16 nov
XXIII Domingo depois de Pentecostes


🕊️Neste XXIII Domingo depois de Pentecostes, a liturgia nos envolve no tema da paz que transcende a compreensão humana, uma paz que é o próprio Cristo. O Introito da Missa declara as intenções divinas: “Meus pensamentos são de paz, e não de aflição”. Esta paz não é uma mera ausência de conflito, mas a presença restauradora de Deus que vence o sofrimento, a doença e a própria morte. A Epístola de São Paulo aos Filipenses contrasta os “inimigos da Cruz de Cristo”, que se apegam às coisas terrenas, com os “cidadãos dos céus”, cuja esperança está na transformação final de seus corpos à semelhança do corpo glorioso de Cristo. O Evangelho ilustra essa esperança de forma poderosa, apresentando dois milagres de cura e ressurreição que demonstram a autoridade de Nosso Senhor sobre as maiores aflições da vida. Assim, a liturgia de hoje nos convida a viver firmes no Senhor, encontrando Nele a nossa verdadeira paz e a nossa esperança, com os nomes escritos no livro da vida.

📖Epístola (Fl 3, 17-21; 4, 1-3)

Irmãos: Sede meus imitadores e observai os que andam conforme o exemplo que tendes visto em mim. Pois muitos há, de quem muitas vezes vos tenho falado (e ainda agora falo com lágrimas), que procedem como inimigos da Cruz de Cristo. O fim deles é a perdição; têm por Deus o ventre; gloriam-se daquilo de que se deviam envergonhar, gostando somente das coisas terrenas. Quanto a nós, o nosso viver é nos céus, de onde também esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante a seu corpo glorificado, pelo poder que tem de sujeitar a Si todas as coisas. Portanto, irmãos meus, muito amados e queridos, alegria e coroa minha, permanecei assim firmes no Senhor, caríssimos. Rogo a Evódia e suplico a Síntique que sejam unidas no Senhor. E peço também a ti, meu fiel companheiro, que as ajudes, porque comigo trabalharam em prol do Evangelho com Clemente e meus outros colaboradores, cujos nomes estão no livro da vida.

✝️Evangelho (Mt 9, 18-26)

Naquele tempo, falava Jesus ao povo quando se aproximou d’Ele um príncipe da sinagoga e O adorou, dizendo: Senhor, agora mesmo faleceu a minha filha, mas vinde, imponde a vossa mão sobre ela e viverá. Jesus levantou-se e seguiu-o com os seus discípulos. E eis que uma mulher, que havia doze anos padecia de um fluxo de sangue, chegou-se por detrás d’Ele e tocou-Lhe na orla do vestido. Porque dizia consigo: Se eu tão somente tocar no seu vestido, ficarei curada. Voltou-se Jesus, e vendo-a, disse: Tem confiança, filha, tua fé te salvou. E naquela hora a mulher foi curada. Quando Jesus chegou à casa do príncipe, e viu os tocadores de flauta e muita gente em alarido, disse-lhes: Retirai-vos, porque a menina não está morta, mas dorme. E riram-se d’Ele. Mas depois que fez sair a gente, Jesus entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. E divulgou-se a notícia deste milagre por toda aquela região.

🙏Reflexões

✨O Evangelho de hoje nos apresenta dois milagres entrelaçados, ambos nascidos de um toque de fé. O chefe da sinagoga busca o toque impositivo de Cristo para sua filha morta, enquanto a mulher com fluxo de sangue busca, em segredo, tocar a orla de Suas vestes. Em ambos os casos, a fé é o canal pelo qual o poder divino flui. Santo Agostinho, meditando sobre a mulher hemorroíssa, distingue o toque da multidão do toque da fé: “A multidão O aperta, mas só ela O toca”. Muitos se aproximam de Cristo por curiosidade ou costume, mas poucos O “tocam” com uma fé viva e pessoal que espera d’Ele a salvação. Esta mulher, impura segundo a Lei e marginalizada pela sociedade, ensina-nos que a verdadeira fé não se detém em barreiras, mas rompe o véu da condição humana para alcançar o Divino. Ela não pede, não grita; ela age com a certeza interior de que o simples contato com o sagrado a restaurará. Esta é a fé que salva, uma confiança total que move a mão de Deus.

⚔️A Epístola de São Paulo ressoa profundamente com a cena do Evangelho, ao contrastar dois modos de vida: o dos “inimigos da Cruz” e o dos “cidadãos dos céus”. Os que zombam de Jesus na casa do príncipe, os tocadores de flauta e a multidão em alarido, representam a mentalidade terrena que vê a morte como o fim absoluto e ri da esperança divina. Eles são a imagem daqueles de quem Paulo fala com lágrimas, cujo “deus é o ventre” e que “só gostam das coisas terrenas”. Por outro lado, o chefe da sinagoga e a mulher doente encarnam a cidadania celeste. Mesmo diante do desespero — a morte e a doença crônica —, eles não se fixam na realidade terrena, mas elevam seu olhar para Cristo, o Salvador esperado dos céus. O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que “a fé é a resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo uma luz superabundante ao homem em busca do sentido último da sua vida” (CIC 26). A fé destes dois protagonistas do Evangelho é precisamente esta resposta que abre as portas para a luz de Cristo dissipar as trevas da morte e do sofrimento.

⚓Esta liturgia, portanto, nos mergulha na essência da esperança cristã. A ressurreição da menina não é apenas um milagre do passado, mas um sinal profético da nossa própria ressurreição, como afirma São Paulo: “Ele transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante a seu corpo glorificado”. A paz anunciada no Introito não é a ausência de provações, mas a certeza da presença de Cristo que caminha conosco através delas. São Tomás de Aquino define a esperança como a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, apoiando-nos não em nossas forças, mas no auxílio da graça do Espírito Santo (Summa Theologiae, II-II, q. 17, a. 1). A fé do chefe da sinagoga e da mulher doente é a semente da esperança que floresce em milagre. Somos chamados, neste domingo, a examinar nossa própria vida: vivemos como inimigos da Cruz, apegados ao que é passageiro e rindo da promessa de vida eterna, ou como cidadãos dos céus, tocando Cristo com fé diária, buscando Nele a cura para nossas enfermidades e a paz para nossas aflições, firmes na esperança de que nossos nomes, também, estão “escritos no livro da vida”?