03 MAIO - INVENÇÃO DA SANTA CRUZ


Introito
Gl 6, 14 Nos autem gloriári opór tet in Cruce Dómini nostri Jesu Christi... Nós, porém, devemos gloriar-nos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo: nele está a nossa salvação, vida e ressurreição; por ele fomos salvos e libertados, aleluia, aleluia. Sl 66, 2 Que Deus tenha piedade de nós e nos abençoe; que faça resplandecer sobre nós o seu rosto e tenha misericórdia de nós.

Epístola Fl 2, 5-11
Irmãos: Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, o qual, sendo em forma de Deus, não considerou como usurpação ser igual a Deus; mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens e sendo reconhecido em aparência como homem. Humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que está acima de todo nome, (aqui se genuflecte) para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre, nos céus, na terra e nos infernos, e toda língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai.

Santo Evangelho segundo João Jo 3, 1-15
Naquele tempo, havia um homem entre os fariseus, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este veio a Jesus de noite e disse-lhe: Rabi, sabemos que vieste de Deus como mestre; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele. Respondeu Jesus e disse-lhe: Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do espírito é espírito. Não te maravilhes de eu te dizer: É necessário que vós nasçais de novo. O Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo aquele que nasceu do Espírito. Respondeu Nicodemos e disse-lhe: Como podem estas coisas acontecer? Respondeu Jesus e disse-lhe: Tu és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Em verdade, em verdade te digo que falamos do que sabemos e testemunhamos o que vimos, e vós não aceitais o nosso testemunho. Se vos falei de coisas terrenas e não credes, como crereis se vos falar das celestiais? E ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu, o Filho do Homem, que está no céu. E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.

Homilias e Explicações Teológicas
A humildade de Cristo, que se esvaziou para assumir a condição de servo, revela a lógica divina da kenosis, onde o abaixamento não é perda, mas plenitude do amor que se doa sem reservas, ensinando-nos que a verdadeira exaltação nasce da entrega total à vontade do Pai (Santo Agostinho, Sermões sobre a Epístola aos Filipenses). A encarnação, como descrita em Filipenses, é o fundamento da regeneração espiritual mencionada em João, pois, ao nascer de novo pelo Espírito, o homem participa da vida divina que o Verbo assumiu ao se fazer carne, unindo a humanidade à divindade numa nova criação (São Cirilo de Alexandria, Comentário ao Evangelho de João). A elevação de Cristo na cruz, prefigurada pela serpente no deserto, é o paradoxo salvífico onde a morte se torna vida, pois, ao contemplar o Crucificado com fé, o crente é elevado à comunhão com Deus, superando a mera visão terrena (São Gregório de Nissa, Sobre a Vida de Moisés). A necessidade de nascer do alto, enfatizada por Nicodemos, aponta para o batismo como participação no mistério pascal, onde o Espírito, dado pelo Filho exaltado, purifica e renova a alma para a eternidade (São Tomás de Aquino, Comentário ao Evangelho de João). O diálogo com Nicodemos sublinha que o conhecimento humano, sem a iluminação do Espírito, permanece cego para os mistérios celestes, pois apenas a fé no Filho do Homem, que desceu e ascendeu, abre o coração à verdade divina (Santo Ambrósio, Sobre os Mistérios).


Síntese Comparativa com os Demais Evangelhos
O relato de João 3,1-15, com o diálogo entre Jesus e Nicodemos sobre o nascimento pelo Espírito e a alusão à serpente elevada, apresenta ênfases únicas ausentes nos outros evangelhos. Mateus, em 3,11-12, menciona o batismo com o Espírito Santo e fogo por João Batista, mas foca na purificação escatológica, sem explorar a regeneração espiritual como renovação ontológica, como João faz. Marcos 1,8 também alude ao batismo com o Espírito, mas limita-se a contrastá-lo com o batismo de água, sem desenvolver a necessidade de nascer do alto. Lucas 24,49 complementa João ao descrever a promessa do Espírito como “poder do alto” aos discípulos, mas enfatiza a missão apostólica, não a transformação pessoal do indivíduo, como em João. Além disso, nenhum dos sinóticos conecta a elevação de Cristo à serpente de Números 21, uma tipologia exclusiva de João que vincula a cruz à salvação pela fé. Por fim, enquanto João destaca o diálogo teológico com Nicodemos, os outros evangelhos priorizam narrativas de ação ou parábolas, sem um equivalente direto à reflexão sobre o nascimento espiritual.


Síntese Comparativa com Textos de São Paulo
O evangelho de João 3,1-15 encontra complementos significativos nas epístolas paulinas, que aprofundam temas apenas insinuados no diálogo com Nicodemos. Em Romanos 6,3-5, Paulo explica que o batismo une o cristão à morte e ressurreição de Cristo, detalhando o mecanismo da regeneração espiritual apenas sugerido em João como “nascer da água e do Espírito”. Em Gálatas 4,6-7, Paulo descreve o Espírito como aquele que clama “Abba, Pai” nos corações, enfatizando a filiação divina resultante do novo nascimento, um aspecto não explicitado em João. Efésios 2,4-6 complementa a ideia de elevação em João, afirmando que Deus “nos ressuscitou com Cristo e nos fez sentar nos céus”, conectando a exaltação de Cristo à participação dos fiéis na glória celeste. Em 1 Coríntios 2,14, Paulo distingue o homem natural, incapaz de compreender as coisas do Espírito, do homem espiritual, ecoando a incompreensão inicial de Nicodemos e reforçando a necessidade da iluminação divina. Diferentemente de João, que usa a imagem da serpente para a cruz, Filipenses 2,8-9 (além do texto indicado) detalha a obediência de Cristo até a morte, oferecendo uma perspectiva teológica sobre o “esvaziamento” que culmina na exaltação.