31 MAIO - NOSSA SENHORA RAINHA


Introito (-| Sl 44, 2)
Gaudeamus omnes in Domino... Alegremo-nos todos no Senhor, festejando este dia em honra da Bem-aventurada Virgem Maria, nossa Rainha; por sua solenidade se alegram os Anjos e louvam o Filho de Deus.

Epístola (Eclo 24, 5-7. 9-11. 30-31)
Procedi dos lábios do Altíssimo, gerada antes de todas as criaturas. Morei no mais alto do céu; e tive meu trono numa coluna de nuvens. Em toda terra e em todo povo estive presente, e possuí o primado sobre todas as nações. Calquei com meu poder os corações de todos os grandes e de todos os pequenos. Quem me ouvir, não será enganado, e os que agirem comigo não pecarão. Os que me estudam possuirão a vida eterna.

Evangelho (Lc 1, 26-38)
Naquele tempo, foi o Anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um varão que se chamava José, da casa de Davi; e o Nome da Virgem era Maria. Entrando o Anjo onde ela estava, disse-lhe: Ave, cheia de graça; o Senhor é contigo: bendita és tu entre as mulheres. Ouvindo isto, ela se assustou e pensava no que significaria esta saudação. Mas o Anjo lhe disse: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um Filho, e pôr-Lhe-ás o Nome de Jesus. Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; e reinará eternamente na casa de Jacó e seu Reino não terá fim.

30 MAIO - FÉRIA - S. Joana d’Arc, Virgem


Oitava da ascensão - Missa da ascensão

Comemoração de S. Félix, Papa e Mártir - Missa Communi Summi Pontificis

Santa Joana d’Arc, celebrada no dia 30 de maio, recordando o dia de seu martírio em 1431. Nascida por volta de 1412 em Domrémy, na França, Joana viveu uma vida breve, mas intensa, sendo canonizada em 16 de maio de 1920 pelo Papa Bento XV. Sua festa litúrgica exalta sua coragem e fidelidade à missão divina, que a levou a guiar exércitos e a sofrer a morte na fogueira aos 19 anos, após um julgamento injusto. A alma de Joana d’Arc foi forjada na simplicidade da vida camponesa, mas inflamada por uma fé ardente e uma confiança inabalável na Providência. Desde jovem, guiada por visões e vozes celestiais, que ela atribuía a São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida, dedicou-se inteiramente à vontade de Deus, abraçando sua missão de salvar a França com humildade e ousadia. Sua espiritualidade, marcada pela oração constante e pela obediência às inspirações divinas, revela uma alma que, embora iletrada, era profundamente unida a Deus, vivendo para a glória do Reino Celeste acima de qualquer honra terrena. Mesmo diante da traição e da morte, sua confiança no Salvador permaneceu inquebrantável, sendo um exemplo de virtude heroica e abandono à graça.
Embora Santa Joana d’Arc não tenha deixado obras escritas, seus testemunhos durante o processo de Rouen (1431), registrados nos atos do julgamento, são um reflexo de sua fé e determinação. Um texto representativo de sua voz é sua resposta aos juízes que a questionavam sobre sua missão: “Eu fui enviada por Deus, e a Ele me entrego; não temo, pois sei que meu Salvador me conduzirá.” Essas palavras, extraídas dos registros históricos do julgamento, ecoam a força de uma alma que, mesmo sob pressão, proclamava sua confiança na divina providência, desafiando a injustiça com a serenidade dos justos.

Introito
Êxodo 15, 1-2 Cantémus Dómino... Cantemos ao Senhor, pois gloriosamente Se exaltou. O Senhor é minha força e meu louvor, e tornou-se minha salvação. Salmo 97, 1 Cantai ao Senhor um cântico novo, porque Ele fez maravilhas.

Leitura do Livro Sabedoria 8, 9-15
Resolvi tomar a sabedoria comigo para viver em comum, sabendo que ela partilhará comigo os bens, e será conversa em meus pensamentos e tédios. Por causa dela, terei glória entre as multidões e honra diante dos anciãos, ainda jovem; e serei achado perspicaz no julgamento e admirável à vista dos poderosos, e os rostos dos príncipes se admirarão de mim: esperarão que eu cale, e ao falar me observarão, e ao discursar longamente, porão a mão sobre a boca. Além disso, terei por ela a imortalidade e deixarei uma memória eterna para os que vierem depois de mim. Governarei os povos, e as nações me serão submissas. Reis terríveis, ao me ouvirem, terão medo; aparecerei bom no meio das multidões, e forte na guerra.

Evangelho segundo Mateus 16, 24-27
Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar sua vida, a perderá; mas quem perder sua vida por causa de Mim, a encontrará. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma? Ou que poderá o homem dar em troca da sua alma? Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai com os seus Anjos, e então retribuirá a cada um segundo as suas obras.

Homilias e Explicações Teológicas
A sabedoria divina, que transcende a compreensão humana, guia o coração para buscar a verdadeira justiça, não aquela que perece com os bens terrenos, mas a que conduz à vida eterna, pois o homem, ao renunciar a si mesmo, encontra a Deus como seu fim último; assim, a cruz, longe de ser um peso, é o caminho para a conformidade com a vontade divina, como exemplificado pela vida de Santa Joana d’Arc, que, inflamada pelo amor a Deus, enfrentou o martírio com coragem sobrenatural (Santo Agostinho, Sermões sobre o Evangelho de Mateus, 16). A renúncia exigida por Cristo não é uma perda, mas uma transformação da alma, que, ao se desapegar das vaidades do mundo, descobre a verdadeira riqueza na comunhão com o Criador, pois a sabedoria do mundo é loucura perante Deus, e só na humildade se encontra a verdadeira glória (Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de Mateus, cap. 16). A recompensa prometida àqueles que seguem a Cristo não é um tesouro corruptível, mas a visão beatífica, onde a alma, purificada pelo sacrifício, contempla a Deus em sua essência, como a virgem Joana, que, por sua fidelidade, tornou-se um reflexo da graça divina (São Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 3, a. 8). A cruz, portanto, é o sinal da vitória espiritual, pois, ao carregar os sofrimentos por amor a Deus, o homem participa da redenção de Cristo, unindo-se à sua paixão e glória (São Bernardo de Claraval, Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, 61).

Comparação com os Demais Evangelhos
O chamado de Cristo em Mateus 16, 24-27, para que o discípulo renuncie a si mesmo e tome sua cruz, encontra eco em Marcos 8, 34-37, que enfatiza a universalidade do convite, dirigido não apenas aos discípulos, mas à multidão, destacando que a renúncia é um chamado a todos os que desejam seguir a Cristo, independentemente de sua vocação. Lucas 9, 23-25 complementa ao especificar que tomar a cruz é uma ação diária, sugerindo uma constância no sacrifício que Mateus não explicita, reforçando a ideia de uma entrega contínua e não apenas momentânea. João 12, 24-26 adiciona a imagem do grão de trigo que deve morrer para dar fruto, conectando a renúncia pessoal à fecundidade espiritual, um aspecto ausente em Mateus, onde o foco está na recompensa futura e na perda da alma por apego ao mundo.

Comparação com Textos de São Paulo
A exortação de Mateus 16, 24-27 para renunciar a si mesmo ressoa em 1 Coríntios 1, 18-25, onde São Paulo exalta a loucura da cruz como sabedoria divina, contrastando com a sabedoria humana mencionada no Livro da Sabedoria 8, 9-15, e destacando que a cruz é o poder de Deus para os que são salvos, um aspecto que aprofunda a necessidade de humildade perante o sacrifício. Em Gálatas 2, 20, Paulo afirma que “já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim”, complementando Mateus ao mostrar que a renúncia ao eu é uma união mística com Cristo, indo além do chamado à ação prática. Filipenses 3, 7-11 reforça a ideia de que tudo é perda diante do ganho de conhecer a Cristo, ecoando a advertência de Mateus sobre perder a alma por bens terrenos, mas enfatizando a participação na ressurreição como meta final do sofrimento.

