi dito antes, porque em seu sagrado útero foi operado aquele sacratíssimo mistério pelo qual, por conta da singular e única unidade de Pessoa, assim como o Verbo na carne é carne, assim o Homem em Deus é Deus.

Capítulo 16. Recapitulação do que foi dito sobre a Fé Católica e sobre diversas Heresias, Capítulos 11-15.

[41.] Mas agora que possamos refrescar nossa lembrança do que foi dito brevemente concernente tanto às heresias mencionadas quanto à Fé Católica, repassemos novamente de forma mais breve e concisa, para que sendo repetido possa ser mais profundamente compreendido, e sendo fixado mais firmemente mantido.

Anátema seja, então, Fotino, que não recebe a Trindade completa, mas afirma que Cristo é mero homem.

Anátema seja Apolinário, que afirma que a Divindade de Cristo é maculada pela conversão, e defrauda-O da propriedade da humanidade perfeita.

Anátema seja Nestório, que nega que Deus nasceu da Virgem, afirma dois Cristos, e rejeitando a crença na Trindade, introduz uma Quaternidade.

But blessed be the Catholic Church, which worships one God in the completeness of the Trinity, and at the same time adores the equality of the Trinity in the unity of the Godhead, so that neither the singularity of substance confounds the propriety of the Persons, not the distinction of the Persons in the Trinity separates the unity of the Godhead.

Bendita, digo, seja a Igreja, que crê que em Cristo há duas substâncias verdadeiras e perfeitas, mas uma só Pessoa, de modo que nem a distinção das naturezas divide a unidade de Pessoa, nem a unidade de Pessoa confunde a distinção de substâncias.

Bendita, digo, seja a Igreja, que entende Deus ter se tornado Homem, não por conversão de natureza, mas por razão de uma Pessoa, mas de uma Pessoa não fingida e transitória, mas substancial e permanente.

Bendita, digo, seja a Igreja, que declara esta unidade de Pessoa ser tão real e eficaz que, por causa dela, em um maravilhoso e inefável mistério, ela atribui atributos divinos ao homem e humanos a Deus; por causa dela, por um lado, ela não nega que o Homem, como Deus, desceu do céu, por outro, ela crê que Deus, como Homem, foi criado, sofreu e foi crucificado na terra; por causa dela, enfim, ela confessa o Homem o Filho de Deus, e Deus o Filho da Virgem.

Bendita, então, e venerável, bendita e sacratíssima, e inteiramente digna de ser comparada com aqueles louvores celestiais das Hostes Angélicas, seja a confissão que atribui glória ao único Senhor Deus com uma tríplice atribuição de santidade. Por esta razão, aliás, ela insiste enfaticamente na unicidade da Pessoa de Cristo, para que não vá além do mistério da Trindade (isto é, fazendo em efeito uma Quaternidade).

Isso quanto à digressão. Em outra ocasião, querendo Deus, trataremos do assunto e o desdobraremos mais plenamente. Agora voltemos à questão em mãos.

Capítulo 17. O Erro de Orígenes, uma grande Prova para a Igreja.

[42.] Dissemos acima que na Igreja de Deus o erro do mestre é a prova do povo, uma prova tanto maior quanto maior for o aprendizado do mestre que erra. Isso mostramos primeiro pela autoridade da Escritura, e depois por exemplos da História da Igreja, de pessoas que, tendo tido outrora a reputação de serem sãs na fé, eventualmente ou caíram em alguma seita já existente, ou então fundaram uma heresia própria. Um fato importante verdadeiramente, útil de ser aprendido e necessário de ser lembrado, e de ser ilustrado e reforçado repetidas vezes, por exemplo após exemplo, a fim de que todos os verdadeiros católicos possam entender que lhes convém receber os Mestres com a Igreja, não desertar a fé da Igreja com os Mestres.

[43.] Minha crença é que, entre muitos exemplos deste tipo de prova que poderiam ser produzidos, não há nenhum que se compare ao de Orígenes, no qual havia tantas coisas tão excelentes, tão únicas, tão admiráveis, que anteriormente qualquer um prontamente julgaria que fé implícita deveria ser colocada em todas as suas asserções. Pois se o comportamento e o modo de vida trazem autoridade, grande era sua indústria, grande sua modéstia, sua paciência, sua resistência; se sua ascendência ou sua erudição, o que mais nobre que seu nascimento de uma casa tornada ilustre pelo martírio? Depois, quando na causa de Cristo ele fora privado não apenas de seu pai, mas também de todos os seus bens, atingiu um padrão tão alto em meio às privações da santa pobreza que sofreu várias vezes, diz-se, como Confessor. Nem foram estas as únicas circunstâncias ligadas a ele, todas as quais depois provaram ser ocasião de prova. Ele tinha um gênio tão poderoso, tão profundo, tão agudo, tão elegante, que dificilmente havia alguém a quem ele não superasse de muito. O esplendor de seu aprendizado, e de sua erudição em geral, era tal que havia poucos pontos da filosofia divina, e quase nenhum da humana, que ele não dominasse completamente. Quando o grego cedeu à sua indústria, ele se tornou proficiente no hebraico. O que direi de sua eloquência, cujo estilo era tão charmoso, tão suave, tão doce, que mel em vez de palavras parecia fluir de sua boca! Quais assuntos havia, por mais difíceis que fossem, que ele não tornasse claros e perspicazes pela força de seu raciocínio? Quais empreendimentos, por mais difíceis de realizar, que ele não fizesse parecer muito fáceis? Mas talvez suas asserções repousassem simplesmente em argumentação engenhosamente tecida? Pelo contrário, nenhum mestre jamais usou mais provas extraídas da Escritura. Então suponho que ele escreveu pouco? Nenhum homem escreveu mais, de modo que, se não me engano, seus escritos não apenas não podem todos ser lidos por inteiro, eles não podem todos ser encontrados; pois para que nada faltasse às suas oportunidades de obter conhecimento, ele teve a vantagem adicional de uma vida grandemente prolongada. Mas talvez ele não fosse particularmente feliz em seus discípulos? Quem o foi mais? De sua escola saíram doutores, sacerdotes, confessores, mártires sem número. Então quem pode expressar quanto ele era admirado por todos, quão grande seu renome, quão ampla sua influência? Quem havia cuja religião fosse um pouco acima do padrão comum que não corresse para ele dos confins da terra? Qual cristão não o reverenciava quase como um profeta; qual filósofo como um mestre? Quão grande era a veneração com que ele era olhado, não apenas por pessoas privadas, mas também pela Corte, é declarado pelas histórias que relatam como ele foi mandado chamar pela mãe do Imperador Alexandre, movida pela sabedoria celestial com o amor da qual ela, como ele, estava inflamada. Disto também suas cartas dão testemunho, as quais, com a autoridade que assumiu como Mestre Cristão, escreveu ao Imperador Filipe, o primeiro príncipe romano que foi cristão. Quanto ao seu incrível aprendizado, se alguém não está disposto a receber o testemunho dos cristãos de nossas mãos, que ao menos aceite o dos pagãos das mãos dos filósofos. Pois aquele ímpio Porfírio diz que quando era pouco mais que um menino, incitado por sua fama, foi a Alexandria e lá o viu, então um homem velho, mas um homem evidentemente de tão grandes realizações que tinha alcançado o ápice do conhecimento universal.

[44.] Faltar-me-ia o tempo para recontar, mesmo em medida muito pequena, as excelências deste homem, todas as quais, não obstante, não apenas contribuíram para a glória da religião, mas também aumentaram a magnitude da prova. Pois quem no mundo desertaria levianamente um homem de tão grande gênio, tão grande aprendizado, tão grande influência, e não adotaria antes aquele ditado: "Que preferiria estar errado com Orígenes do que estar certo com outros"?

