🛡️A Defesa da Mudança e a Intenção Original de Pio XI
O texto inicia a sua análise crítica contrastando as duas datas da celebração de Cristo Rei: a tradicional, no último domingo de outubro, e a do Novus Ordo, no último domingo do ano litúrgico, em novembro. A crítica é enquadrada pela justificação de um padre, J. David Carter, que defende a mudança afirmando que a colocação original era "de alguma forma arbitrária", enquanto a nova data no final do ano litúrgico é "mais apropriada" para celebrar a vinda de Cristo na Sua glória para reinar. O artigo dedica-se a desmantelar completamente esta visão, demonstrando que a escolha original de Pio XI estava longe de ser arbitrária e que a mudança representou um enfraquecimento deliberado da doutrina do Reinado Social de Cristo.
Para compreender a profundidade da festa original, o texto recorre diretamente à encíclica Quas Primas de Pio XI. O Papa instituiu a festa no último domingo de outubro, imediatamente antes da Festa de Todos os Santos, com um propósito claro: sublinhar que a glória de Cristo, inaugurada na Sua missão terrena, é perpetuada na história através dos santos. A festa celebra, primariamente, "a realeza incessante de Cristo sobre toda a realidade, incluindo este mundo presente". O objetivo era insistir nos direitos de Jesus Cristo "aqui e agora" e nos correspondentes deveres dos homens e das nações na Terra. A encíclica é inequívoca ao afirmar que "todo o género humano está sujeito ao poder de Jesus Cristo" e que os governantes das nações, para conservarem a sua autoridade e promoverem a prosperidade, têm o "dever público de reverência e obediência ao governo de Cristo". Além disso, o texto aponta um contexto polémico crucial: o último domingo de outubro era celebrado há séculos como o "Domingo da Reforma" protestante. Instituir nesta data uma festa católica sobre a realeza universal de Cristo e a autoridade da Sua Igreja era uma aplicação direta e poderosa do princípio lex orandi, lex credendi, uma verdadeira contra-festa católica.
Esta intenção original não era apenas um ato de piedade, mas uma declaração política e teológica contra o avanço do laicismo e do naturalismo, que buscam relegar a religião à esfera privada e negar a autoridade de Cristo sobre a sociedade. A festa original era um chamado à militância católica, um lembrete de que a fé não pode ser divorciada da vida pública. A recusa em aceitar o Reinado Social de Cristo é, em última análise, uma rejeição do Plano Divino para a ordem, que exige que os Estados e as nações reconheçam a Igreja Católica como o único caminho estabelecido por Deus para o retorno ordenado dos seres humanos a Ele (Fahey, 1953, p. 9). A separação entre Igreja e Estado, celebrada pelo mundo moderno, é na verdade a entronização de um programa satânico que coloca todas as religiões no mesmo nível, incluindo "a perfídia judaica", e prepara o caminho para a apostasia nacional (Fahey, 1953, p. 12, 37).
🔄A Substituição de uma Festa por Outra: A Nova Teologia Escatológica
O ponto central da crítica do texto é que a festa não foi simplesmente movida; foi transformada e substituída. Citando diretamente o documento de Paulo VI, Calendarium Romanum, o autor salienta o uso da palavra latina loco, que significa "em vez de" ou "no lugar de". A Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, do Novus Ordo, substitui a festa instituída por Pio XI. Esta substituição alterou o seu conteúdo teológico, diminuindo a importância do reinado social de Cristo e trocando-o por um "Cristo cósmico e escatológico", nas palavras do reformador litúrgico Pierre Jounel.
A nova localização, no final do ano litúrgico, confere à celebração um caráter predominantemente escatológico. A realeza de Cristo é apresentada como algo que, embora presente "como num mistério", só será plenamente manifestado no fim dos tempos. O texto denuncia que esta perspectiva "trai uma certa fraqueza diante do desafio da secularização moderna, bem como uma hesitação em relação a um percebido 'triunfalismo' da doutrina social católica tradicional". Em outras palavras, a realeza de Cristo torna-se aceitável desde que a sua realização seja adiada para o fim dos tempos e "não incida excessivamente na ordem política e social atual". O Reino de Nosso Senhor deixa de ser visto como "um fermento que entra e permeia a história", para se tornar um Deus ex machina no final dos tempos. O modelo deixa de ser o Rei São Luís IX e passa a ser o Ponto Ómega de Teilhard de Chardin.
Esta mudança para uma ênfase escatológica não é neutra; é uma concessão ao espírito do mundo, que odeia a reivindicação de Cristo sobre a ordem temporal. Ao adiar o Reinado de Cristo para o futuro, a nova liturgia implicitamente aceita a soberania do homem e do Estado no presente. Esta mentalidade é precisamente o que as forças organizadas do naturalismo, como a Maçonaria e o nacionalismo judaico, têm procurado impor desde a Revolução Francesa. O objetivo delas é "desarraigar completamente toda a ordem religiosa e política do mundo, que foi trazida à existência pelo Cristianismo, e substituí-la por outra em harmonia com o seu modo de pensar" (Fahey, 1953, p. 34). A nova festa, com sua teologia enfraquecida, torna-se, assim, cúmplice, ainda que passivamente, deste projeto de secularização.