Comparação com Documentos da Igreja
O convite à renúncia em Mateus 16, 24-27 encontra ressonância na Imitação de Cristo (livro pré-Vaticano II atribuído a Tomás de Kempis), que exorta o fiel a desprezar as consolações humanas e abraçar a cruz como meio de purificação interior, um tema que complementa a ideia de Mateus ao destacar a necessidade de mortificação contínua para alcançar a santidade. O Missal Romano de 1920, na commemoratio de Santa Joana d’Arc, sublinha sua vida como exemplo de obediência à vontade divina, mesmo sob perseguição, enriquecendo o texto de Mateus ao ilustrar a cruz como um chamado concreto à fidelidade em meio às provações. A encíclica Rerum Novarum (1891) de Leão XIII, ao tratar da dignidade do trabalho e da justiça social, conecta-se ao Livro da Sabedoria ao enfatizar que a verdadeira sabedoria reside em ordenar a vida segundo os princípios divinos, um aspecto que amplia a visão de Mateus sobre a recompensa eterna para aqueles que vivem justamente.

29 MAIO - ASCENSÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO


Dia de Preceito

Introito (At 1, 11 | Sl 46, 2)
Viri Galilǽi, quid admirámini aspiciéntes in cœlum? allelúia... Homens da Galileia, por que admirados olhais para o céu? Aleluia. Como O vistes subir para o céu, assim Ele virá, aleluia, aleluia, aleluia. Sl. Vós, nações todas, batei palmas: celebrai a Deus com voz de alegre canto.

Epístola (At 1, 1-11)
Em minha primeira narração, ó Teófilo, tratei de todas as coisas que Jesus fez e ensinou desde o princípio até o dia em que, tendo dado preceitos, por meio do Espírito Santo, aos Apóstolos que tinha escolhido, foi arrebatado [ao céu]. A eles também, depois de sua Paixão, se apresentou vivo com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando-lhes do Reino de Deus. E, comendo com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas esperassem a promessa do Pai, que ouvistes (disse) de minha boca. João batizou com água, porém, vós sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias. Então os que estavam reunidos assim O interrogavam: Senhor, será nesse tempo que estabelecereis o reino de Israel? Respondeu-lhes então: Não vos cabe saber o tempo e a hora que o Pai em seu poder determinou. Mas recebereis a força do Espírito Santo, que virá sobre vós, e me sereis testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e a Samaria, e até as extremidades da terra. Depois de ter dito isto, elevou-se, à vista deles e uma nuvem O ocultou a seus olhos. E como estivessem com os olhos fitos no céu enquanto Ele ia subindo, eis que dois varões, vestidos de branco, surgiram junto a eles, e lhes disseram: Homens da Galileia, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que do meio de vós se elevou ao céu, virá do, mesmo modo por que O vistes ir para o céu.

Evangelho (Mc 16, 14-20)
Naquele tempo, estando à mesa os onze discípulos, apareceu-lhes Jesus e censurou-lhes a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem acreditado naqueles que O tinham visto ressuscitado. E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. O que crer e for batizado, será salvo; porém o que não crer, será condenado. E eis os milagres que seguirão aos que crerem: em meu Nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas: levantarão as serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, esta não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e estes serão curados. E o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, elevou-se ao céu, e está sentado à direita de Deus. Eles porém partiram e pregaram por toda a parte. E o Senhor operou com eles e confirmou a sua pregação com os milagres que a acompanhavam.

Homilias e explicações teológicas
A Ascensão de Nosso Senhor, celebrada no quadragésimo dia após a Ressurreição, revela a glorificação do Verbo Encarnado, que, tendo cumprido a redenção, retorna ao Pai, não para abandonar os homens, mas para interceder por eles como Sumo Sacerdote eterno, elevando a natureza humana à direita de Deus, de onde enviará o Espírito Santo para guiar a Igreja. Este mistério manifesta a unidade da obra redentora, pois, ao ascender, Cristo não se afasta, mas torna-se mais presente, governando a Igreja como Cabeça invisível e prometendo sua assistência até o fim dos tempos (Santo Agostinho, Sermão 261). A ascensão corporal de Cristo ao céu, com a carne glorificada, demonstra que o céu não é apenas um estado espiritual, mas um lugar real, preparado para os justos, onde o corpo humano, unido à divindade, já reina, sendo penhor da nossa futura glorificação (São Gregório Magno, Homilia 29 sobre os Evangelhos). Este evento também ensina que a missão dos discípulos, agora enviados a pregar a todas as nações, é sustentada pela autoridade de Cristo exaltado, que, ao subir, não deixa de operar sinais e prodígios por meio daqueles que creem, confirmando a verdade do Evangelho (São Leão Magno, Sermão 73). A Ascensão, portanto, é o fundamento da esperança cristã, pois, ao elevar a humanidade à glória divina, Cristo abre o caminho para que os fiéis, perseverando na fé, alcancem a mesma glória, vivendo já espiritualmente onde Ele está assentado (Santo Ambrósio, De Fide Resurrectionis).

Comparação com os demais Evangelhos
O relato da Ascensão em Marcos 16,14-20 enfatiza a missão universal dos discípulos, ordenada por Cristo antes de subir ao céu, com a promessa de sinais que acompanham os que creem, como expulsar demônios, falar novas línguas e curar enfermos. Em Mateus 28,16-20, a narrativa da Grande Comissão ocorre na Galileia, sem menção explícita à Ascensão, mas reforça a autoridade universal de Cristo e sua presença contínua com os discípulos até o fim dos tempos, complementando a ideia de Marcos sobre a missão sustentada pelo poder divino. Lucas 24,50-53 detalha o momento da Ascensão em Betânia, destacando a bênção sacerdotal de Cristo ao elevar as mãos, um gesto litúrgico que sublinha seu papel como mediador eterno, ausente em Marcos. João, por sua vez, não descreve a Ascensão diretamente, mas em João 20,17, Jesus fala a Maria Madalena de sua ascensão ao Pai, sugerindo uma elevação espiritual e teológica que precede o evento físico, enriquecendo a compreensão de Marcos com a ideia de uma ascensão já iniciada na Ressurreição.

Comparação com textos de São Paulo
O relato de Atos 1,1-11, escrito por Lucas, e Marcos 16,14-20, centrados na Ascensão, encontram eco nas epístolas paulinas, que aprofundam o significado teológico do evento. Em Efésios 4,8-10, Paulo interpreta a Ascensão como a exaltação de Cristo acima de todos os céus, após descer às partes mais baixas da terra, distribuindo dons à Igreja, um aspecto não explicitado nos textos do dia, que se concentram na partida física e na missão dos discípulos. Em Colossenses 3,1-2, Paulo exorta os fiéis a buscar as coisas do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus, complementando a narrativa de Marcos e Atos com a chamada a uma vida espiritual orientada pela glória de Cristo ascendido. Em Hebreus 4,14-16, Paulo apresenta Cristo como o Sumo Sacerdote que, tendo atravessado os céus, intercede pelos homens, oferecendo uma perspectiva sacerdotal sobre a Ascensão que enriquece a visão missionária de Marcos e a descrição histórica de Atos.