Que mais direi? O resultado foi que muitíssimos foram desviados da integridade da fé, não por quaisquer excelências humanas deste tão grande homem, deste tão grande doutor, deste tão grande profeta, mas, como o evento mostrou, pela prova perigosa demais que ele provou ser. Daí aconteceu que este Orígenes, tal e tão grande como era, abusando levianamente da graça de Deus, seguindo temerariamente a inclinação de seu próprio gênio, e colocando confiança excessiva em si mesmo, fazendo pouco caso da antiga simplicidade da religião cristã, presumindo que sabia mais do que todo o resto do mundo, desprezando as tradições da Igreja e as determinações dos antigos, e interpretando certas passagens da Escritura de uma maneira nova, mereceu para si a advertência dada à Igreja de Deus, tão aplicável no caso dele como no de outros: "Se surgir um profeta no meio de vós... não ouvireis as palavras daquele profeta... porque o Senhor vosso Deus vos põe à prova, para saber se o amais ou não" (Deuteronômio 13:1). Verdadeiramente, assim de repente seduzir a Igreja que era devotada a ele e dependia dele pela admiração de seu gênio, seu aprendizado, sua eloquência, seu modo de vida e influência, enquanto ela não tinha medo nem suspeita para si mesma — assim, digo, seduzir a Igreja, lentamente e pouco a pouco, da velha religião para uma nova profanidade, não foi apenas uma prova, mas uma grande prova.

[45.] Mas alguém dirá: "Os livros de Orígenes foram corrompidos". Não o nego; antes, concedo-o prontamente. Pois que tal seja o caso foi transmitido tanto oralmente quanto por escrito, não apenas por católicos, mas também por heréticos. Mas o ponto é que, embora ele próprio não o seja, contudo livros publicados sob o seu nome são uma grande prova, os quais, abundando em muitas blasfêmias prejudiciais, são lidos e apreciados não como sendo de outra pessoa, mas como sendo acreditados como dele, de modo que, embora não houvesse erro no significado original de Orígenes, contudo a autoridade de Orígenes parece ser uma causa eficaz em levar as pessoas a abraçarem o erro.

Capítulo 18. Tertuliano, uma grande Prova para a Igreja.

[46.] O caso é o mesmo com Tertuliano. Pois assim como Orígenes detém de longe o primeiro lugar entre os gregos, assim também Tertuliano entre os latinos. Pois quem mais instruído que ele, quem mais versado no conhecimento seja divino ou humano? Com maravilhosa capacidade de mente ele compreendeu toda a filosofia, e teve um conhecimento de todas as escolas de filósofos, e dos fundadores e sustentadores de escolas, e estava familiarizado com todas as suas regras e observâncias, e com suas várias histórias e estudos. Não era seu gênio de tal força e veemência inigualáveis que dificilmente havia qualquer obstáculo que ele se propusesse a superar que não penetrasse pela agudeza ou esmagasse pelo peso? Quanto ao seu estilo, quem pode suficientemente louvá-lo? Ele era tecido com tanta cogência de argumento que compelia ao assentimento, mesmo onde falhava em persuadir. Quase cada palavra era uma sentença; cada sentença uma vitória. Isso sabem os marciões, os apeles, os praxeas, os hermógenes, os judeus, os pagãos, os gnósticos e os demais, cujas blasfêmias ele derrubou pela força de seus muitos e ponderosos volumes, como que com tantos raios. Contudo este homem também, não obstante tudo o que mencionei, este Tertuliano, digo, pouco tenaz da doutrina católica, isto é, da fé universal e antiga, muito mais eloquente do que fiel, mudou sua crença e justificou o que o bem-aventurado Confessor, Hilário, escreve dele, a saber, que por seu erro subsequente ele depreciou a autoridade de seus escritos aprovados. Ele também foi uma grande prova na Igreja. Mas de Tertuliano não estou disposto a dizer mais. Apenas isto acrescentarei: que, contrariamente à injunção de Moisés, ao afirmar que as novas fúrias de Montano que surgiram na Igreja, e aquele sonho loucos de nova doutrina sonhados por mulheres loucas eram profecias verdadeiras, ele merecidamente tornou tanto a si mesmo quanto a seus escritos odiosos às palavras: "Se surgir um profeta no meio de vós... não ouvireis as palavras daquele profeta". Por quê? "Porque o Senhor vosso Deus vos põe à prova, para saber se o amais ou não".

Capítulo 19. O que devemos aprender destes Exemplos.

[47.] Convém-nos, então, dar atenção a estes exemplos da História da Igreja, tantos e tão grandes, e outros da mesma descrição, e entender distintamente, de acordo com a regra estabelecida no Deuteronômio, que se em algum momento um Doutor na Igreja tiver errado na fé, a Providência Divina o permite a fim de nos provar, se amamos ou não a Deus de todo o nosso coração e de toda a nossa mente.

Capítulo 20. As Notas de um verdadeiro Católico.

[48.] Sendo este o caso, ele é o verdadeiro e genuíno católico que ama a verdade de Deus, que ama a Igreja, que ama o Corpo de Cristo, que estima a religião divina e a Fé Católica acima de tudo, acima da autoridade, acima do respeito, acima do gênio, acima da eloquência, acima da filosofia de qualquer homem que seja; que despreza tudo isso e, permanecendo firme e estabelecido na fé, resolve que acreditará naquilo, e somente naquilo, que tem certeza de que a Igreja Católica manteve universalmente e desde os tempos antigos; mas que qualquer doutrina nova e inaudita que encontrar ter sido furtivamente introduzida por um ou por outro, além daquela de todos, ou contrária àquela de todos os santos, isso, ele entenderá, não pertence à religião, mas é permitido como uma prova, sendo instruído especialmente pelas palavras do bem-aventurado Apóstolo Paulo, que escreve assim em sua primeira Epístola aos Coríntios: "É necessário que haja heresias, para que os que são aprovados se tornem manifestos entre vós" (1 Coríntios 11:19); como se dissesse: "Esta é a razão pela qual os autores de Heresias não são imediatamente arrancados por Deus, a saber, para que os que são aprovados se tornem manifestos; isto é, para que fique aparente em cada indivíduo quão tenaz e fiel e constante ele é em seu amor pela fé católica".

[49.] E em verdade, à medida que cada novidade brota, incontinente é discernida a diferença entre o peso do trigo e a leveza da palha. Então aquilo que não tinha peso para mantê-lo no chão é sem dificuldade soprado para longe. Pois alguns de imediato voam inteiramente; outros, tendo sido apenas sacudidos, com medo de perecer, feridos, meio vivos, meio mortos, têm vergonha de voltar. Eles, de fato, engoliram uma quantidade de veneno — não o suficiente para matar, mas mais do que pode ser expelido; ele nem causa a morte, nem permite viver. Ó condição miserável! Com que tempestuosas preocupações surgentes são eles jogados de um lado para outro! Ora, sendo o erro posto em movimento, são apressados para onde o vento os leva; ora, voltando sobre si mesmos como ondas refluentes, são lançados para trás: ora, com presunção temerária, dão sua aprovação ao que parece incerto; ora, com medo irracional, ficam fora de si perante o que é certo, em dúvida para onde ir, para onde voltar, o que buscar, o que evitar, o que guardar, o que jogar fora.

[50.] Esta aflição, de fato, de uma mente hesitante e miseravelmente vacilante é, se forem sábios, um remédio pretendido para eles pela compaixão de Deus. Pois é por isso que, fora do porto seguríssimo da Fé Católica, eles são jogados de um lado para outro, batidos e quase mortos por várias cogitações tempestuosas, a fim de que possam recolher as velas da presunção, as quais haviam desdobrado com mau conselho aos sopros da novidade, e possam dirigir-se novamente e permanecer estacionários dentro do porto seguríssimo de sua plácida e boa mãe, e possam começar vomitando aquelas águas amargas e turvas do erro que haviam engolido, para que dali em diante possam ser capazes de beber os riachos de água fresca e viva. Que desaprendam bem o que não aprenderam bem, e que recebam tanto da doutrina inteira da Igreja quanto puderem compreender: o que não puderem compreender, que creiam.

