29 mar - SÁBADO DA 3ª SEMANA DA QUARESMA


Féria de 3ª Classe – Missa Própria – Estação em Santa Susana

PRÓPRIO DO DIA

Introito
Salmo 5, 2-3. Verba mea áuribus pércipe, Dómine, intéllege clamórem meum... Escuta as minhas palavras com teus ouvidos, Senhor, compreende o meu clamor: atende à voz da minha oração, meu Rei e meu Deus. Salmo ibid., 4. Porque a ti orarei, Senhor: pela manhã ouvirás a minha voz.

Epístola (Dan.13., 1-9, 15-17, 19-30 et 33-62)
Livro de Daniel. Havia um homem que habitava em Babilônia, chamado Joaquim, e tomou por mulher uma chamada Susana, filha de Helcias, muito formosa e temente a Deus, porque seus pais, sendo justos, tinham ensinado sua filha segundo a lei de Moisés. Era Joaquim muito rico, e tinha um pomar contíguo à sua casa; e os judeus concorriam muito a ela, por ser ele o mais honrado de todos. Foram naquele ano constituídos juízes dois anciãos do povo, dos quais disse o Senhor que a iniquidade saiu de Babilônia dos anciãos juízes, que pareciam reger o povo. Estes frequentavam a casa de Joaquim, e todos os que tinham algum negócio vinham ter com eles. Sucedia que, quando o povo se retirava ao meio-dia, entrava Susana no pomar de seu marido, e passeava. Os dois anciãos, que a viam todos os dias entrar e passear, conceberam uma má paixão por ela, e perverteram o seu coração, desviando os seus olhos para não olharem para o céu, nem se lembrarem dos justos juízos de Deus.
Sucedeu que, estando ela um dia a banhar-se, como fazia nos dias antecedentes, porque fazia muito calor, veio ao pomar só com duas criadas, e quis banhar-se, por causa do calor. Não havia ali ninguém, senão os dois anciãos escondidos, que a espiavam. Disse Susana às criadas: Trazei-me o óleo e os unguentos, e fechai as portas do pomar, para eu me banhar. Elas fizeram como lhes ordenara, e fecharam as portas do pomar, e saíram pelas portas laterais para trazer o que lhes fora mandado, não sabendo que os anciãos estavam escondidos dentro. Logo que as criadas saíram, levantaram-se os dois anciãos, correram para ela, e disseram: Eis que as portas do pomar estão fechadas, ninguém nos vê, e nós estamos apaixonados por ti; consente-nos, pois, e une-te a nós. Se não quiseres, daremos testemunho contra ti, que esteve contigo um mancebo, e que por isso mandaste sair as tuas criadas. Susana, suspirando, disse: Estou em aperto por todos os lados; porque, se eu fizer isto, é-me a morte; e, se o não fizer, não escaparei das vossas mãos. Melhor me é, porém, cair nas vossas mãos sem o fazer, do que pecar na presença do Senhor. E Susana deu um grande grito; mas os anciãos gritaram também contra ela. E correndo um deles, abriu as portas do pomar. Ouvindo os da casa o grito no pomar, entraram à pressa pela porta lateral para ver o que era. E quando os anciãos começaram a falar, os servos ficaram muito confusos, porque nunca se ouvira tal coisa de Susana.
No outro dia, quando o povo se juntou em casa de Joaquim, seu marido, vieram também os dois anciãos cheios de um mau intento contra Susana, para a fazerem morrer. E disseram diante do povo: Mandai chamar Susana, filha de Helcias, mulher de Joaquim. E mandaram-na chamar. Veio ela com seus pais, seus filhos e todos os seus parentes. Era Susana muito delicada e formosa de rosto; e aqueles malvados mandaram que lhe descobrissem o rosto (porque estava coberto), para se fartarem da sua beleza. Choravam os seus e todos os que a viam. Levantando-se os dois anciãos no meio do povo, puseram as mãos sobre a cabeça dela. Ela, chorando, olhou para o céu, porque o seu coração confiava no Senhor. Disseram os anciãos: Estando nós sós a passear no pomar, entrou esta com duas criadas, e fechou as portas do pomar, e despediu as criadas. Veio ter com ela um mancebo que estava escondido, e se deitou com ela. Nós, que estávamos num canto do pomar, vendo esta iniquidade, corremos para eles; e os vimos juntos em pecado, mas não pudemos apanhar o homem, porque era mais forte do que nós, e abrindo as portas fugiu. A esta, porém, apanhamos, e perguntando-lhe quem era o mancebo, não no-lo quis dizer. Disto somos testemunhas. A multidão creu neles, como anciãos e juízes do povo, e a condenaram à morte. Susana deu um grande grito e disse: Ó Deus eterno, que conheces o que está oculto, que sabes todas as coisas antes que aconteçam, tu sabes que estes levantaram contra mim um falso testemunho; e eis que eu morro, sem ter feito nada do que estes maldosamente inventaram contra mim. E o Senhor ouviu a sua voz. E quando ela era levada ao suplício, suscitou Deus o espírito santo num mancebo chamado Daniel, o qual exclamou com grande voz: Eu sou limpo do sangue desta! Voltando-se todo o povo para ele, disse: Que palavra é essa que disseste? Ele, estando no meio deles, disse: Sois vós tão loucos, filhos de Israel, que sem exame nem conhecimento da verdade condenastes uma filha de Israel? Voltai ao lugar do juízo, porque estes deram falso testemunho contra ela. Tornou, pois, todo o povo com grande pressa; e disseram-lhe os anciãos: Vem, senta-te no meio de nós, e dá-nos parte, pois Deus te deu a honra da velhice. Disse-lhes Daniel: Separai-os um do outro, e eu os examinarei. Apartados que foram um do outro, chamou um deles e disse-lhe: Ó tu, que envelheceste em dias de maldade, agora vieram os teus pecados, que antes cometeste, dando sentenças injustas, oprimindo os inocentes e absolvendo os culpados, quando o Senhor diz: Não matarás o inocente e o justo. Agora, pois, se a viste, dize-me: debaixo de que árvore os viste juntos? Respondeu ele: Debaixo de um lentisco. Disse Daniel: Bem mentiste contra a tua cabeça; porque eis que o anjo de Deus, tendo recebido a sentença dele, te partirá pelo meio. E mandando-o sair, ordenou que viesse o outro, e disse-lhe: Ó semente de Canaã, e não de Judá, a formosura te enganou, e a concupiscência perverteu o teu coração; assim fazíeis às filhas de Israel, e elas, por medo, se uniam convosco, mas uma filha de Judá não consentiu na vossa iniquidade. Dize-me, pois, agora: debaixo de que árvore os apanhaste juntos? Respondeu ele: Debaixo de um azinheiro. Disse-lhe Daniel: Também tu mentiste bem contra a tua cabeça; porque o anjo do Senhor está esperando com a espada para te cortar pelo meio, e vos exterminar a ambos. Então toda a multidão deu um grande grito, e bendisse a Deus, que salva os que esperam nele. E levantaram-se contra os dois anciãos (porque Daniel os convencera pela sua própria boca de falso testemunho), e lhes fizeram como eles tinham intentado fazer ao próximo; e segundo a lei de Moisés os mataram; e salvou-se naquele dia o sangue inocente.