Comparação com documentos da Igreja
A celebração da Ascensão, conforme o Missal Romano de 1920, destaca a glorificação de Cristo e a missão evangelizadora da Igreja. O Breviário Romano, em seus hinos e antífonas para a Ascensão, exalta Cristo como Rei da glória que sobe triunfante, um tema que complementa Atos 1,1-11, ao enfatizar a realeza divina de Cristo, pouco abordada no texto lucano. A Encíclica "Mediator Dei" (1947) de Pio XII, embora focada na liturgia, reforça a ideia de que a Ascensão completa o sacrifício redentor, unindo a Igreja militante à triunfante, uma conexão teológica que aprofunda a narrativa de Marcos sobre a missão dos discípulos, mostrando que a pregação é um reflexo da vitória de Cristo no céu. O Catecismo de São Pio X (1908) ensina que Cristo ascendeu para tomar posse de seu Reino e preparar um lugar para os fiéis, detalhando a esperança escatológica implícita em Atos e Marcos, mas não plenamente desenvolvida, ao afirmar que a Ascensão é a garantia da futura ressurreição dos justos.

A Profecia de São Gregório I sobre o Fim dos Tempos e a Crise Eclesial


Por séculos, a Igreja Católica tem olhado para os escritos de seus santos e doutores em busca de orientação sobre os tempos finais. Entre eles, São Gregório I, o Grande (540–604), Papa e Doutor da Igreja, oferece uma profecia notável em sua obra Moralia in Job (Livro 34, §1), que descreve o estado da Igreja imediatamente antes do aparecimento do Anticristo. Suas palavras, profundamente enraizadas na exegese bíblica, ressoam com uma clareza inquietante em nossa era: “A profecia está oculta, a graça das curas é retirada, o poder da abstinência prolongada é enfraquecido, as palavras da doutrina estão silenciadas, os prodígios dos milagres são removidos.” Essa visão, interpretada à luz da crise atual na Igreja, aponta para uma realidade que os católicos tradicionalistas, particularmente os sedevacantistas, reconhecem como uma descrição precisa do presente eclipse da Igreja Católica. Este texto examina a profecia de São Gregório, seu contexto teológico e sua relevância para o entendimento da crise eclesial moderna.

São Gregório, em sua monumental Moralia in Job, oferece uma interpretação mística do Livro de Jó, aplicando suas passagens à Igreja e aos fiéis. No Livro 34, ao comentar Jó 41:14 (“Quem abrirá as portas do seu rosto?”), ele identifica o “rosto” como a Igreja em sua manifestação visível nos últimos tempos. Gregório explica que, antes da chegada do Anticristo, a Igreja passará por uma provação singular, marcada pela retirada de seus sinais externos de santidade. Ele escreve: “Pois a profecia está oculta, a graça das curas é retirada, o poder da abstinência prolongada é enfraquecido, as palavras da doutrina estão silenciadas, os prodígios dos milagres são removidos” (Moralia in Job, Liv. 34, §1). Essa descrição não é uma mera especulação escatológica, mas uma exegese fundamentada na tradição patrística, que via no Livro de Jó prenúncios dos sofrimentos e da perseverança da Igreja.

Gregório esclarece que essa retirada dos sinais visíveis é uma “dispensação divina maravilhosa”. A Igreja, aparentemente despojada de sua glória exterior, parecerá “mais abjeta” aos olhos do mundo. No entanto, essa humilhação tem um propósito sobrenatural: testar a fé dos verdadeiros crentes. Aqueles que permanecem fiéis, mesmo sem os sinais de milagres ou a clareza doutrinária, receberão uma recompensa maior, enquanto os ímpios, que buscam apenas os sinais visíveis, cairão em descrença. Como Gregório afirma: “Por essa dispensação, a recompensa dos bons é aumentada, e a malícia dos ímpios é mais rapidamente revelada.”

A profecia de São Gregório pode ser dividida em cinco elementos distintos, cada um apontando para uma dimensão da crise espiritual da Igreja:
“A profecia está oculta”: A capacidade da Igreja de proclamar verdades proféticas, como as visões de futuros eventos ou advertências divinas, será suprimida. Isso não implica que a Igreja perca sua missão profética, mas que, nos últimos tempos, essa função será obscurecida, talvez por falsos profetas ou pela ausência de vozes autorizadas.
“A graça das curas é retirada”: Os milagres de cura, tão comuns na história da Igreja (como os realizados por santos como São Bento ou São Francisco), cessarão ou diminuirão significativamente. Essa ausência enfraquecerá a percepção externa da santidade da Igreja.
“O poder da abstinência prolongada é enfraquecido”: A prática heroica do ascetismo, como jejuns prolongados ou penitências rigorosas, perderá sua força visível. Isso pode refletir uma diminuição da fervorosa disciplina espiritual entre os fiéis.
“As palavras da doutrina estão silenciadas”: A proclamação clara e inequívoca da doutrina católica será suprimida. Isso pode ocorrer pela substituição de ensinamentos ortodoxos por erros, ambiguidades ou silenciamento dos pastores fiéis.
“Os prodígios dos milagres são removidos”: Os milagres, que historicamente confirmaram a verdade da fé católica (como os milagres eucarísticos ou as aparições marianas), não mais ocorrerão em abundância, deixando a Igreja aparentemente desprovida de sinais sobrenaturais.

Para os católicos, a profecia de São Gregório é uma chave para entender a crise eclesial desencadeada pelo Concílio Vaticano II (1962–1965). A Igreja visível, que muitos chamam de “Igreja Novus Ordo”, apresenta características que ecoam a descrição de Gregório: Desde o Vaticano II, os ensinamentos tradicionais sobre a unicidade da Igreja Católica, a necessidade da conversão para a salvação e a moral católica foram obscurecidos por documentos ambíguos e declarações que parecem contradizer a fé de sempre. Por exemplo, a ênfase no ecumenismo e no diálogo inter-religioso, como visto em Unitatis Redintegratio e Nostra Aetate, diluiu a clareza da doutrina católica, substituindo-a por uma linguagem que muitos fiéis consideram confusa ou herética. Embora a Igreja do Vaticano II canonize santos, os processos de canonização modernos frequentemente carecem do rigor tradicional, e os milagres atribuídos são menos frequentes ou menos convincentes. A ausência de prodígios extraordinários, como os milagres eucarísticos de outrora, alinha-se com a previsão de Gregório. As práticas de penitência, como o jejum quaresmal ou a abstinência às sextas-feiras, foram significativamente relaxadas após o Vaticano II. A espiritualidade católica tradicional, marcada por sacrifício e mortificação, foi substituída por uma abordagem mais “humanista” e menos exigente. A voz profética da Igreja, que outrora advertia contra os perigos espirituais e temporais, parece silenciada. Os papas pós-conciliares raramente falam com a autoridade de condenação dos erros modernos, como fizeram Pio IX ou Pio XII.

A interpretação de São Gregório é reforçada por outros santos e teólogos. Santo Afonso de Ligório, em Vitórias dos Mártires (cap. 9), sugere que, nos últimos tempos, a Igreja enfrentará uma perseguição espiritual mais severa que as perseguições físicas, com a doutrina sendo atacada de dentro. O Cardeal Manning, em The Present Crisis of the Holy See (1861), previu que a Igreja seria “espalhada” e pareceria “desaparecer” antes do fim, ecoando a ideia de Gregório de uma Igreja “abjeta”. Além disso, a profecia de La Salette, aprovada pela Igreja, fala de Roma perdendo a fé e se tornando a sede do Anticristo, o que complementa a visão de Gregório sobre o silêncio doutrinário.