Capítulo 21. Exposição das Palavras de São Paulo.— 1 Tim. 6:20.

[51.] Sendo assim, quando penso sobre estas coisas e as revolvo em minha mente repetidas vezes, não posso suficientemente admirar a loucura de certos homens, a impiedade de seu entendimento obscurecido, sua luxúria de erro, tal que, não contentes com a regra de fé entregue uma vez por todas e recebida dos tempos antigos, estão todos os dias buscando uma novidade após a outra, e estão constantemente desejando adicionar, mudar, tirar na religião, como se a doutrina "Que baste o que foi uma vez por todas revelado" não fosse uma regra celestial mas terrena — uma regra que não pudesse ser cumprida exceto por emenda contínua, ou melhor, por censura contínua; enquanto os Oráculos divinos clamam alto: "Não removas os marcos que teus pais estabeleceram" (Provérbios 22:28) e "Não entres em juízo com um Juiz" (Eclesiástico 8:14) e "Quem rompe uma cerca, uma serpente o morderá" (Eclesiastes 10:8) e aquele ditado do Apóstolo com o qual, como com uma espada espiritual, todas as ímpias novidades de todas as heresias muitas vezes foram, e sempre terão de ser, decapitadas: "Ó Timóteo, guarda o depósito, evitando as profanas novidades de palavras e as oposições da ciência falsamente chamada, a qual alguns professando, erraram no que toca à fé" (1 Timóteo 6:20).

[52.] Após palavras como estas, há alguém de fronte tão endurecida, de impudência como a de uma bigorna, de pertinácia adamantina, que não sucumba a tão imensa massa, que não seja esmagado por tão ponderoso peso, que não seja despedaçado por tão pesados golpes, que não seja aniquilado por tão terríveis trovões de eloquência divina? "Evita as profanas novidades", diz ele. Ele não diz "evita a antiguidade". Mas ele claramente aponta para o que deve seguir pela regra do contrário. Pois se a novidade deve ser evitada, a antiguidade deve ser mantida firmemente; se a novidade é profana, a antiguidade é sagrada. Ele acrescenta: "E as oposições da ciência falsamente chamada". Falsamente chamada de fato, conforme aplicada às doutrinas dos heréticos, onde a ignorância se disfarça sob o nome de conhecimento, a névoa sob o de sol, a escuridão sob o de luz. "A qual alguns professando, erraram no que toca à fé". Professando o quê? O quê senão alguma (não sei qual) doutrina nova e inaudita. Pois você pode ouvir alguns desses mesmos doutores dizerem: "Vinde, ó pobres tolos, que atendeis pelo nome de católicos, vinde e aprendei a verdadeira fé, que ninguém além de nós conhece, a qual esteve escondida por todos estes séculos, mas foi recentemente revelada e manifestada. Mas aprendei-a às escondidas e em segredo, pois ficareis encantados com ela. Além disso, quando a tiverdes aprendido, ensinai-a furtivamente, para que o mundo não ouça, para que a Igreja não saiba. Pois há apenas poucos a quem é concedido receber o segredo de tão grande mistério". Não são estas as palavras daquela meretriz que, nos provérbios de Salomão, chama os passageiros que seguem reto em seus caminhos: "Quem for simples, entre aqui". E quanto aos que são destituídos de entendimento, ela os exorta dizendo: "Bebei águas roubadas, pois são doces, e comei pão em segredo, pois é agradável". O que vem depois? "Mas ele não sabe que os filhos da terra perecem em sua casa" (Provérbios 9:16-18). Quem são esses filhos da terra? Que o apóstolo explique: "Aqueles que erraram no que toca à fé".

Capítulo 22. Uma Exposição mais detalhada de 1 Tim. 6:20.

[53.] Mas vale a pena expor toda aquela passagem do apóstolo mais plenamente: "Ó Timóteo, guarda o depósito, evitando as profanas novidades de palavras".

Ó! A exclamação implica tanto pré-conhecimento quanto caridade. Pois ele pranteava em antecipação os erros que previa. Quem é o Timóteo de hoje, senão ou geralmente a Igreja Universal ou, em particular, todo o corpo da Prelazia, a quem convém ou possuir eles mesmos ou comunicar aos outros um conhecimento completo da religião? O que é "Guarda o depósito"? Guarda-o por causa dos ladrões, por causa dos adversários, para que, enquanto os homens dormem, eles não semeiem o joio sobre aquele bom trigo que o Filho do Homem semeara em seu campo. Guarda o depósito. O que é "O depósito"? Aquilo que lhe foi confiado, não aquilo que você mesmo inventou; uma questão não de engenho, mas de aprendizado; não de adoção privada, mas de tradição pública; uma questão trazida a você, não apresentada por você, na qual você é obrigado a ser não um autor, mas um guardião, não um mestre, mas um discípulo, não um líder, mas um seguidor. Guarda o depósito. Preserva o talento da Fé Católica inviolado, não adulterado. Aquilo que lhe foi confiado, que permaneça em sua posse, que seja transmitido por você. Você recebeu ouro; dê ouro em troca. Não substitua uma coisa por outra. Não substitua impudentemente o ouro por chumbo ou latão. Dê ouro real, não falso.

Ó Timóteo! Ó Sacerdote! Ó Expositor! Ó Doutor! Se o dom divino qualificou você pelo engenho, pela habilidade, pelo aprendizado, seja um Bezalel do tabernáculo espiritual, grave as pedras preciosas da doutrina divina, ajuste-as com precisão, adorne-as com habilidade, adicione esplendor, graça, beleza. Que aquilo que anteriormente era acreditado, embora imperfeitamente compreendido, ao ser exposto por você seja claramente entendido. Que a posteridade acolha, compreendido através de sua exposição, o que a antiguidade venerava sem entender. Contudo, ensine ainda as mesmas verdades que você aprendeu, de modo que, embora você fale de uma nova maneira, o que você fala não seja novo.

Capítulo 23. Sobre o Progresso no Conhecimento Religioso.

[54.] Mas alguém dirá, talvez: "Não haverá, então, nenhum progresso na Igreja de Cristo?". Certamente; todo progresso possível. Pois qual ser existe, tão invejoso dos homens, tão cheio de ódio a Deus, que procuraria proibi-lo? Contudo, com a condição de que seja progresso real, não alteração da fé. Pois o progresso exige que o assunto seja ampliado em si mesmo; a alteração, que seja transformado em outra coisa. A inteligência, então, o conhecimento, a sabedoria, tanto dos indivíduos quanto de todos, tanto de um homem quanto de toda a Igreja, devem, no decorrer das eras e dos séculos, aumentar e fazer um progresso grande e vigoroso; mas contudo apenas em seu próprio gênero; isto é, na mesma doutrina, no mesmo sentido e no mesmo significado.

[55.] O crescimento da religião na alma deve ser análogo ao crescimento do corpo, o qual, embora no processo dos anos se desenvolva e atinja seu tamanho completo, contudo permanece ainda o mesmo. Há uma grande diferença entre a flor da juventude e a maturidade da velhice; contudo aqueles que outrora foram jovens são os mesmos agora que se tornaram velhos, de modo que, embora a estatura e a forma externa do indivíduo mudem, contudo sua natureza é uma e a mesma, sua pessoa é uma e a mesma. Os membros de um bebê são pequenos, os de um jovem grandes, contudo o bebê e o jovem são o mesmo. Os homens, quando adultos, têm o mesmo número de articulações que tinham quando crianças; e se há algumas que a idade madura fez nascer, estas já estavam presentes em embrião, de modo que nada de novo é produzido neles quando velhos que já não estivesse latente neles quando crianças. Esta, então, é sem dúvida a regra verdadeira e legítima de progresso, esta a ordem estabelecida e mais bela de crescimento: que a idade madura sempre desenvolva no homem aquelas partes e formas que a sabedoria do Criador já havia moldado de antemão no bebê. Ao passo que, se a forma humana fosse mudada em alguma forma pertencente a outro gênero, ou ao menos, se o número de seus membros fosse aumentado ou diminuído, o resultado seria que o corpo inteiro se tornaria ou uma ruína ou um monstro ou, ao menos, seria prejudicado e enfraquecido.

