🙏A Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, estabelecida por Santo Odilo de Cluny no ano de 998, é o dia em que a Igreja militante na terra dirige seu olhar e suas preces à Igreja padecente no Purgatório. Neste dia, a liturgia nos recorda com especial solenidade dos irmãos que partiram desta vida na amizade de Deus, mas que ainda se purificam de suas faltas e das penas temporais devidas aos pecados, antes de adentrarem a visão beatífica. A Tradição permite que cada sacerdote celebre três Santas Missas, o maior sufrágio que podemos oferecer, pois é o próprio Sacrifício de Cristo que se renova misticamente no altar. A liturgia do dia se concentra em dois eixos fundamentais: a inabalável fé na ressurreição da carne, promessa de nossa própria imortalidade, e a caridade ardente que nos move a interceder pela libertação das almas, para que alcancem o quanto antes a luz e a paz perpétuas na pátria celeste.
📖 Epístola (I Cor 15, 51-57)
Irmãos: Eis um mistério que vos revelo: Todos ressuscitaremos com certeza, porém não seremos todos transformados. Num momento isto se fará, em um abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; a trombeta soará e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e também nós seremos transformados. É necessário realmente que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista de imortalidade. Quando este corpo mortal se revestir de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Ora, o aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a lei. Graças sejam dadas a Deus que nos deu a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo.
✝️ Evangelho (Jo 5, 25-29)
Naquele tempo, disse Jesus às turbas dos judeus: Em verdade, em verdade, eu vos digo, vem a hora e já é chegada, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem terão vida. Assim como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim deu ao Filho o poder de ter a vida em Si mesmo; e deu-Lhe o poder de julgar, porque é Filho do homem. Não vos surpreendais com isto, porque virá a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus; os que fizeram o bem, ressurgirão para a Vida, mas os que praticaram o mal ressurgirão para serem condenados.
🤔 Reflexões
🕯️O Evangelho deste dia solene nos confronta com uma verdade central de nossa fé: a voz de Cristo tem o poder de conferir vida aos mortos. A frase "vem a hora e já é chegada" aponta para uma realidade que se inicia com a vinda de Cristo e se consumará no fim dos tempos. Para as almas do Purgatório, esta "hora" é um contínuo presente de purificação na esperança. Elas "ouvem a voz do Filho de Deus" não para receber a vida da graça, que já possuem, mas para serem aperfeiçoadas nela e finalmente alcançarem a "Vida" em sua plenitude. O Catecismo da Igreja Católica ensina que o Purgatório é essa "purificação final dos eleitos... a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu" (CIC 1030-1031). Nossas orações, especialmente o Santo Sacrifício da Missa, unem-se à voz de Cristo, suplicando ao Pai que acelere para essas almas o momento de "ressurgir para a Vida", completando sua purificação pelo fogo do amor divino.
✨A Epístola de São Paulo aos Coríntios ecoa a promessa do Evangelho com um hino de triunfo. A morte, consequência do pecado, perde seu "aguilhão" e sua "vitória" pela Ressurreição de Cristo. Para as almas do Purgatório, a vitória já está garantida; elas estão salvas. Contudo, ainda experimentam os efeitos purificadores da justiça divina pelas cicatrizes que o pecado deixou. Santo Agostinho, meditando sobre a morte de sua mãe, Santa Mônica, expressa a piedade da Igreja ao rezar pelos defuntos: "Inspira, Senhor meu Deus... aos meus irmãos... que se lembrem diante do Teu altar de Mônica, Tua serva... para que o que ela me pediu no seu último suspiro lhe seja concedido mais abundantemente pelas orações de muitos do que pelas minhas somente" (Confissões, Livro IX, 13, 37). Esta prática, enraizada na fé na Comunhão dos Santos, reconhece que o "corpo corruptível" de nossas faltas precisa se revestir da "incorruptibilidade" da plena santidade, um processo que nossa caridade pode auxiliar e apressar.
🔗A liturgia de Finados, portanto, não é um culto à morte, mas uma poderosa afirmação da vida e da misericórdia. Ela une a esperança da ressurreição (Epístola) com a realidade do juízo e da purificação (Evangelho) dentro do grande mistério da Comunhão dos Santos. O Prefácio dos Defuntos no Missal Romano resume magnificamente esta verdade: "Nele, brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da futura imortalidade. Para os que creem em vós, Senhor, a vida não é tirada, mas transformada". Cada Missa oferecida, cada indulgência lucrada, cada oração feita por uma alma é um ato de fé que proclama que a voz de Cristo é mais forte que o silêncio do túmulo e que seu amor é um fogo que tanto purifica quanto salva, preparando os justos para o dia em que, transformados, ressurgirão para a Vida eterna.