Referências

Gregório I, Moralia in Job, Livro 34, §1. Tradução em inglês disponível em Nicene and Post-Nicene Fathers, Série II, Vol. 12.
Afonso de Ligório, Vitórias dos Mártires, cap. 9 (edição inglesa: The Victories of the Martyrs, 1954).
Manning, Henry Edward, The Present Crisis of the Holy See (Londres: Burns & Oates, 1861).
Nossa Senhora de La Salette, Mensagem de 1846, aprovada pela Igreja em 1851.

A Capitulação de Leão XIV à Agenda Globalista da ONU


O discurso do Papa Leão XIV, conforme relatado, é preocupante por sua aparente adesão acrítica à Agenda 2030 e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Esses conceitos, embora apresentados com linguagem atraente como “inclusão social” e “desenvolvimento sustentável”, têm raízes em ideologias seculares que frequentemente conflitam com a doutrina católica. A Agenda 2030, promovida por organismos internacionais, é permeada por uma visão humanista que prioriza o progresso material e a igualdade utilitarista, muitas vezes ignorando a primazia da alma, a lei natural e a ordem sobrenatural estabelecida por Deus. A referência à Encíclica Laudato Si’ como base para esses ideais apenas reforça a suspeita de que o discurso se alinha com uma teologia modernista, que dilui a missão da Igreja em prol de uma agenda ecológica e social de cunho secular.

Leão XIV, ao exaltar a “unidade universal” e a “casa comum”, parece ecoar um sincretismo que minimiza a singularidade da Igreja Católica como única via de salvação. A verdadeira unidade da humanidade, conforme ensina a Igreja tradicional, só pode ser alcançada em Cristo, por meio da conversão e da adesão à verdadeira fé, não por meio de projetos globalistas que frequentemente promovem ideologias contrárias à moral católica, como o controle populacional ou a relativização dos valores cristãos. A citação do Beato Paulo VI, embora possa soar piedosa, é problemática, dado que seu pontificado abriu portas para o modernismo pós-Vaticano II, que comprometeu a clareza doutrinária da Igreja.

Além disso, a ênfase na formação de “profissionais voltados para o bem comum” soa como uma capitulação ao pragmatismo secular, onde a educação católica é reduzida a um instrumento de engenharia social, em vez de ser um meio de santificação e transmissão da fé integral. A ausência de uma crítica explícita aos perigos espirituais da Agenda 2030, como sua promoção de valores anticristãos em áreas como família e moral, é um silêncio ensurdecedor. Como católicos, devemos rejeitar qualquer colaboração com iniciativas que, sob o véu da caridade, minam a soberania de Cristo Rei.

O texto da InfoVaticana acerta ao sugerir discernimento, mas é tímido em sua crítica. A Igreja não deve se curvar a agendas mundanas, mas proclamá-las como insuficientes à luz da Revelação. O discurso de Leão XIV, ao invés de confrontar os erros do mundo, parece abraçá-los com entusiasmo, o que é incompatível com a missão de um pastor católico. Como disse São Pio X, “o verdadeiro progresso não consiste em seguir as modas do mundo, mas em conformar o mundo a Cristo”. Este discurso, infelizmente, parece caminhar na direção oposta.

Referência

InfoVaticana. (2025, May 29). Papa León XIV: Agenda 2030, discurso. Recuperado de https://infovaticana.com/2025/05/29/papa-leon-xiv-agenda-2030-discurso/

28 MAIO - VIGÍLIA DA ASCENSÃO DE NOSSO SENHOR


Comemoração de S. Agostinho, Bispo e Confessor

Introito (Is 48, 20 | Sl 65, 1-2)
Vocem iucunditátis annuntiáte, et audiátur, allelúia... Com voz de júbilo, anunciai e fazei ouvir: aleluia. Proclamai até os extremos da terra: o Senhor libertou o seu povo, aleluia, aleluia. Ps. Louvai a Deus, ó terra inteira; cantai salmos em honra de seu Nome; daí-Lhe glória em seu louvor.

Epístola (Ef 4, 7-13)
Irmãos: A cada um de nós foi concedida a graça segundo a medida do dom do Cristo. Por isso se diz [na Escritura]: Subindo ao alto levou os cativos como presas, e prodigalizou dádivas aos homens. Ora, que significa: Ele subiu, senão que Ele descera antes às regiões inferiores na terra? Quem desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de cumprir todas as coisas. E Ele constituiu a uns como Apóstolos, a outros como Profetas, a outros como Evangelistas, a outros como Pastores e Doutores para o aperfeiçoamento dos Santos, para a obra do ministério, para a formação do corpo de Jesus Cristo [a Igreja] até que alcancemos todos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, a madureza de homem perfeito, e a medida da idade da plenitude do Cristo.

Evangelho (Jo 17, 1-11)
Naquele tempo, elevando Jesus os olhos ao céu, disse: Pai, chegou a hora, glorifica o teu Filho, a fim de que o teu Filho Te glorifique. A Ele deste poder sobre todos os homens para que Ele conceda a vida eterna aos que Lhe confiaste. Ora, a vida eterna é que Te conheçam como único Deus verdadeiro e Aquele a quem enviaste, Jesus Cristo. Eu Te glorifiquei sobre a terra e completei a obra que me havias dado a fazer. E agora, glorifica-me, Pai, junto a Ti mesmo, com a glória que tive junto de Ti, antes que houvesse mundo. Tornei conhecido o teu nome aos homens que Tu me deste no mundo. Eles Te pertenciam e a mim os deste; e eles conservaram a tua palavra. Agora, sabem que tudo quanto me deste vem de Ti, porque eu lhes dei as palavras que me comunicaste e eles as acolheram: e em verdade conheceram que eu saí de Ti e creram que Tu me enviaste. É por eles que eu peço: não é pelo mundo que intercedo, porém por aqueles que me deste, porque te pertencem. Tudo que é meu é teu e tudo que é teu é meu. Neles fui glorificado. Eu já não sou deste mundo, porém eles estão no mundo; e eu venho a Ti.

Homilias e Explicações Teológicas
A graça conferida a cada um, conforme a medida do dom de Cristo, revela a economia divina que ordena a diversidade de dons para a edificação do Corpo Místico, unindo os fiéis em um único propósito de santificação, de modo que a Igreja, como esposa de Cristo, cresça até a estatura plena do Salvador (Santo Agostinho, Sermão 341, 9). A oração de Jesus ao Pai, pedindo a glorificação mútua, manifesta a unidade eterna entre o Filho e o Pai, que não é apenas uma comunhão de essência, mas um modelo para a unidade dos fiéis, chamados a participar dessa glória por meio da fé e da caridade (Santo Hilário de Poitiers, De Trinitate, Livro IX, 38). Na Ascensão, Cristo eleva a natureza humana ao céu, mostrando que os dons espirituais descritos por Paulo são ordenados para conduzir os homens à participação na vida divina, preparando-os para a consumação escatológica (Santo Gregório Magno, Homilia 29 sobre os Evangelhos). A intercessão de Cristo pelos seus, para que sejam um como Ele e o Pai são um, sublinha que a unidade da Igreja não é meramente humana, mas enraizada na própria vida trinitária, sendo a Ascensão o sinal visível de que a humanidade redimida é chamada a habitar com Deus (Santo Cirilo de Alexandria, Comentário sobre o Evangelho de João, Livro XI).