[56.] Da mesma maneira, convém à doutrina cristã seguir as mesmas leis de progresso, de modo a ser consolidada pelos anos, ampliada pelo tempo, refinada pela idade, e contudo, além disso, continuar incorrupta e não adulterada, completa e perfeita em toda a medida de suas partes e, por assim dizer, em todos os seus membros e sentidos próprios, não admitindo mudança, nenhum desperdício de sua propriedade distintiva, nenhuma variação em seus limites.

[57.] Por exemplo: Nossos antepassados nos tempos antigos semearam trigo no campo da Igreja. Seria mui impróprio e iníquo se nós, seus descendentes, em vez da verdade genuína do grão, colhêssemos o erro falso do joio. Este antes deveria ser o resultado — não deveria haver discrepância entre o primeiro e o último. Da doutrina que foi semeada como trigo, deveríamos colher, no aumento, doutrina do mesmo tipo — trigo também; de modo que quando, no processo do tempo, qualquer semente original for desenvolvida, e agora floresça unter cultivo, nenhuma mudança ocorra no caráter da planta. Pode sobrevir forma, feitio, variação na aparência externa, mas a natureza de cada tipo deve permanecer a mesma. Deus nos livre de que aqueles canteiros de rosas da interpretação católica sejam convertidos em espinhos e abrolhos. Deus nos livre de que naquele paraíso espiritual, de plantas de canela e bálsamo, joio e acônito brotem de repente.

Portanto, o que quer que tenha sido semeado pela fidelidade dos Padres nesta lavoura da Igreja de Deus, o mesmo deve ser cultivado e cuidado pela indústria de seus filhos, o mesmo deve flourish e amadurecer, o mesmo deve avançar e seguir adiante para a perfeição. Pois é justo que aquelas antigas doutrinas da filosofia celestial sejam, com o passar do tempo, cuidadas, alisadas, polidas; mas não que sejam mudadas, não que sejam mutiladas, não que sejam truncadas. Elas podem receber prova, ilustração, definição; mas devem reter, além disso, sua completude, sua integridade, suas propriedades características.

[58.] Pois se uma vez esta licença de fraude ímpia for admitida, temo dizer em quão grande perigo a religião estará de ser totalmente destruída e aniquilada. Pois se qualquer parte da verdade católica for abandonada, outra, e outra, e outra será dali em diante abandonada como uma questão de curso, e as várias porções individuais tendo sido rejeitadas, o que se seguirá ao final senão a rejeição do todo? Por outro lado, se o que é novo começar a ser misturado com o que é velho, o estrangeiro com o doméstico, o profano com o sagrado, o costume necessariamente se arrastará universalmente, até que por fim a Igreja não terá nada restando sem ser adulterado, nada não corrompido, nada são, nada puro; mas onde anteriormente havia um santuário de verdade casta e imaculada, dali em diante haverá um bordel de erros ímpios e vis. Que a misericórdia de Deus desvie esta maldade das mentes de seus servos; seja antes o frenesi dos ímpios.

[59.] Mas a Igreja de Cristo, a guardiã cuidadosa e vigilante das doutrinas depositadas em seu encargo, nunca muda nada nelas, nunca diminui, nunca adiciona, não corta o que é necessário, não adiciona o que é supérfluo, não perde o que é seu, não se apropria do que é de outrem, mas enquanto trata fiel e judiciosamente com a doutrina antiga, mantém este único objetivo cuidadosamente em vista — se houver algo que a antiguidade deixou informe e rudimentar, moldá-lo e poli-lo; se algo já reduzido à forma e desenvolvido, consolidá-lo e fortalecê-lo; se algo já ratificado e definido, guardá-lo e vigiá-lo. Finalmente, que outro objetivo os Concílios jamais visaram em seus decretos senão prover que o que antes era acreditado em simplicidade fosse no futuro acreditado inteligentemente, que o que antes era pregado friamente fosse no futuro pregado fervorosamente, que o que antes era praticado negligentemente fosse dali em diante praticado com dupla solicitude? Isto, digo, é o que a Igreja Católica, despertada pelas novidades dos heréticos, realizou pelos decretos de seus Concílios — isto, e nada mais — ela dali em diante confiou à posteridade por escrito o que recebera daqueles dos tempos antigos apenas por tradição, compreendendo uma grande quantidade de matéria em poucas palavras, e muitas vezes, para a melhor compreensão, designando um antigo artigo da fé pela característica de um novo nome.

Capítulo 24. Continuação da Exposição de 1 Tim. 6:20.

[60.] Mas voltemos ao apóstolo. "Ó Timóteo", diz ele, "Guarda o depósito, evitando as profanas novidades de palavras". Evita-as como você evitaria uma víbora, como você evitaria um escorpião, como você evitaria um basilisco, para que não te firam não apenas com o toque, mas até com os olhos e o hálito. O que é evitar? "Nem sequer comer" (1 Coríntios 5:11) com uma pessoa deste tipo. O que é evitar? "Se alguém", diz São João, "vier a vós e não trouxer esta doutrina". Que doutrina? Qual senão a doutrina católica e universal, que continuou uma e a mesma através das várias sucessões de eras pela tradição incorrupta da verdade e assim continuará para sempre — "Não o recebais em vossa casa, nem lhe deis as boas-vindas, pois aquele que lhe dá as boas-vindas comunica com ele em suas más obras" (2 João 10).

[61.] "Profanas novidades de palavras". Que palavras são estas? Tais que não têm nada de sagrado, nada de religioso, palavras inteiramente remotas do santuário mais íntimo da Igreja, que é o templo de Deus. Profanas novidades de palavras, isto é, de doutrinas, assuntos, opiniões, tais que são contrárias à antiguidade e à fé do tempo antigo. As quais, se forem recebidas, segue-se necessariamente que a fé dos bem-aventurados padres é violada ou no todo ou, em todo caso, em grande parte; segue-se necessariamente que todos os fiéis de todas as eras, todos os santos, os castos, os continentes, as virgens, todo o clero, Diáconos e Sacerdotes, tantos milhares de Confessores, tão vasto exército de mártires, tais multidões de cidades e de povos, tantas ilhas, províncias, reis, tribos, reinos, nações, em uma palavra, quase a terra inteira, incorporada em Cristo a Cabeça, através da fé católica, foram ignorantes por tão longo trato de tempo, estiveram enganados, blasfemaram, não souberam o que crer, o que confessar.

[62.] Evita as profanas novidades de palavras, as quais receber e seguir nunca foi parte dos católicos; dos heréticos sempre foi. Em verdade, que heresia jamais irrompeu senão sob um nome definido, em um lugar definido, em um tempo definido? Quem jamais originou uma heresia que não se separasse primeiro da concordância unânime da universalidade e antiguidade da Igreja Católica? Que isto é assim é demonstrado da maneira mais clara por exemplos. Pois quem jamais, antes daquele profano Pelágio, atribuiu tanta força antecedente ao livre-arbítrio a ponto de negar a necessidade da graça de Deus para auxiliá-lo em direção ao bem em cada ato individual? Quem jamais, antes de seu monstruoso discípulo Celéstio, negou que toda a raça humana está envolvida na culpa do pecado de Adão? Quem jamais, antes do sacrílego Ário, ousou despedaçar a unidade da Trindade? Quem antes do ímpio Sabélio foi tão audaz a ponto de confundir a Trindade da Unidade? Quem antes do cruelíssimo Novaciano representou Deus como cruel no sentido de que Ele preferia que o ímpio morresse a que ele se convertesse e vivesse? Quem antes de Simão Mago, que foi ferido pela repreensão do apóstolo, e de quem aquela antiga cloaca de tudo o que é vil fluiu por uma sucessão contínua secreta até Prisciliano de nosso próprio tempo — quem, digo, antes deste Simão Mago, ousou dizer que Deus, o Criador, é o autor do mal, isto é, de nossas maldades, impiedades, flagitiosidades, visto que ele afirma que Ele criou com Suas próprias mãos uma natureza humana de tal descrição que, por seu próprio movimento e pelo impulso de sua vontade constrangida pela necessidade, nada mais pode fazer, nada mais pode querer senão o pecado, vendo que, jogada de um lado para outro e incendiada pelas fúrias de todos os tipos de vícios, é arrastada pela luxúria inextinguível para os extremos máximos da baixeza?

