✝️São Cornélio, Papa, e São Cipriano, Bispo de Cartago, viveram durante a feroz perseguição do imperador Décio. Ambos se destacaram não apenas pela coroa do martírio, mas pela defesa da unidade da Igreja contra o cisma de Novaciano. Este defendia um rigorismo extremo, negando o perdão aos que haviam renegado a fé por medo da tortura (lapsi). Cornélio e Cipriano, em mútua correspondência e apoio, defenderam a doutrina católica de que a Igreja tem o poder de perdoar todos os pecados, exigindo, contudo, uma penitência proporcional e sincera para a readmissão dos apóstatas, estabelecendo um equilíbrio entre a misericórdia divina e a justiça. Como disse São Cipriano: “Ninguém pode ter Deus por Pai se não tiver a Igreja por Mãe”. Sua firmeza pastoral e teológica consolidou a disciplina penitencial da Igreja primitiva e ambos coroaram suas vidas com o martírio.
📖Intróito (Sl 78, 11, 12 e 10 | ib., 1)
Intret in conspectu tuo, Domine, gemitus compeditorum... Chegue à vossa presença, Senhor, o gemido dos cativos. Retribuí a nossos vizinhos, em seu íntimo, sete vezes cada injúria que eles Vos fizeram. Vingai o sangue de vossos Santos, que foi derramado. Sl. Ó Deus, os gentios invadiram a vossa herança, profanaram o vosso santo templo e reduziram Jerusalém a ruínas. ℣. Glória ao Pai.
📜Epístola (Sb 3, 1-8)
As almas dos Justos estão nas mãos de Deus, e o tormento da morte não as tocará. Pareceu aos olhos dos insensatos que iam morrer. Seu trânsito deste mundo foi considerado como uma infelicidade, e a sua separação de nós, uma calamidade, porém eles estão em paz. E se sofreram tormentos diante dos homens, a sua esperança está toda na imortalidade. Depois de uma leve tribulação receberão uma grande recompensa, porque Deus os provou e os achou dignos de Si. Provou-os como ao ouro na fornalha: recebeu-os como holocaustos. E a seu tempo os olhará benignamente. Então os Justos resplandecerão e brilharão como centelhas que correm pelo canavial. Eles julgarão as nações e dominarão os povos; e o Senhor será Rei sobre eles, para sempre.
✝️Evangelho (Lc 21, 9-19)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Quando ouvirdes falar de guerras e de sedições, não vos assusteis. É necessário que estas coisas aconteçam primeiro; mas não virá logo o fim. E então dizia-lhes: Levantar-se-á nação contra nação e reino contra reino. Haverá grandes terremotos em vários lugares, pestes e fomes, e também coisas espantosas e no céu grandes sinais. Mas, antes de tudo isso, lançarão mão de vós e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença de reis e governadores, por causa de meu Nome. Isto vos será ocasião de dardes testemunho. Proponde, pois, em vossos corações não premeditar como haveis de responder. Porque eu vos darei palavras e sabedoria a que todos os vossos inimigos não poderão resistir nem contradizer. Sereis entregues até por vossos pais, irmãos, parentes e amigos. Farão morrer muitos de vós e sereis odiados por todos por causa de meu Nome. Mas não se perderá um só cabelo de vossa cabeça. Por vossa perseverança salvareis as vossas almas.
🤔Reflexões
🏛️O Evangelho exorta à perseverança como meio de salvação da alma, uma virtude testada no fogo da perseguição, conforme a Epístola descreve os justos provados como ouro na fornalha. Santo Agostinho ensina que a paciência verdadeira, que suporta com equanimidade todos os males, não provém das forças humanas, mas é um dom da graça de Deus, sendo ela a guardiã de todas as virtudes (Sermão 358A). São Gregório Magno reflete que, assim como o fogo testa o ouro, a tentação testa o homem justo; a adversidade que o consome aqui na terra purifica-o de toda escória para que possa repousar em paz na eternidade (Moralia in Job, Livro I). E São Beda, o Venerável, comenta que a promessa de que ‘nem um só cabelo de vossa cabeça se perderá’ se refere à integridade da ressurreição, garantindo que nenhum sofrimento, por menor que seja, será em vão para a recompensa eterna (Comentário sobre Lucas).
📖Em comparação com os outros sinóticos, o Evangelho de São Lucas oferece detalhes únicos sobre a perseguição. Apenas Lucas afirma explicitamente que a perseguição será uma "ocasião de dardes testemunho" (Lc 21, 13), conferindo um propósito evangelizador ao sofrimento. Enquanto Mateus (24, 13) e Marcos (13, 13) afirmam que "aquele que perseverar até o fim será salvo", Lucas conclui com a promessa mais pessoal e encorajadora: "Por vossa perseverança salvareis as vossas almas" (Lc 21, 19) e a garantia física de que "não se perderá um só cabelo de vossa cabeça" (Lc 21, 18). Marcos (13, 11) atribui a inspiração do testemunho diretamente ao Espírito Santo, enquanto Lucas atribui a promessa ao próprio Cristo: "Eu vos darei palavras e sabedoria".
✉️Os escritos de São Paulo aprofundam a teologia do sofrimento e da perseverança vista no Evangelho. Em Romanos 8, 35-37, ele questiona retoricamente o que pode separar os fiéis do amor de Cristo – "tribulação, angústia, perseguição?" – e conclui que "em todas estas coisas somos mais que vencedores". Em 2 Timóteo 4, 7-8, ele oferece seu próprio testemunho como modelo de perseverança, declarando ter "combatido o bom combate" e aguardando a "coroa da justiça". A promessa de Cristo de dar "palavras e sabedoria" ecoa em 1 Coríntios 2, 4, onde Paulo afirma que sua pregação não se baseou na sabedoria humana, "mas em demonstração do Espírito e de poder".
🇻🇦Documentos pontifícios ecoam a necessidade da perseverança na fé. A encíclica Mediator Dei ensina que os mártires, ao oferecerem seu sangue, unem-se da forma mais íntima ao sacrifício de Cristo, tornando seu testemunho uma liturgia viva. As definições do Concílio de Trento sobre o Sacramento da Penitência (Sessão XIV) solidificam a doutrina defendida por São Cornélio e São Cipriano, confirmando o poder da Igreja para perdoar os pecados cometidos após o Batismo, incluindo a apostasia, mediante a devida contrição e penitência, refutando assim o rigorismo que ameaçava a unidade e a misericórdia.