Comparação com os Demais Evangelhos
O Evangelho de João (17, 1-11), com sua ênfase na oração sacerdotal de Jesus, destaca a glorificação do Filho e a unidade dos discípulos com o Pai de maneira única, não encontrada nos sinóticos. Em Mateus (28, 16-20), a narrativa pós-ressurreição foca na missão universal de fazer discípulos, com a promessa de Cristo de estar sempre presente, mas sem a profundidade teológica da comunhão trinitária presente em João. Marcos (16, 14-20) acentua a Ascensão como o momento da entronização de Cristo à direita do Pai e o envio dos discípulos para pregar, complementando João com a dimensão da autoridade cósmica de Jesus, mas sem mencionar a unidade dos fiéis com o Pai. Lucas (24, 44-53) conecta a Ascensão à abertura das Escrituras e à promessa do Espírito, enfatizando a alegria dos discípulos e sua espera em Jerusalém, aspectos ausentes em João, que foca na oração íntima de Cristo. Assim, João oferece uma perspectiva teológica mais elevada sobre a unidade divina, enquanto os sinóticos destacam a missão e a consumação da obra de Cristo.

Comparação com Textos de São Paulo
Efésios 4, 7-13 enfatiza a diversidade de dons concedidos por Cristo para a edificação da Igreja, apontando para a maturidade espiritual dos fiéis. Em 1 Coríntios 12, 4-11, Paulo complementa essa ideia ao detalhar a origem comum dos dons no Espírito Santo, sublinhando que, embora diversos, todos servem à unidade do Corpo de Cristo, um aspecto menos explícito em Efésios. Romanos 12, 3-8 amplia a noção de dons ao relacioná-los com a humildade e a funcionalidade prática na comunidade, destacando a interdependência dos membros, enquanto Efésios foca na meta escatológica da estatura plena de Cristo. Em Colossenses 3, 1-4, Paulo conecta a Ascensão à vida dos fiéis, exortando-os a buscar as coisas do alto, onde Cristo está entronizado, um tema que ressoa com a glorificação mencionada em João 17, mas com ênfase na transformação moral dos cristãos. Assim, os textos paulinos complementam Efésios ao detalhar a origem, a prática e a orientação escatológica dos dons, enquanto João 17 aprofunda a unidade teológica com o Pai.

Comparação com Documentos da Igreja
O Missal Romano de 1920, na Vigília da Ascensão, destaca a elevação de Cristo ao céu como o cumprimento da redenção, unindo a humanidade a Deus, o que ecoa a oração de João 17, mas sem a ênfase explícita na unidade trinitária dos fiéis. O Breviário Romano (edição pré-1911) exalta a Ascensão como o momento em que Cristo, como Cabeça da Igreja, conduz os membros à glória, complementando Efésios 4 com a ideia de que os dons são instrumentos para alcançar essa glória celestial, um ponto menos desenvolvido no texto paulino. A Encíclica Mystici Corporis Christi (1943, pré-Vaticano II) reforça a unidade do Corpo Místico descrita em Efésios, mas detalha como a Igreja, animada pelo Espírito, é o meio pelo qual os fiéis participam da vida divina, um aspecto implícito em João 17. O Catecismo Romano (1566) ensina que a Ascensão confirma a divindade de Cristo e abre o caminho para o céu, complementando a glorificação mencionada em João com uma explicação didática sobre a esperança escatológica dos fiéis. Esses documentos ampliam os textos bíblicos ao explicitar a conexão entre a Ascensão, a unidade da Igreja e a participação na vida divina.

A Fé Intacta: Condição Indispensável para a Autoridade Pontifícia


A reflexão teológica perene, robustecida por figuras como São João de Capistrano em sua análise sobre a autoridade eclesiástica, estabelece com clareza que a fidelidade à Fé Católica é condição sine qua non para o exercício legítimo da autoridade na Igreja, especialmente no que concerne ao Sumo Pontificado. Este princípio, ecoando advertências mosaicas sobre a necessidade de um líder ser "irmão de fé" (cf. Dt. 17) e as injunções apostólicas de São João (cf. 2 Jo. 10-11) contra a comunhão com os que subvertem a sã doutrina, ilumina a intrínseca incompatibilidade entre a heresia pública e a posse da jurisdição eclesiástica.

A autoridade eclesiástica, como bem discernido, não é um fim em si mesma, mas um múnus divinamente instituído para a custódia da "reta fé" – o "princípio da salvação" – e a guia dos fiéis. A manifesta adesão pública a uma doutrina contrária ao depositum fidei, ou a negação pertinaz de uma verdade divinamente revelada, erige um obstáculo intrínseco e absoluto ao exercício da autoridade. Como advertia São João de Capistrano, "quem não conserva para si mesmo a fé, muito menos conservará a fé em outros." Um indivíduo que se torna publicamente um "infiel" em matéria de fé não pode, por uma impossibilidade metafísica e teológica, reger os fiéis naquilo que ele mesmo abandonou.

Consequentemente, a pública e notória defecção da Fé por parte de um clérigo, mesmo ocupando a mais alta dignidade, resulta, conforme a lógica teológica defendida por São João de Capistrano, em uma automática privação do ofício. Este ensina que "o Papa herege por si mesmo se priva (do poder papal ou de sua suprema jurisdição)" e que "hereges e cismáticos sejam privados de toda jurisdição e que pela própria lei (ipso iure) sejam excomungados... mesmo se for o Papa (etiam si sit Papa)." Isto ocorre porque a heresia pública, enquanto pecado contra a fé e a unidade da Igreja, o separa objetivamente da condição de membro do Corpo Místico de Cristo. Ora, quem não é membro não pode, por definição, ser cabeça ou possuir autoridade sobre o corpo.

Portanto, a Sé Apostólica não poderia ser legitimamente ocupada por quem se demonstra publicamente um herege. A indagação de São João de Capistrano ressoa com força indelével: "Como, pois, conviria que um traidor do Senhor, tal qual Judas, permaneceria sendo o Vigário do Senhor? Por certo, de nenhum modo." Um indivíduo que, mesmo tendo sido validamente eleito para o Papado, viesse a manifestar publicamente heresia, por esse mesmo ato e sem necessidade de qualquer declaração humana, cessaria de ser Papa. A Sé Romana ficaria, então, não deposta por juízo humano, mas vacante pela natureza mesma do ato herético, que o autoexclui da comunhão da Igreja e, por conseguinte, da capacidade de exercer qualquer autoridade eclesiástica. A fé, como o "primeiro princípio do ser membro do Corpo de Cristo e do ser a primeira pedra angular do edifício espiritual," é indispensável para a posse formal da autoridade papal.

Referência

São João de Capistrano, O.F.M. (†1456), De Papae et Concilii, siue Ecclesiae Auctoritate, Venetiis 1580, p. 119. (Sobre a Autoridade do Papa e do Concílio, ou da Igreja)

27 MAIO - S. BEDA, O VENERÁVEL, Confessor e Doutor


Missa Communi Doctorum

Comemoração de S. João I, Papa e Mártir e Rogações.

Santo Beda, o Venerável, nasceu por volta do ano 672 ou 673 na região da Nortúmbria, Inglaterra. Aos 7 anos, em 680, ingressou no mosteiro beneditino de Wearmouth, onde foi confiado aos cuidados dos monges. Posteriormente, transferiu-se para o mosteiro de Jarrow, onde passou a maior parte de sua vida. Ordenado sacerdote por volta de 702, dedicou-se incansavelmente ao estudo e à oração até sua morte em 26 de maio de 735, dia em que é celebrado como confessor e doutor da Igreja.