[63.] Há inúmeros exemplos deste tipo, os quais, por amor à brevidade, passo por cima; por todos os quais, contudo, é manifesta e claramente mostrado que é uma lei estabelecida, no caso de quase todas as heresias, que elas sempre mais se deleitam em profanas novidades, desprezam as decisões da antiguidade e, através das oposições da ciência falsamente chamada, naufragam quanto à fé. Por outro lado, é a característica segura dos católicos guardar aquilo que foi confiado ao seu encargo pelos santos Padres, condenar as profanas novidades e, nas palavras do apóstolo, uma e outra vez repetidas, anatematizar todo aquele que prega qualquer outra doutrina além daquela que foi recebida (Gálatas 1:9).

Capítulo 25. Os heréticos apelam para a Escritura para que possam suceder mais facilmente em enganar.

[64.] Aqui, possivelmente, alguém pode perguntar: Os heréticos também apelam para a Escritura? Eles o fazem de fato, e com ímpeto; pois você pode vê-los percorrer cada livro individual da Sagrada Escritura — os livros de Moisés, os livros dos Reis, os Salmos, as Epístolas, os Evangelhos, os Profetas. Seja entre seu próprio povo, seja entre estranhos, em privado ou em público, falando ou escrevendo, em banquetes ou nas ruas, quase nunca apresentam nada de seu que não procurem abrigar sob palavras da Escritura. Leia as obras de Paulo de Samósata, de Prisciliano, de Eunômio, de Joviniano e do resto daquelas pestes, e você verá uma pilha infinita de exemplos, dificilmente uma única página que não esteja eriçada de citações plausíveis do Novo Testamento ou do Antigo.

[65.] Mas quanto mais secretamente se escondem sob o abrigo da Lei Divina, tanto mais devem ser temidos e guardados. Pois eles sabem que o mau cheiro de sua doutrina dificilmente encontrará aceitação com alguém se for exalado puro e simples. Eles o borrifam, portanto, com o perfume da linguagem celestial, a fim de que aquele que estaria pronto para desprezar o erro humano, hesite em condenar as palavras divinas. Eles fazem, de fato, o que as enfermeiras fazem quando querem preparar algum gole amargo para as crianças; elas untam a borda do copo em volta com mel, para que a criança insuspeita, tendo primeiro provado o doce, não tenha medo do amargo. Assim também agem estes, que disfarçam ervas venenosas e sucos nocivos sob os nomes de medicamentos, de modo que quase ninguém, quando lê o rótulo, suspeita do veneno.

[66.] Foi por esta razão que o Salvador clamou: "Acautelai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós vestidos de ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores" (Mateus 7:15). O que se quer dizer com vestes de ovelha? O que senão as palavras que profetas e apóstolos, com a singeleza de ovelhas, teceram de antemão como velos para aquele Cordeiro imaculado que tira o pecado do mundo? O que são os lobos devoradores? O que senão as glosas selvagens e raivosas dos heréticos, que continuamente infestam os currais da Igreja e despedaçam o rebanho de Cristo onde quer que sejam capazes? Mas para que possam com astúcia mais bem-sucedida rastejar sobre as ovelhas insuspeitas, retendo a ferocidade do lobo, eles despojam sua aparência e se embrulham, por assim dizer, na linguagem da Lei Divina, como em um velo, de modo que alguém, tendo sentido a maciez da lã, não tenha pavor das presas do lobo. Mas o que diz o Salvador? "Pelos seus frutos os conhecereis"; isto é, quando começarem não apenas a citar aquelas palavras divinas, mas também a expô-las, não apenas ainda a vangloriar-se delas como estando do seu lado, mas também a interpretá-las, então aquela amargura, aquela acerbidade, aquela raiva serão compreendidas; então o mau sabor daquele novo veneno será percebido, então aquelas profanas novidades serão reveladas, então você poderá ver primeiro a cerca rompida, depois os marcos dos Padres removidos, depois a fé católica assaltada, depois a doutrina da Igreja despedaçada.

[67.] Tais eram aqueles a quem o Apóstolo Paulo repreende em sua Segunda Epístola aos Coríntios, quando diz: "Pois tais falsos apóstolos são obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo" (2 Coríntios 11:13). Os apóstolos apresentavam exemplos da Sagrada Escritura; estes homens faziam o mesmo. Os apóstolos citavam a autoridade dos Salmos; estes homens faziam o mesmo. Os apóstolos apresentavam passagens dos profetas; estes homens ainda faziam o mesmo. Mas quando começavam a interpretar em sentidos diferentes as passagens às quais ambos haviam concordado em apelar, então eram discernidos os simples dos astutos, os genuínos dos falsos, os retos dos tortos, então, em uma palavra, os verdadeiros apóstolos dos falsos apóstolos. "E não é de admirar", diz ele, "pois o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça". Portanto, de acordo com a autoridade do Apóstolo Paulo, toda vez que ou falsos apóstolos ou falsos mestres citam passagens da Lei Divina, por meio das quais, mal interpretadas, procuram escorar seus próprios erros, não há dúvida de que estão seguindo os artifícios astutos de seu pai, os quais certamente ele nunca teria planejado, se não soubesse que onde pudesse fraudulentamente e às escondidas introduzir o erro, não há maneira mais fácil de efetivar seu propósito ímpio do que fingindo a autoridade da Sagrada Escritura.

Capítulo 26. Os Heréticos, ao citarem a Escritura, seguem o exemplo do Diabo.

[68.] Mas alguém dirá: Que prova temos de que o Diabo costuma apelar para a Sagrada Escritura? Que leia os Evangelhos onde está escrito: "Então o Diabo levou-O (o Senhor o Salvador) e colocou-O sobre o pináculo do Templo, e disse-Lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, porque está escrito: Ele dará ordens aos seus anjos a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos: Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em alguma pedra". Que tipo de tratamento devem os homens, criaturas insignificantes que são, esperar das mãos daquele que assaltou até o Senhor da Glória com citações da Escritura? "Se tu és o Filho de Deus", diz ele, "lança-te daqui abaixo". Por quê? "Porque", diz ele, "está escrito". Convém-nos prestar atenção especial a esta passagem e guardá-la em mente, para que, advertidos por tão importante exemplo de autoridade Evangélica, estejamos assegurados além de dúvida, quando encontrarmos pessoas alegando passagens dos Apóstolos ou Profetas contra a Fé Católica, que o Diabo fala através de suas bocas. Pois como então a Cabeça falou à Cabeça, assim agora também os membros falam aos membros, os membros do Diabo aos membros de Cristo, os incrédulos aos crentes, os sacrílegos aos religiosos, em uma palavra, os Heréticos aos Católicos.