📜A Evidência Litúrgica da Subversão Doutrinária
A prova mais contundente desta mudança de paradigma encontra-se nas alterações feitas à própria liturgia do dia. O texto detalha como referências diretas à realeza de Cristo sobre os Estados e os governantes foram sistematicamente suprimidas. A Coleta da missa de 1925 pedia a Deus que "todas as famílias das nações, laceradas pela ferida do pecado, sejam postas sob o seu governo amabilíssimo". A versão de 1969, que a substitui, desvia-se radicalmente deste pedido, rezando para que "toda a criação, liberada da escravidão, renda homenagem à vossa majestade e proclame incessantemente o vosso louvor". A ênfase muda do social e político para o cósmico e genérico.
A subversão torna-se ainda mais flagrante na Liturgia das Horas, onde versos inteiros do hino Te Saeculorum Principem foram simplesmente removidos. Os versos eliminados eram os que pediam explicitamente: "Que os governantes das nações Te exaltem com honra pública; Te adorem os governadores e os juízes, Te expressem as leis e as artes". Da mesma forma, foi retirado o pedido para que a "nossa pátria e as nossas casas" se submetam ao Seu "doce governo". Estas omissões não são acidentais; elas constituem, segundo o texto, uma "silenciosa negação da realeza de Cristo sobre nações, povos e governantes".
A remoção sistemática destas orações é a prova irrefutável de que a mudança litúrgica foi, de fato, uma mudança doutrinária. Ao eliminar o apelo explícito à submissão das autoridades civis e das estruturas sociais a Cristo Rei, a nova liturgia reflete a mentalidade liberal que o Papa Pio XI condenou, na qual "a religião de Cristo foi colocada no mesmo nível das falsas religiões e ignominiosamente inserida na mesma categoria que elas" (Fahey, 1953, p. 11). A Igreja, em sua oração pública, deixou de confrontar o mundo com a verdade integral do Reinado de Cristo, optando por uma linguagem inofensiva e vaga que não desafia o status quo secular. Este é o triunfo do naturalismo dentro do próprio santuário.
📉As Causas e Consequências da Destronização de Cristo
O texto atribui estas mudanças ao fato de o "aparente 'integralismo' do Papa Pio XI se ter tornado motivo de embaraço" para figuras progressistas como Montini (Paulo VI) e Bugnini. Eles haviam aderido à filosofia do secularismo e queriam garantir que a liturgia não celebrasse a autoridade de Cristo sobre a ordem sociopolítica. O resultado foi a promoção de um Cristo que é rei do "nível mais micro" (o coração) e do "nível mais macro" (o cosmos), mas não do que está no meio: "não rei da cultura, da sociedade, da indústria e do comércio, da educação, do governo civil". Para estas esferas intermédias, o novo credo passou a ser o grito ímpio: "não temos outro rei senão César".
As consequências desta destronização litúrgica são vistas como catastróficas, contribuindo para a "autodemolição da Igreja na Terra". A deturpação da doutrina social refletiu-se internamente: a própria Igreja, como consequência de documentos como a Dignitatis Humanae, tornou-se secularizada, passando a não poder "confessar Cristo inequivocamente como o único Salvador da humanidade" e a ajoelhar-se "diante de presidentes e parlamentos". A festa original de Pio XI, ainda celebrada no Rito Romano autêntico, proclama a verdade plena da Doutrina Social da Igreja, enquanto a festa reorganizada que a substituiu subverte essa mesma verdade. Conclui-se que a vitalidade na Igreja hoje se encontra onde os ritos tradicionais foram preservados, e que a festa original de Cristo Rei, em outubro, tornou-se a "festa titular... da Reconquista cultural e política agora nos seus primórdios".
A "autodemolição" mencionada é a consequência lógica e inevitável da apostasia social. Uma nação, ou mesmo a própria estrutura visível da Igreja, que se recusa a submeter-se a Cristo Rei, entrega-se ao caos e à desordem. A fraqueza da Igreja moderna diante do secularismo é o resultado direto de ter abandonado a sua missão de moldar a sociedade segundo o Plano Divino. Ao fazê-lo, ela não só falha em converter o mundo, mas também se torna vulnerável à infiltração das forças naturalistas que buscam a sua destruição. A destronização de Cristo na liturgia é o sintoma de uma doença mais profunda: a perda da fé na missão sobrenatural da Igreja de ser "senhora e guia de todas as outras sociedades" (Fahey, 1953, p. 13). A única esperança de restauração reside num retorno corajoso à proclamação integral dos direitos de Cristo Rei sobre cada alma, cada família e cada nação. A festa original de outubro é, portanto, mais do que uma data no calendário; é um estandarte de batalha para aqueles que se recusam a capitular perante o mundo moderno.
📚Referências
Fahey, D. (1953). The Kingship of Christ and The Conversion of the Jewish Nation. Dublin: Regina Publications.