A alma de Beda era um reflexo da harmonia entre a contemplação e o labor intelectual, vivendo como se o céu e a terra se entrelaçassem em seus dias. No silêncio do mosteiro, ele encontrava na oração a fonte de sua sabedoria, e no estudo, o meio de glorificar a Deus. Sua vida foi um constante ir e vir entre o altar e a pena, unindo a humildade monástica à busca ardente pela verdade divina. A disciplina beneditina moldou seu coração, ensinando-o a ver em cada linha escrita e em cada oração elevada um ato de serviço ao Criador. Sua paciência e caridade brilhavam entre os irmãos, e sua alma, ancorada na Sagrada Escritura, 

Entre as numerosas obras de Beda, destaca-se a História Eclesiástica do Povo Inglês (Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum), concluída por volta de 731, um marco da historiografia cristã que narra a conversão e a fé do povo inglês. Nela, Beda combina rigor histórico com uma visão teológica, enxergando a mão de Deus na história. Um trecho representativo de sua obra é: “Pois, se a história registra os feitos dos homens, é justo que a Igreja preserve a memória dos santos, cujas virtudes são luz para os povos.” 

Missa Communi Summi Pontificis


Introito (Jo 21, 15, 16 et 17 | Sl 29, 2)
Si díligis Me, Simon Petre, pasce agnos meos, pasce oves meas... Se tu me amas, Simão Pedro, apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas. Sl. Eu Vos glorificarei, Senhor, porque me recebestes, e não permitistes que os meus inimigos se alegrassem à minha custa. ℣. Glória ao Pai.

Epístola (I Pe 5, 1-4.10-11)
Caríssimos: Aos anciãos entre vós exorto eu, ancião como eles e testemunha dos padecimentos de Cristo, como também companheiro na glória que se há de manifestar. Apascentai o rebanho de Deus que vos está confiado; tende cuidado dele, não constrangidos, mas de bom grado, segundo Deus, não por amor de lucro vil, mas por dedicação, não como que exercendo domínio sobre os Eleitos, mas fazendo-vos de coração modelos do rebanho. Quando então aparecer o Supremo Pastor recebereis a coroa imarcessível da glória. O Deus de toda a graça, que no Cristo Jesus nos chamou para a sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, vos aperfeiçoará, fortificará e consolidará. A Ele a glória e por todos os séculos. Amen.

Evangelho (Mt 16, 13-19)
Naquele tempo, veio Jesus para os lados de Cesareia de Filipe, e interrogou os seus discípulos: Na opinião dos homens quem é o Filho do homem? E eles responderam: Uns dizem que é João Batista, outros que é Elias, outros que Jeremias ou algum dos Profetas. Disse-lhes Jesus: E vós, quem julgais que eu sou? Tomando a palavra, Simão Pedro disse: Vós sois o Cristo, Filho de Deus vivo. E respondendo, Jesus disse: Bem-aventurado és tu, Simão Bar Jonas [filho de Jonas], porque não foi a carne e o sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus. E por isso te digo que és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus. E tudo que ligares sobre a terra, será ligado nos céus; e tudo o que desligares sobre a terra, será desligado nos céus.

Missa Communi Doctorum


Introito (Eclo 15, 5 | Sl 91, 2)
In medio Ecclesiae aperuit os ejus... No meio da Igreja, o Senhor o fez falar; encheu-o do Espírito de sabedoria e inteligência, e revestiu-o com uma túnica de glória. Sl. É bom louvar ao Senhor e cantar salmos a vosso Nome, ó Altíssimo.

Epístola (II Tim 4, 1-8)
Caríssimo: Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos por sua vinda e por seu Reino: prega a palavra, insiste, quer agrade, quer desagrade, repreende, suplica, admoesta com toda a paciência e doutrina. Porque virá tempo em que os homens não suportarão a sã doutrina, mas multiplicarão para si mestres conforme os seus desejos, levados pela curiosidade de ouvir. E afastarão os ouvidos da verdade para os abrirem às fábulas. Tu, porém, vigia, trabalha em todas as coisas, faze obra de um Evangelista, desempenha o teu ministério. Sê sóbrio. Quanto a mim, já estou para ser crucificado, e o tempo de minha morte se avizinha. Combati o bom combate; terminei a minha carreira: guardei a fé. Resta-me esperar a coroa da justiça que me está reservada, que o Senhor, justo Juiz, me dará nesse dia. E não só a mim, como também àqueles que desejam a sua vinda.

Evangelho (Mt 5, 13-19)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Vós sois o sal da terra. Se o sal perder a sua força, como há de receber nova força? Para nada mais presta senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Uma cidade situada sobre um monte, não pode ser escondida. E ninguém acende uma luz para pô-la debaixo do alqueire, mas sim no candieiro, para alumiar a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está no céu. Não julgueis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, e sim cumprir. Porque, em verdade vos digo: enquanto não passar o céu e a terra, nem uma letra, nem um pontinho desaparecerá da lei, até que tudo seja realizado. Aquele, pois, que transgredir um destes mandamentos por pequeno que seja e ensinar assim aos homens, será chamado mínimo no Reino dos céus; mas o que os guardar e os ensinar, esse será chamado grande no Reino dos céus.

Homilias e explicações teológicas
A sabedoria divina, que ilumina o justo como descrito em Eclesiástico, não é um fim em si, mas um dom para edificar a comunidade, pois o sábio, ao louvar a Deus, multiplica a glória do Criador, mostrando que o conhecimento espiritual deve frutificar em obras de caridade e ensino (Santo Agostinho, Sermo 36, De Verbis Domini). A imagem do sal em Mateus aponta para a necessidade de os discípulos preservarem a pureza da fé, pois, como o sal impede a corrupção, o cristão deve resistir às tentações do mundo, mantendo a integridade moral que reflete a luz divina (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum 15,6). A luz do candelabro simboliza a missão de manifestar a verdade evangélica publicamente, sem ocultá-la, para que a Igreja, como cidade sobre o monte, atraia todos à verdade por sua santidade visível (Santo Hilário de Poitiers, Commentarius in Matthaeum 5,2). A justiça que excede a dos escribas e fariseus não se limita à observância externa da Lei, mas exige a transformação interior do coração, pois somente a caridade perfeita cumpre a Lei e os Profetas (Santo Ambrósio, Expositio Evangelii secundum Lucam 5,22). São Gregório Nazianzeno ensina que a verdadeira luz do cristão brilha quando, pela contemplação e pela palavra, ele guia outros à Trindade, como ele próprio fez em suas orações poéticas e defesas teológicas contra as heresias (São Gregório Nazianzeno, Oratio 43, In Laudem Basilii Magni). A sabedoria do justo, conforme Eclesiástico, é um reflexo da luz divina que, em Mateus, os discípulos são chamados a irradiar, unindo conhecimento e ação para a glória de Deus (Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 45, a. 2).

Síntese comparativa com os demais Evangelhos
O chamado em Mateus 5,13-19 para os discípulos serem sal da terra e luz do mundo, com ênfase na missão de preservar a fé e manifestar a justiça, encontra complementos distintos nos outros Evangelhos. Em Marcos 9,50, a imagem do sal é associada à paz entre os discípulos, sugerindo que a preservação da fé também envolve a harmonia comunitária, um aspecto não explicitado em Mateus. Lucas 14,34-35 amplia a metáfora do sal, alertando que, se ele perder o sabor, será inútil, destacando o risco de os discípulos se tornarem espiritualmente ineficazes, uma advertência mais severa que Mateus não enfatiza. João 8,12 apresenta Jesus como a luz do mundo, implicando que a luz dos discípulos em Mateus deriva da união com Cristo, um vínculo teológico mais explícito em João. Além disso, João 15,8 conecta a glorificação do Pai à produção de frutos pelos discípulos, complementando a ideia mateana de cumprir a Lei com a ênfase no discipulado frutífero como expressão da justiça.

