26 set
S. Cipriano, mártir e S. Justina, virgem e mártir


🧙‍♀️A comemoração de hoje, segundo o Martirológio Romano tradicional, refere-se a São Cipriano de Antioquia e Santa Justina, e não ao mais célebre São Cipriano, bispo de Cartago. A tradição relata que Cipriano era um poderoso mago pagão que, ao tentar usar suas feitiçarias para corromper a jovem e devota cristã Justina, viu seus demônios serem repetidamente frustrados pelo sinal da cruz e pela fé inabalável dela. Profundamente impactado pelo poder de Cristo, que superava sua magia, Cipriano converteu-se, queimou seus livros de feitiçaria, foi batizado e, eventualmente, tornou-se bispo. Durante a perseguição de Diocleciano, ele e Justina foram presos e, juntos, testemunharam sua fé até o fim, recebendo a coroa do martírio. A história deles é um poderoso testemunho da vitória da fé sobre as forças do mal.

📖Introito (Sl 36, 39 | ib., 1)
A salvação dos justos vem do Senhor; e Ele é o seu protetor no tempo da tribulação. Sl. Não rivalizes com os maus, nem tenhas inveja dos que praticam a iniquidade. ℣. Glória ao Pai.

📜Epístola (Hb 10,32-38)
Irmãos: Lembrai-vos dos dias passados, nos quais depois de terdes recebido as luzes da fé sofrestes grandes tormentos: algumas vezes, expostos como em espetáculo, aos opróbrios e tribulações; outras, tomando parte nos sofrimentos daqueles que eram assim tratados. Tivestes compaixão dos encarcerados, e recebestes com alegria a perda de vossos bens, sabendo que tendes um patrimônio melhor e mais duradouro. Não queirais, pois, perder a vossa confiança que tem uma grande recompensa, porquanto vos é necessária a paciência, para que, fazendo a vontade de Deus, alcanceis o prêmio prometido. Porque, com mais um pouquinho de tempo, O que há de vir virá, e sem tardança. Ora, o meu justo vive da fé.

✝️Evangelho (Lc 12, 1-8)
Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Pois nada há encoberto que não venha a ser revelado, e nada oculto que não venha a ser conhecido. Porque o que dissestes nas trevas, será dito à luz; e o que falastes ao ouvido nos quartos, será proclamado sobre os telhados. Digo-vos, meus amigos: não temais os que matam o corpo e, depois disso, nada mais podem fazer. Mostrar-vos-ei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder de lançar no inferno. Sim, eu vos digo: a esse temei. Não se vendem cinco passarinhos por dois asses? E nenhum deles está esquecido diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois: valeis mais do que muitos passarinhos. Digo-vos ainda: todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do Homem o confessará diante dos Anjos de Deus.

🤔Reflexões

✍️A exortação de Cristo para não temer os que matam o corpo ecoa na vida dos mártires como São Cipriano e Santa Justina. Eles compreenderam que a verdadeira morte é a da alma. Santo Agostinho, meditando sobre esta passagem, ensina que o temor de Deus, que pode condenar corpo e alma, deve sobrepor-se a qualquer medo terreno, pois confessar a Cristo diante da ameaça de morte é afirmar a própria Vida perante Aquele que é a Vida. (Sermão 6). A paciência mencionada na Epístola é, para São João Crisóstomo, a virtude que nos sustenta na espera da promessa, transformando o sofrimento presente num meio para alcançar a recompensa eterna; os mártires, ao receberem com alegria a perda dos bens e da própria vida, demonstraram possuir esse “patrimônio melhor e mais duradouro”. (Homilia 21 sobre Hebreus). São Ambrósio reforça que o cuidado providente de Deus, que se estende até aos passarinhos e aos cabelos de nossa cabeça, deve nos dar a confiança absoluta para confessar a fé, sabendo que nenhum sacrifício feito por Ele é esquecido e que nosso valor a Seus olhos transcende infinitamente qualquer avaliação mundana. (Exposição sobre o Evangelho de Lucas, Livro VII).

📖Ao comparar o Evangelho de Lucas com o texto paralelo de São Mateus (Mt 10,26-33), notamos que Mateus oferece um enquadramento mais explícito sobre a natureza da alma. Enquanto Lucas diz para temer “aquele que, depois de matar, tem poder de lançar no inferno”, Mateus detalha: “temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo”. Esta distinção sublinha a imortalidade da alma, que não pode ser destruída pelos perseguidores humanos, reforçando a mensagem central sobre o que realmente se deve temer. Mateus também acrescenta a advertência de Jesus sobre não ter vindo trazer a paz, mas a espada, e a divisão dentro das famílias por causa da fé, contextualizando de forma mais dramática o custo social do discipulado.

✉️Os escritos de São Paulo aprofundam os temas da liturgia de hoje. A afirmação “o meu justo vive da fé” (Hb 10,38), central na Epístola, é o coração da teologia paulina, desenvolvida em Romanos 1,17 e Gálatas 3,11. O convite a confessar Cristo diante dos homens (Lc 12,8) encontra seu eco soteriológico em Romanos 10,9-10: “Se com a tua boca confessares que Jesus é o Senhor, e se em teu coração creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo”. Além disso, a alegria na perda dos bens e no sofrimento (Hb 10,34) é um tema recorrente em Paulo, que se gloria nas suas fraquezas e perseguições, pois “quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Cor 12,10) e afirma que “os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que se há de revelar em nós” (Rm 8,18).

🇻🇦Os documentos da Igreja corroboram a perene verdade celebrada na vida dos mártires. O Catecismo Romano, ao explicar o artigo do Credo sobre a “vida eterna”, fundamenta a esperança que motivou mártires como Cipriano e Justina a desprezarem a morte temporal. A virtude da fortaleza, detalhada pela teologia moral baseada em Santo Tomás de Aquino, é apresentada não como mera audácia, mas como a firmeza racional da alma que se apega ao bem maior (Deus) mesmo sob a ameaça do maior mal físico (a morte). Documentos pontifícios, ao longo dos séculos, alertam contra as filosofias que exaltam a vida terrena como bem absoluto, esvaziando o martírio de seu significado sobrenatural e contradizendo diretamente o mandamento de Cristo de temer apenas Aquele que tem poder sobre a vida e a morte eternas.