[69.] Mas o que eles dizem? "Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo"; isto é, "Se você quer ser um filho de Deus, e quer receber a herança do Reino do Céu, lança-te abaixo; isto é, lança-te abaixo da doutrina e tradição daquela Igreja sublime, que é imaginada ser nada menos que o próprio templo de Deus". E se alguém perguntasse a um dos heréticos que dá este conselho: "Como você prova? Que base você tem para dizer que eu devo lançar fora a fé universal e antiga da Igreja Católica?", ele tem a resposta pronta: "Porque está escrito"; e imediatamente ele produz mil testemunhos, mil exemplos, mil autoridades da Lei, dos Salmos, dos apóstolos, dos Profetas, por meio dos quais, interpretados sobre um princípio novo e errado, a alma infeliz pode ser precipitada da altura da verdade católica para o abismo mais profundo da heresia. Então, com as promessas acompanhantes, los heréticos costumam maravilhosamente enganar os incautos. Pois ousam ensinar e prometer que em sua igreja, isto é, no conventículo de sua comunhão, há uma certa graça de Deus grande e especial e inteiramente pessoal, de modo que quem quer que pertença ao seu número, sem qualquer trabalho, sem qualquer esforço, sem qualquer indústria, mesmo que não peçam, nem busquem, nem batam, têm tal dispensação de Deus que, sustentados por mãos de anjos, isto é, preservados pela proteção de anjos, é impossível que jamais tropecem com seus pés em uma pedra, isto é, que jamais sejam escandalizados.

Capítulo 27. Qual Regra deve ser observada na Interpretação da Escritura.

[70.] Mas dir-se-á: Se as palavras, os sentimentos, as promessas da Escritura são apelados pelo Diabo e seus discípulos, dos quais alguns são falsos apóstolos, alguns falsos profetas e falsos mestres, e todos sem exceção heréticos, o que devem os católicos e os filhos da Mãe Igreja fazer? Como devem distinguir a verdade da falsidade nas sagradas Escrituras? Devem ser muito cuidadosos em seguir aquele curso que, no início deste Commonitório, dissemos que homens santos e instruídos nos haviam recomendado, isto é, devem interpretar o Cânon sagrado de acordo com as tradições da Igreja Universal e em conformidade com as regras da doutrina católica, na qual Igreja Católica e Universal, além disso, devem seguir a universalidade, a antiguidade e o consentimento. E se em algum momento uma parte se opõe ao todo, a novidade à antiguidade, a dissensão de um ou de poucos que estão em erro ao consentimento de todos ou, em todo caso, da grande maioria dos católicos, então devem preferir a sanidade do todo à corrupção de uma parte; no qual mesmo todo devem preferir a religião da antiguidade à profanidade da novidade; e na própria antiguidade, da mesma maneira, à temeridade de um ou de mui poucos devem preferir, primeiro de tudo, os decretos gerais, se houver, de um Concílio Universal, ou se não houver tal, então, o que for o melhor seguinte, devem seguir a crença concordante de muitos e grandes mestres. Cuja regra tendo sido fielmente, sobriamente e escrupulosamente observada, detectaremos com pouca dificuldade os erros nocivos dos heréticos à medida que surgirem.

Capítulo 28. De que Maneira, ao colacionar as opiniões concordantes dos Antigos Mestres, as Novidades dos Heréticos podem ser detectadas e condenadas.

[71.] E aqui percebo que, como uma sequência necessária ao precedente, devo mostrar por exemplos de que maneira, ao colacionar as opiniões concordantes dos antigos mestres, as profanas novidades dos heréticos podem ser detectadas e condenadas. Contudo, na investigação deste antigo consentimento dos santos Padres, devemos dedicar nossos esforços não a cada questão menor da Lei Divina, mas apenas, ou em todo caso especialmente, onde a Regra da Fé está envolvida. Nem este modo de lidar com a heresia deve ser recorrido sempre, ou em cada caso, mas apenas no caso daquelas heresias que são novas e recentes, e isso em seu primeiro surgimento, antes que tenham tido tempo de depravar as Regras da Fé Antiga, e antes que tentem, enquanto o veneno se espalha e se difunde, corromper os escritos dos antigos. Mas heresias já amplamente difundidas e de longa data não devem de modo algum ser tratadas assim, visto que através do lapso de tempo tiveram longa oportunidade de corromper a verdade. E, portanto, quanto aos cismas ou heresias mais antigos, devemos ou refutá-los, se necessário, pela autoridade única das Escrituras, ou, em todo caso, evitá-los como tendo sido já outrora convencidos e condenados por concílios universais do Sacerdócio Católico.

[72.] Portanto, assim que a corrupção de cada erro pernicioso começa a irromper, e a defender-se furtando certas passagens da Escritura, e expondo-as fraudulenta e enganosamente, imediatamente as opiniões dos antigos na interpretação do Cânon devem ser coletadas, por meio das quais a novidade e, consequentemente, a profanidade, seja ela qual for, que surja, possa ser tanto sem qualquer dúvida exposta quanto sem qualquer tergiversação condenada. Mas as opiniões apenas daqueles Padres devem ser usadas para comparação que, vivendo e ensinando, santa, sábia e constantemente, na fé e comunhão católica, foram contados dignos ou de morrer na fé de Cristo ou de sofrer a morte alegremente por Cristo. Nos quais contudo devemos acreditar nesta condição: que apenas aquilo deve ser considerado indubitável, certo, estabelecido, que ou todos, ou a maior parte, sustentaram e confirmaram manifesta, frequente e persistentemente, em um só e mesmo sentido, formando, por assim dizer, um concílio concordante de doutores, todos recebendo, mantendo e transmitindo a mesma doutrina. Mas tudo o que um mestre sustenta, diferente de todos ou contrário a todos, seja ele santo e instruído, seja ele um bispo, seja ele um Confessor, seja ele um mártir, que isso seja considerado como uma fantasia privada dele mesmo, e seja separado da autoridade da persuasão comum, pública e geral, para que, seguindo o costume sacrílego dos heréticos e cismáticos, rejeitando a antiga verdade do Credo universal, não sigamos, ao risco máximo de nossa salvação eterna, o erro recém-inventado de um só homem.

[73.] Para que ninguém porventura pense temerariamente que o consentimento santo e católico destes bem-aventurados padres deve ser desprezado, o Apóstolo diz, na Primeira Epístola aos Coríntios: "Deus colocou alguns na Igreja, primeiro Apóstolos" (1 Coríntios 12:28), dos quais ele mesmo era um; segundo Profetas, tais como Ágabo, de quem lemos nos Atos dos Apóstolos (Atos 11:28); depois doutores, que são agora chamados Homilietas, Expositores, aos quais o mesmo apóstolo às vezes chama também de Profetas, porque por eles os mistérios dos Profetas são abertos ao povo. Quem quer que, portanto, despreze estes, que tiveram sua nomeação de Deus em Sua Igreja em seus vários tempos e lugares, quando são unânimes em Cristo na interpretação de algum ponto da doutrina católica, despreza não ao homem, mas a Deus, de cuja unidade na verdade, para que ninguém varie, o mesmo Apóstolo protesta fervorosamente: "Rogo-vos, irmãos, que todos faleis a mesma coisa, e que não haja divisões entre vós, mas que estejais perfeitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo parecer" (1 Coríntios 1:10). Mas se alguém discorda de sua decisão unânime, que ouça as palavras do mesmo apóstolo: "Deus não é Deus de dissensão, mas de paz" (1 Coríntios 14:33); isto é, não daquele que se afasta da unidade do consentimento, mas daqueles que permanecem firmes na paz do consentimento: "como", continua ele, "ensino em todas as Igrejas dos santos", isto é, dos católicos, cujas igrejas são, portanto, igrejas dos santos, porque continuam firmes na comunhão da fé.