Síntese comparativa com textos de São Paulo
O Evangelho de Mateus 5,13-19, com sua chamada para os discípulos serem sal e luz, cumprindo a Lei pela justiça interior, é enriquecido por textos paulinos que aprofundam esses temas. Em Filipenses 2,15, Paulo descreve os cristãos como luminares no mundo, brilhando em meio a uma geração corrompida, o que reforça a imagem da luz em Mateus, mas adiciona a ideia de contraste com a corrupção moral do entorno. Em Romanos 13,8-10, Paulo afirma que o amor é o cumprimento pleno da Lei, oferecendo uma perspectiva que complementa a justiça excedente de Mateus ao destacar a caridade como essência da obediência à Lei. Em 1 Coríntios 4,1, Paulo se apresenta como administrador dos mistérios de Deus, ecoando a responsabilidade dos discípulos em Mateus de preservar a fé (sal) e propagá-la (luz), mas com ênfase na fidelidade como mordomos da graça divina. 

26 MAIO - S. FILIPE NÉRI, Confessor


Comemoração de S. Eleutério, Papa e mártir e Rogações.

S. Filipe Néri, nascido em 21 de julho de 1515 em Florença, Itália, viveu uma vida marcada por fervor espiritual e dedicação aos outros. Foi ordenado sacerdote em 1551, aos 36 anos, após anos de apostolado leigo em Roma. Fundou a Congregação do Oratório em 1575, com o propósito de renovar a fé entre os fiéis, especialmente os leigos. Faleceu em 26 de maio de 1595. A alma de Filipe Néri ardia com um amor abrasador por Deus, que ele transmitia com simplicidade e alegria aos que o cercavam. Sua espiritualidade, enraizada na humildade e na caridade, manifestava-se em sua capacidade de atrair corações endurecidos para a fé, como se fosse um ímã da graça divina. Em Roma, dedicou-se aos pobres, aos jovens e aos pecadores, guiando-os com paciência e humor, mostrando que a santidade não é um peso, mas uma alegria que transborda. Seus encontros no Oratório, com pregações, música e oração, eram reflexos de sua alma inflamada pelo Espírito, que buscava reacender o fervor cristão em tempos de tibieza. Um texto atribuído a ele, refletindo sua espiritualidade, é: “Ó Senhor, fazei-me bom, mas não hoje!” Essa frase, dita com humor, revela sua abordagem humilde e confiante na graça divina, reconhecendo as fraquezas humanas enquanto apontava para a necessidade de conversão contínua, um eco de sua missão de guiar almas com leveza e profundidade.

Introito (Rm 5, 5 | Sl 102, 1)
Cáritas Dei diffúsa est in córdibus nostris per inhabitántem Spíritum eius in nobis... O amor de Deus foi derramado em nossos corações, por seu Espírito que reside em nós. Sl. Minha alma bendiz ao Senhor, e tudo o que em mim existe cante o louvor de seu santo Nome.

Epístola (Sab 7, 7-14)
Desejei inteligência e me foi dada; invoquei [o Senhor] e veio a mim o Espírito da sabedoria. Eu a preferi aos reinados e aos tronos e considerei que as riquezas nada valem junto dela. Não a comparei às pedras preciosas, porque todo o ouro junto dela nada mais é que um pouco de areia e ante ela a prata será considerada como lodo. Mais do que à saúde e à beleza, eu à preferi à própria luz, pois seu brilho é inextinguível. Vieram-me com ela todos os bens; e riquezas numerosas recebi por suas mãos; alegrei-me por todas estas coisas porque esta sabedoria ia diante de mim; e eu ignorava que ela era mãe de todos esses bens. Sem dolo eu a aprendi, e a comunico sem inveja, não ocultando suas riquezas. Infinito tesouro é ela para os homens. Os que dela se servem participam da amizade de Deus, porque aos seus olhos se recomendam pelos dons da boa disciplina.

Homilias e Explicações Teológicas
A sabedoria, dom divino que ilumina a alma, não se adquire por méritos humanos, mas pela súplica humilde ao Criador, que a concede para ordenar a vida segundo a vontade divina, conduzindo à verdadeira felicidade que transcende as riquezas terrenas, pois estas são passageiras, enquanto a sabedoria permanece como luz eterna para o justo (Santo Agostinho, De Trinitate, XIV, 1). A vigilância espiritual, exigida pelo Mestre, é um chamado à constância na fé, onde a alma deve estar preparada para o encontro com o Senhor, não por temor, mas por amor, vivendo cada momento em santidade, como se fosse o último, para que a vinda do Filho do Homem encontre o coração adornado de virtudes (São Basílio Magno, Homilia sobre a Vigilância, 5). A alegria espiritual, característica de São Filipe Néri, reflete a sabedoria que transforma o coração em um templo de gozo sobrenatural, onde a humildade e a caridade se unem para atrair as almas a Deus, mostrando que a santidade é um caminho de leveza e confiança na providência divina (Santo Ambrósio, De Officiis, I, 18). A prontidão para o serviço, simbolizada na cintura cingida e nas lâmpadas acesas, manifesta a vida do cristão como um sacrifício vivo, onde a espera pelo Senhor não é passiva, mas ativa, expressa em obras de misericórdia e na prática constante da virtude, para que o servo fiel seja encontrado em perfeita conformidade com a vontade do Mestre (Santo Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 13).

Comparação com os Demais Evangelhos
O chamado à vigilância em Lucas 12,35-40, com a imagem dos servos aguardando o senhor com cinturas cingidas e lâmpadas acesas, encontra eco em Mateus 24,42-44, onde a ênfase recai sobre a imprevisibilidade da vinda do Filho do Homem, comparada a um ladrão, destacando a necessidade de uma preparação contínua, mas sem a menção explícita à alegria do serviço fiel. Marcos 13,33-37 reforça a vigilância, porém amplia o escopo ao incluir todos os servos da casa, sugerindo uma responsabilidade coletiva, enquanto Lucas foca na atitude individual do servo. João 16,16-20, por sua vez, complementa com a promessa da alegria pascal após a espera, conectando a vigilância à esperança da ressurreição, um aspecto não abordado diretamente em Lucas. Esses evangelhos, diferentemente de Lucas, não utilizam a imagem doméstica do senhor que retorna da festa, o que em Lucas sublinha a intimidade e a recompensa do serviço fiel.

Comparação com Textos de São Paulo
Em 1 Tessalonicenses 5,4-6, Paulo exorta os fiéis a serem “filhos da luz”, vivendo sobriamente e alerta, uma ideia que reforça a imagem lucana das lâmpadas acesas, mas com ênfase na identidade cristã como distinta dos que vivem nas trevas. Em Efésios 5,15-17, Paulo conecta a sabedoria à compreensão da vontade de Deus, ecoando Sabedoria 7, mas com um apelo prático para aproveitar o tempo em dias maus, um aspecto não explicitado nas leituras. A alegria de São Filipe Néri ressoa com Filipenses 4,4, onde Paulo exorta a “alegrar-se sempre no Senhor”, sugerindo que a vigilância não é apenas preparo, mas uma disposição jubilosa do coração. Diferentemente de Lucas, que foca na espera escatológica, Paulo em Romanos 13,11-12 enfatiza a proximidade da salvação, instando a abandonar as obras das trevas, o que adiciona uma urgência ética à vigilância.

Comparação com Documentos da Igreja
O Decreto de Graciano (c. 1140) sublinha a sabedoria como dom do Espírito Santo que ordena a vida para Deus, ecoando Sabedoria 7, mas com ênfase na sua transmissão pela Igreja através dos sacramentos, um ponto não abordado diretamente nas leituras. A Suma Teológica de São Tomás de Aquino (II-II, q. 45) define a sabedoria como a contemplação das coisas divinas, complementando a visão de Sabedoria 7 ao destacar seu papel em unir a alma a Deus, enquanto Lucas foca na preparação prática. O Missal Romano (1920), na oração própria de São Filipe Néri, exalta sua alegria e caridade, que refletem a vigilância ativa de Lucas, mas adiciona a dimensão da intercessão dos santos, ausente nos textos bíblicos. O Catecismo Tridentino (1566) reforça a vigilância como preparação para o juízo final, conectando Lucas 12 ao exame de consciência diário, um aspecto prático não explicitado nas leituras.

