A Epístola falou-nos ontem de duas mulheres, representando uma a sinagoga e outra a Igreja. Da mesma forma se refere hoje a duas mulheres que se apresentam a Salomão. Uma, a mãe degenerada que permitiria matar a criança, é figura da sinagoga. A outra, mãe verdadeira, a Igreja, lhe quer conservar a vida. Jesus Cristo como Salomão, entrega “o filho” (a alma humana) à verdadeira mãe.
PRÓPRIO DO DIA
Introito (Sl 53, 3-4| ib., 5)
Deus, in nómine tuo salvum me fac, et in virtúte tua líbera me... Ó Deus, em vosso Nome, salvai-me, e por vosso poder libertai-me. Ó Deus, ouvi a minha oração; atendei às palavras de minha boca. Sl. Porque estranhos se levantaram contra mim e poderosos querem tirar-me a vida.
Epístola (3 Reis 3, 16-28)
Naqueles dias, apresentaram-se duas mulheres de vida má, perante o rei Salomão. Uma delas assim falou: Dignai-Vos ouvir-me, senhor meu. Eu e esta mulher habitávamos em uma mesma casa, e dei à luz, junto dela, num aposento. Três; dias depois do meu parto, também ela deu à luz. Estávamos juntas e ninguém havia em casa além de nós. O filho desta mulher morreu durante a noite, pois dormindo, ela o sufocara. E levantando-se no silêncio profundo da noite, enquanto dormia esta vossa criada, ela tirou o meu filho, que estava ao meu lado, e colocando-o junto a si, pôs em lugar do meu, o filho dela que morrera. Quando, pela manhã, me levantei para aleitar o meu filho, apareceu-me morto, mas, reparando melhor, quando se fez mais claridade, reconheci que não era o meu, aquele que eu tinha dado à luz. Respondeu-lhe a outra mulher: Não é verdade o que dizes, pois o teu filho é o que está morto, e o meu é o que vive. E a primeira replicava: Mentes, pois é o meu filho que está vivo, e o teu, o que morto está. E desse modo discutiam perante o rei. Então o rei disse: Diz esta: O meu filho vive e o teu está morto. E a outra responde: Não, o teu é que está morto e vive o meu. Por isso, acrescentou o rei: Trazei-me uma espada. E quando trouxeram a espada, disse o rei: Dividi o menino vivo em duas partes, dai metade a uma, e metade à outra mulher, Disse então ao rei a mulher cujo filho estava vivo (porque seu coração se compadeceu de seu filho): Senhor, eu vos suplico, dai-lhe a criança viva; não a mateis. Ao contrário, dizia a outra: Não seja minha, nem tua, porém dividida. Respondeu então o rei: Dai àquela o menino vivo, não o mateis, pois essa é a sua mãe. Ouviu todo o Israel a sábia sentença pela qual o rei julgara; e encheram-se de grande respeito pelo rei, vendo que a sabedoria de Deus nele estava para fazer justiça.
Evangelho (Jo 2, 13-25)
Naquele tempo, estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus a Jerusalém e encontrou no templo (no átrio externo) vendedores de bois, de ovelhas e de pombas, e assentados, cambistas. E tendo feito de cordas um chicote, expulsou a todos do templo, assim como às ovelhas e aos bois, jogando por terra as moedas dos cambistas, e derrubando-lhes as mesas. Aos que vendiam pombas, Ele disse: Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai, um mercado. Recordaram-se então os seus discípulos de que está escrito: O zelo por tua casa devorou-me. Responderam pois os judeus, dizendo-lhe: Que sinal nos mostrais de que podeis fazer isto? Respondeu Jesus com estas palavras: Destruí este templo e eu o restabelecerei em três dias. Retrucaram-Lhe os judeus: Quarenta e seis anos foram gastos na edificação deste templo e Tu, em três dias o restabelecerás? Ele falava, entretanto, do templo de seu corpo. Depois que Ele ressurgiu dos mortos, recordaram-se os seus discípulos que Ele dissera isto, e creram na Escritura e nas palavras que Jesus havia pronunciado. Enquanto Ele estava em Jerusalém, nos dias da festa da Páscoa, muitos acreditaram em seu Nome, vendo os milagres que operava. Jesus porém, neles não confiava, porque a todos conhecia e não carecia do testemunho de nenhum homem. Porque sabia, Ele mesmo, o que havia no homem.
Homilias
Santo Agostinho (Sermão 112) - A expulsão dos vendilhões do templo é um ato de purificação que revela a santidade divina exigida no culto a Deus. A casa do Pai não pode ser profanada por interesses terrenos, pois ela é destinada à oração e à comunhão com o Criador. O chicote de cordas simboliza a correção divina que afasta o pecado e restaura a ordem espiritual. Quando Cristo fala do templo de seu corpo, ele aponta para o mistério da Encarnação e da Ressurreição, mostrando que o verdadeiro templo é sua humanidade unida à divindade, que será destruída na cruz e reconstruída na glória. Os discípulos, ao lembrarem-se das Escrituras, percebem que o zelo de Cristo é o mesmo zelo do salmista, um fogo que consome o mal e exalta a justiça. A incredulidade dos judeus reflete a cegueira espiritual que não reconhece o poder de Deus além das coisas materiais. Cristo, conhecendo o coração humano, não se entrega aos que creem apenas por sinais, pois a fé verdadeira exige um coração purificado, não movido por curiosidade ou vantagens temporais.
São Tomás de Aquino - Summa Theologica (III, q. 46, a. 3) - A ação de Cristo ao purificar o templo manifesta sua autoridade divina e seu ofício messiânico como aquele que restabelece a verdadeira adoração a Deus. O templo, enquanto figura da Igreja, deve ser um lugar de santidade, e a expulsão dos vendilhões prefigura a purificação dos pecados que Cristo realiza pela sua Paixão. A menção ao templo de seu corpo é um sinal profético da Ressurreição, pela qual ele demonstra que a morte não tem poder sobre ele, e que a nova aliança será selada em seu sacrifício. O zelo pela casa de Deus, que o consome, é a expressão de sua caridade perfeita, que não tolera a corrupção no culto divino. A incredulidade dos judeus diante do sinal pedido revela a limitação da razão humana que não alcança os mistérios divinos sem a luz da fé. A ciência de Cristo sobre o coração humano sublinha sua divindade, pois só Deus perscruta as profundezas da alma, mostrando que sua missão não depende da aprovação dos homens, mas da vontade do Pai.
Santo Anselmo de Cantuária (Proslogion, cap. 14-16) - A purificação do templo por Cristo é um ato de justiça divina que expulsa a desordem e restaura a harmonia entre o homem e Deus. O templo, como casa de oração, deve refletir a pureza da alma que busca a Deus, e o gesto de Cristo com o chicote é uma advertência contra a profanação do sagrado por interesses terrenos. Quando fala do templo de seu corpo, Cristo revela o mistério de sua natureza divina e humana, indicando que a verdadeira adoração agora se realiza por meio dele, o Verbo encarnado. O zelo que o consome é o amor infinito de Deus que se entrega pela redenção da humanidade. A incapacidade dos judeus de compreenderem o sinal mostra a necessidade da graça para elevar a mente humana aos mistérios celestes. A recusa de Cristo em confiar-se aos homens sublinha que a salvação vem de sua iniciativa divina, não da fragilidade humana, pois ele conhece a fraqueza do coração e a chama à conversão.