[74.] E para que ninguém, desconsiderando todos os outros, reivindique arrogantemente ser ouvido apenas ele mesmo, ser acreditado apenas ele mesmo, o Apóstolo continua a dizer: "Porventura a palavra de Deus procedeu de vós, ou chegou ela apenas a vós?". E, para que isto não fosse pensado como dito levianamente, ele continua: "Se alguém parece ser profeta ou pessoa espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor". Quanto ao que, a menos que um homem seja um profeta ou uma pessoa espiritual, isto é, um mestre em assuntos espirituais, que seja tão observador quanto possível da imparcialidade e unidade, de modo a nem preferir suas próprias opiniões às de todos os outros, nem se afastar da crença de todo o corpo. Cuja injunção, quem quer que ignore, será ele mesmo ignorado (1 Coríntios 14:38); isto é, aquele que ou não aprende o que não sabe, ou trata com desprezo o que sabe, será ignorado, isto é, será considerado indigno de ser classificado por Deus com aqueles que estão unidos entre si pela fé, e igualados entre si pela humildade, do que não posso imaginar um mal mais terrível. Isto é, contudo, o que, de acordo com a ameaça do Apóstolo, vemos ter acontecido a Juliano o Pelagiano, que ou negligenciou associar-se à crença de seus companheiros cristãos, ou presumiu dissociar-se dela.

[75.] Mas agora é tempo de apresentar a exemplificação que prometemos, onde e como as sentenças dos santos Padres foram coletadas, de modo que, de acordo com elas, pelo decreto e autoridade de um concílio, a regra da fé da Igreja possa ser estabelecida. O que para que seja feito mais convenientemente, que este presente Commonitório termine aqui, para que o restante que se seguirá possa ser iniciado a partir de um novo começo.

[O Segundo Livro do Commonitório foi perdido. Nada dele resta exceto a conclusão: em outras palavras, a recapitulação que se segue.]

Capítulo 29. Recapitulação.

[76.] Sendo este o caso, é agora tempo de recapitularmos, ao final deste segundo Commonitório, o que foi dito naquele e no precedente.

Dissemos acima que sempre foi o costume dos católicos, e ainda é, provar a verdadeira fé destas duas maneiras; primeiro pela autoridade do Cânon Divino, e em seguida pela tradição da Igreja Católica. Não que o Cânon sozinho não seja suficiente por si mesmo para cada questão, mas vendo que a maior parte, interpretando as palavras divinas de acordo com sua própria persuasão, assume várias opiniões errôneas, é portanto necessário que a interpretação da divina Escritura seja regrada de acordo com o padrão único da crença da Igreja, especialmente naqueles artigos sobre os quais os fundamentos de toda a doutrina católica repousam.

[77.] Dissemos da mesma forma que na própria Igreja deve-se ter em conta a voz concordante da universalidade igualmente com a da antiguidade, para que nem sejamos arrancados da integridade da unidade e levados ao cisma, nem sejamos precipitados da religião da antiguidade em novidades heréticas. Dissemos, além disso, que nesta mesma antiguidade eclesiástica dois pontos devem ser muito cuidadosa e fervorosamente mantidos em vista por aqueles que querem se manter livres da heresia: primeiro, devem verificar se alguma decisão foi dada em tempos antigos quanto à questão em pauta por todo o sacerdócio da Igreja Católica, com a autoridade de um Concílio Geral; e, segundo, se surgir alguma nova questão sobre a qual nenhuma decisão tal tenha sido dada, devem então recorrer às opiniões dos santos Padres, daqueles ao menos que, cada um em seu próprio tempo e lugar, permanecendo na unidade da comunhão e da fé, foram aceitos como mestres aprovados; e tudo o que estes forem encontrados ter sustentado, com uma só mente e com um só consentimento, isto deve ser considerado a doutrina verdadeira e católica da Igreja, sem qualquer dúvida ou escrúpulo.

[78.] O que para que não pareçamos alegar presunçosamente por nossa própria conta em vez de pela autoridade da Igreja, apelamos ao exemplo do santo concílio que cerca de três anos atrás foi realizado em Éfeso na Ásia, no consulado de Basso e Antíoco, onde, quando se levantou a questão quanto à determinação autoritativa de regras de fé, para que porventura nenhuma profana novidade se arrastasse, como aconteceu com a perversão da verdade em Arimino, todo o corpo de sacerdotes ali reunidos, quase duzentos em número, aprovou este como o curso mais católico, mais confiável e melhor, a saber, trazer ao meio os sentimentos dos santos Padres, de alguns dos quais se sabia bem que haviam sido mártires, outros Confessores, mas todos haviam sido, e continuaram até o fim a ser, sacerdotes católicos, a fim de que por sua determinação concordante a reverência devida à verdade antiga pudesse ser devida e solenemente confirmada, e a blasfêmia da profana novidade condenada. O que tendo sido feito, aquele ímpio Nestório foi legal e merecidamente julgado como estando em oposição à antiguidade católica, e contrariamente o bendito Cirilo como estando em acordo com ela. E para que nada faltasse à credibilidade da questão, registramos os nomes e o número (embora tivéssemos esquecido a ordem) dos Padres, de acordo com cujo julgamento concordante e unânime, tanto os preliminares sagrados do procedimento judicial foram expostos, quanto a regra da verdade divina estabelecida. Aos quais, para que fortaleçamos nossa memória, não será trabalho supérfluo mencionar novamente aqui também.

Capítulo 30. O Concílio de Éfeso.

[79.] Estes são, então, os homens cujos escritos, seja como juízes ou como testemunhas, foram recitados no Concílio: São Pedro, bispo de Alexandria, um mestre excelente e mui bendito mártir; Santo Atanásio, bispo da mesma cidade, um mestre mui fiel e mui eminente Confessor; São Teófilo, também bispo da mesma cidade, um homem ilustre por sua fé, sua vida, seu conhecimento, cujo sucessor, o reverenciado Cirilo, agora adorna a Igreja Alexandrina. [Isto marca a data de Vicente dentro de limites muito estreitos — após o Concílio de Éfeso e antes da morte de Cirilo. Cirilo morreu em 444.] E para que porventura a doutrina ratificada pelo Concílio não fosse pensada como peculiar a uma cidade e província, foram adicionadas também aquelas luzes da Capadócia: São Gregório de Nazianzo, bispo e Confessor; São Basílio de Cesareia na Capadócia, bispo e Confessor; e o outro São Gregório, São Gregório de Nissa, por sua fé, seu comportamento, sua integridade e sua sabedoria, mui digno de ser o irmão de Basílio. E para que a Grécia ou o Oriente não parecessem estar sozinhos, para provar que o mundo Ocidental e Latino também sempre manteve a mesma crença, foram lidas no Concílio certas Epístolas de São Félix, mártir, e São Júlio, ambos bispos de Roma. E para que não apenas a Cabeça, mas as outras partes do mundo também pudessem dar testemunho ao julgamento do concílio, foi adicionado do Sul o mui bendito Cipriano, bispo de Cartago e mártir, e do Norte Santo Ambrósio, bispo de Milão.

[80.] Todos estes, então, no número sagrado do decálogo, foram produzidos em Éfeso como doutores, conselheiros, testemunhas, juízes. E aquele bendito concílio mantendo sua doutrina, seguindo seu conselho, acreditando em seu testemunho, submetendo-se ao seu julgamento sem pressa, sem conclusão precipitada, sem parcialidade, deu sua determinação concernente às Regras da Fé. Um número muito maior de antigos poderia ter sido aduzido; mas era desnecessário, porque nem era adequado que o tempo fosse ocupado por uma multidão de testemunhas, nem ninguém supõe que aqueles dez tivessem realmente uma mente diferente do resto de seus colegas.

Capítulo 31. A Constância dos Padres Efesinos em afastar a Novidade e manter a Antiguidade.