Evangelho (João 8:1-11)
Mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. E pela manhã cedo tornou ao templo, e todo o povo vinha ter com ele; e, assentando-se, os ensinava. Ora, os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher que fora apanhada em adultério, e, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi agora mesmo apanhada em adultério. Na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: Aquele de vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire a pedra. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Eles, porém, ouvindo isto, saíram um a um, começando pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Então, erguendo-se Jesus, e não vendo a ninguém mais senão à mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Ela disse: Ninguém, Senhor. E Jesus lhe disse: Nem eu te condeno; vai, e não peques mais.

Homilias

Santo Agostinho – Sermão 13 sobre o Evangelho de João - A cena revela a misericórdia divina que supera a justiça humana. Os acusadores, cheios de hipocrisia, buscam condenar a mulher, mas são eles mesmos condenados por suas consciências ao ouvir as palavras do Salvador. Aquele que escreve no chão não apenas denuncia o pecado inscrito nos corações endurecidos dos fariseus, mas também aponta para a terra como testemunha da fragilidade humana, que Deus, em sua bondade, veio redimir. A mulher, deixada sozinha com Cristo, representa a Igreja, purificada não por méritos próprios, mas pela graça daquele que não condena, mas restaura. O mandamento "não peques mais" é um chamado à conversão, pois o perdão de Deus não é licença para o pecado, mas uma porta para a santidade. Aqui se manifesta o mistério da encarnação: o Verbo, que conhece os segredos dos corações, julga com verdade e salva com amor, mostrando que a Lei, sem a caridade, é morta.
 
São Tomás de Aquino – Suma Teológica, Secunda Secundae, Q. 34, Art. 1 (sobre o pecado e a misericórdia) - A atitude de Cristo neste evento demonstra a ordenação da justiça à misericórdia, pois Deus, sendo a suma bondade, não deseja a morte do pecador, mas sua conversão e vida. Os fariseus representam a justiça humana, que, sem a luz da graça, torna-se cega e incapaz de julgar retamente, pois todos os homens são pecadores e dependem da misericórdia divina. Escrever no chão simboliza a lei natural inscrita na criação, que condena o pecado, mas também a humildade de Cristo, que se inclina para elevar o caído. A mulher, por sua vez, é figura da alma humana, que, ao encontrar-se com o Salvador, é libertada da pena temporal e eterna, desde que se afaste do mal. A frase "quem não tiver pecado" não nega a autoridade de punir o pecado, mas ensina que tal poder deve ser exercido com caridade e sem soberba, pois o juízo final pertence somente a Deus, que sonda os corações.

São João Crisóstomo – Homilia 86 sobre o Evangelho de João - A sabedoria de Cristo brilha ao desarmar os acusadores com uma única sentença, mostrando que a condenação do próximo é muitas vezes um reflexo da própria culpa. Os fariseus, ao partirem, reconhecem em silêncio que a Lei, mal interpretada, pode se tornar instrumento de morte em vez de vida. A mulher, ao permanecer diante do Salvador, encontra não apenas o perdão, mas a dignidade restaurada, pois o Senhor não a humilha, mas a chama a uma nova existência. Este encontro é um espelho da providência divina: Deus permite que o pecado seja manifesto para que a graça abunde, e a alma, antes escrava da carne, torne-se livre pelo Espírito. O silêncio de Jesus enquanto escreve no chão é um convite à contemplação, pois nele se revela o mistério da paciência divina, que espera o arrependimento do homem para lhe oferecer a salvação.