[81.] Após o precedente, adicionamos também a sentença do bendito Cirilo, que está contida nestas mesmas Atas Eclesiásticas. Pois quando a Epístola de Capréolo, bispo de Cartago, fora lida, na qual ele fervorosamente suplica que a novidade seja afastada e a antiguidade mantida, Cirilo fez e aprovou a proposta, a qual pode não ser fora de lugar inserir aqui: "Pois", diz ele, ao final dos procedimentos, "que a Epístola de Capréolo também, o reverendo e mui religioso bispo de Cartago, que foi lida, seja inserida nos atos. Sua mente é óbvia, pois ele suplica que as doutrinas da fé antiga sejam confirmadas, e tais que são novas, inventadas lascivamente e impiamente promulgadas, reprovadas e condenadas". Todos os bispos clamaram: "Estas são as palavras de todos; isto todos dizemos, isto todos desejamos". O que significam as palavras de todos, o que significam os desejos de todos, senão que o que foi transmitido da antiguidade deve ser retido, e o que foi recém-inventado, rejeitado com desdém?

[82.] Em seguida expressamos nossa admiração pela humildade e santidade daquele Concílio, tal que, embora o número de sacerdotes fosse tão grande, quase a maior parte deles metropolitas, tão eruditos, tão instruídos que quase todos eram capazes de tomar parte em discussões doutrinais, aos quais a própria circunstância de estarem reunidos para o propósito poderia parecer encorajá-los a fazer alguma determinação por sua própria autoridade, contudo nada inovaram, nada presumiram, absolutamente nada arrogaram para si mesmos, mas usaram todo o cuidado possível para transmitir à posteridade nada além do que eles próprios haviam recebido de seus Pais. E não apenas dispuseram satisfatoriamente da questão no momento em mãos, mas também deram um exemplo para aqueles que viriam depois deles, de como eles também deveriam aderir às determinações da sagrada antiguidade e condenar os artifícios da profana novidade.

[83.] Investimos também contra a ímpia presunção de Nestório em gabar-se de que ele fora o primeiro e o único que entendeu a sagrada Escritura, e que todos aqueles mestres eram ignorantes que antes dele haviam exposto os oráculos sagrados, a saber, todo o corpo de sacerdotes, todo o corpo de Confessores e mártires, dos quais alguns haviam publicado comentários sobre a Lei de Deus, outros haviam concordado com eles em seus comentários, ou haviam aquiescido neles. Em uma palavra, ele afirmou confiantemente que toda a Igreja estava até agora em erro, e sempre estivera em erro, no sentido de que, como lhe parecia, seguira e estava seguindo mestres ignorantes e equivocados.

Capítulo 32. O zelo de Celestino e Sisto, bispos de Roma, em opor-se à Novidade.

[84.] O precedente seria suficiente e muito mais que suficiente para esmagar e aniquilar cada profana novidade. Mas contudo para que nada faltasse a tal completude de prova, adicionamos, ao final, a dupla autoridade da Sé Apostólica: primeiro, a do santo Papa Sisto, o venerável prelado que agora adorna a Igreja Romana; e segundo, a de seu predecessor, o Papa Celestino de bendita memória, a qual também pensamos ser necessário inserir aqui.

O santo Papa Sisto, então, diz em uma Epístola que escreveu sobre a questão de Nestório ao bispo de Antioquia: "Portanto, porque, como o Apóstolo diz, a fé é uma — evidentemente a fé que obteve até agora — acreditemos nas coisas que devem ser ditas, e digamos as coisas que devem ser mantidas". Quais são as coisas que devem ser acreditadas e ditas? Ele continua: "Que nenhuma licença seja permitida à novidade, porque não é adequado que qualquer acréscimo seja feito à antiguidade. Que a fé clara e a crença de nossos antepassados não sejam sujas por qualquer mistura lamacenta". Um sentimento verdadeiramente apostólico! Ele engrandece a crença dos Padres pelo epíteto de clareza; as profanas novidades ele chama de lamacentas.

[85.] O santo Papa Celestino também se expressa de maneira semelhante e com o mesmo efeito. Pois na Epístola que escreveu aos sacerdotes da Gália, acusando-os de conivência com o erro, no sentido de que pelo seu silêncio falharam em seu dever para com a fé antiga e permitiram que profanas novidades surgissem, ele diz: "Somos merecidamente culpados se encorajamos o erro pelo silêncio. Portanto, repreendei estas pessoas. Restringi sua liberdade de pregar". Mas aqui alguém pode duvidar quem são aqueles cuja liberdade de pregar como bem entendem ele proíbe — os pregadores da antiguidade ou os inventores da novidade. Que ele mesmo nos diga; que ele mesmo resolva a dúvida do leitor. Pois ele continua: "Se o caso for assim (isto é, se o caso for assim como certas pessoas se queixam para mim tocante às vossas cidades e províncias, que pela vossa prejudicial dissimulação vós as fazeis consentir com certas novidades), se o caso for assim, que a novidade cesse de assaltar a antiguidade". Esta, então, foi a sentença do bendito Celestino, não que a antiguidade devesse cessar de subverter a novidade, mas que a novidade devesse cessar de assaltar a antiguidade.

Capítulo 33. Os Filhos da Igreja Católica devem aderir à Fé de seus Pais e morrer por ela.

[86.] Quem quer que, então, contradiga estas determinações Apostólicas e Católicas, primeiro de tudo necessariamente insulta a memória do santo Celestino, que decretou que a novidade deveria cessar de assaltar a antiguidade; e em segundo lugar despreza a decisão do santo Sisto, cuja sentença foi: "Que nenhuma licença seja permitida à novidade, visto que não é adequado que qualquer acréscimo seja feito à antiguidade"; além disso, condena a determinação do bendito Cirilo, que exaltou com alto louvor o zelo do venerável Capréolo, no sentido de que ele desejava as antigas doutrinas da fé confirmadas e as novas invenções condenadas; ainda mais, pisoteia o Concílio de Éfeso, isto é, as decisões dos santos bispos de quase todo o Oriente, que decretaram, sob orientação divina, que nada deveria ser acreditado pela posteridade exceto o que a sagrada antiguidade dos santos Padres, concordante em Cristo, havia mantido, os quais com uma só voz, e com alto clamor, testemunharam que estas eram as palavras de todos, este era o desejo de todos, esta era a sentença de todos: que assim como quase todos os heréticos antes de Nestório, desprezando a antiguidade e sustentando a novidade, haviam sido condenados, assim Nestório, o autor da novidade e o assaltante da antiguidade, deveria ser condenado também. Cuja determinação concordante, inspirada pelo dom da graça sagrada e celestial, quem quer que desaprove deve necessariamente considerar a profanidade de Nestório como tendo sido condenada injustamente; enfim, despreza como vil e sem valor toda a Igreja de Cristo, e seus doutores, apóstolos e profetas, e especialmente o bendito Apóstolo Paulo: despreza a Igreja no sentido de que ela nunca falhou na lealdade ao dever de acalentar e preservar a fé entregue a ela de uma vez por todas; despreza São Paulo, que escreveu: "Ó Timóteo, guarda o depósito confiado a ti, evitando as profanas novidades de palavras" (1 Timóteo 6:20); e novamente: "Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que recebestes, seja anátema" (Gálatas 1:9). Mas se nem as injunções apostólicas nem os decretos eclesiásticos podem ser violados, pelos quais, em acordo com o sagrado consentimento da universalidade e antiguidade, todos os heréticos sempre e, por último de todos, Pelágio, Celéstio e Nestório foram reta e merecidamente condenados, então certamente incumbe a todos os católicos que estão ansiosos por se aprovarem filhos genuínos da Mãe Igreja, aderir daqui em diante à santa fé dos santos Padres, casar-se com ela, morrer nela; mas quanto às profanas novidades de homens profanos — detestá-las, abominá-las, opor-se a elas, não lhes dar quartel.

[87.] Estes assuntos, tratados mais amplamente nos dois Commonitórios precedentes, eu agora reuni mais brevemente por via de recapitulação, a fim de que minha memória, para auxiliar a qual eu os compus, possa, por um lado, ser refrescada pela referência frequente e, por outro, possa evitar ser cansada pela prolixidade.

Fonte. New Advent.