Livro - Do papa herético e outros opúsculos, de Carlos Nougué


A obra "Do papa herético e outros opúsculos", de lavra de Carlos Nougué, erige-se qual baluarte de um Tomismo perene e militante, em face da maré montante dos erros que infestam o pensamento contemporâneo, inclusive, e mui dolorosamente, no seio da Santa Igreja. Trata-se de uma compilação de opúsculos que, com acribia e sem concessões ao espírito do século, dissecam temas cruciais para a reta inteligência da Fé e da razão.

Principia o autor pela necessária restauração das Artes Liberais, alicerce olvidado de uma autêntica formação intelectual, esmagado sob o peso das pedagogias modernas, vazias de substância e avessas à verdade. Prossegue, na Segunda Parte, demonstrando o primado da Lógica sobre a Gramática, incluindo um precioso apêndice sobre a arte de traduzir, que não é senão a arte de verter o logos de uma língua a outra sem trair-lhe a essência. A Terceira Parte constitui uma incursão metafísica nas operações primeiras do intelecto, onde se desfazem as névoas de certas interpretações maritainianas que obscurecem a clareza do Doutor Angélico. Na Quarta Parte, Nougué adentra o campo da Estética, aferindo com os cânones tradicionais a poesia de Hesíodo e as artes da música e do cinema, revelando o que nelas há de consonância ou dissonância com o Belo transcendental. A Quinta Parte, por sua vez, enfrenta a crítica kantiana às provas da existência de Deus, demonstrando sua inanidade, e nos brinda com um estudo do opúsculo tomista sobre a Eternidade do Mundo, que desfaz equívocos persistentes.

Todavia, é na Sexta Parte que o opúsculo titular e as questões mais candentes da atual crise eclesial encontram seu tratamento mais incisivo. Nela, Nougué desata os nós górdios das "complexas relações entre fé e razão", não para propor conciliações espúrias que sacrifiquem uma em detrimento da outra, mas para reafirmar a harmonia hierárquica legada por Santo Tomás: a razão, instrumento da Filosofia, a serviço da fé, fundamento da Teologia Sagrada. É neste contexto que se insere o ensaio medular "Do papa herético". Com destemor e fundado na Tradição e nos Doutores, o autor enfrenta a questão espinhosa, tornada ineludível pela apostasia que, desde o infausto Concílio Vaticano II, parece ter tomado de assalto a própria Cátedra de Pedro. Não se trata de especulação vã, mas de uma análise das condições sob as quais a promessa divina da indefectibilidade da Igreja se conjuga com a possibilidade – ou impossibilidade, segundo certas correntes – da defecção pessoal daquele que ocupa o Sólio Pontifício. Nougué, seguindo uma linha de pensamento robusta, ainda que minoritária em certos círculos temerosos, explora as implicações canônicas e teológicas da heresia papal, sem resvalar para as soluções simplistas do sedevacantismo absoluto, mas também sem fechar os olhos à gravidade da crise que obriga a considerar tais extremas hipóteses. A questão não é se um Papa pode desviar-se subjetivamente da Fé – o que parece historicamente atestado em casos como o de Honório I, ainda que como doutor privado –, mas se, ao fazê-lo, e especialmente se tal desvio se manifesta em atos que tangenciam o magistério (mesmo que exercido de modo "liberal" e não infalível), ele perde ipso facto sua jurisdição ou se pode ser julgado.

Ademais, a seção se completa com reflexões cruciais sobre o dever de orar pela salvação do mundo – e em que termos tal salvação é possível e desejável, distinguindo os diversos sentidos de "mundo" nas Escrituras –, sobre a Realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, hoje vergonhosamente negada ou relegada a um âmbito puramente "espiritual" pelos fautores do laicismo, e uma demolidora crítica ao que denomina "corte e costura humanista", ou seja, as tentativas fúteis de remendar a doutrina católica com os farrapos da filosofia moderna e do liberalismo. É aqui que a recusa de qualquer compromisso com o erro se manifesta com clareza meridiana, reafirmando que entre a Cidade de Deus e a cidade do homem decaído não pode haver senão oposição, até que Cristo instaure todas as coisas.

Assim, "DO PAPA HERÉTICO e outros opúsculos" não se apresenta como mera coletânea de erudição, mas como um arsenal intelectual e espiritual para os católicos que, em tempos de confusão generalizada, buscam a clareza da verdade tomista e a firmeza da Fé que não se dobra aos ídolos da modernidade.

NOUGUÉ, Carlos. DO PAPA HERÉTICO e outros opúsculos. Formosa, GO: Edições Santo Tomás, 2017.

25 MAIO - V DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA


Introito (Is 48, 20 | Sl 65, 1-2) (Áudio)
Vocem iucunditátis annuntiáte, et audiátur, allelúia... Com voz de júbilo, anunciai e fazei ouvir: aleluia. Proclamai até os extremos da terra: o Senhor libertou o seu povo, aleluia, aleluia. Ps. Louvai a Deus, ó terra inteira; cantai salmos em honra de seu Nome; daí-Lhe glória em seu louvor. ℣. Glória ao Pai…

Epístola (Tg 1, 22-27)
Caríssimos: Sede cumpridores da palavra [de Deus] e não somente ouvintes; do contrário, vós enganais a vós mesmos. Porque se alguém é ouvinte da palavra e não cumpridor, será semelhante a um homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; considerando a si mesmo, foi-se, e logo se esqueceu como era. Mas quem atentamente fixar a sua vista na lei perfeita da liberdade [o Evangelho] e nela perseverar, não sendo ouvinte esquecediço, senão cumpridor da obra, será bem-aventurado pelo que praticar. Se alguém se julga religioso, mas não refreia a sua língua, e ilude o seu próprio coração, sua religião é vã. A religião pura e sem mácula diante de Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e conservar-se puro da corrução deste mundo.

Evangelho (Jo 16, 23-30)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Em verdade, em verdade, vos digo: Se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu Nome, Ele vo-la dará. Até agora nada pedistes em meu Nome. Pedi e recebereis para que a vossa alegria seja completa. Estas coisas vos disse em parábolas. Vem a hora em que já não vos falarei em parábolas, mas abertamente vós falarei do Pai. Naquele dia pedíreis em meu Nome: e não vos digo que hei de rogar por vós ao Pai, pois o próprio Pai vos ama, porque vós me amastes e crestes que eu saí de Deus. Saí do Pai e vim ao mundo, deixo outra vez o mundo e vou ao Pai. Disseram-Lhe os discípulos: Eis que agora nos falais claramente e não usais nenhuma parábola. Agora conhecemos que sabeis tudo, e que não tendes necessidade que alguém Vos interrogue. Por isso cremos que saístes de Deus.

Homilias e Explicações Teológicas
A verdadeira alegria do povo redimido, proclamada por Isaías, manifesta-se na saída da escravidão para a liberdade, simbolizando a alma que, libertada do pecado, busca a santidade com coração puro; assim, a voz que louva a Deus, como no Salmo, é a expressão da alma que reconhece sua dependência do Criador, unindo-se à criação em um cântico de gratidão (Santo Agostinho, Sermões sobre o Salmo 65). A prática da palavra, conforme Tiago, não é apenas ouvir, mas conformar a vida à vontade divina, pois a fé sem obras é estéril, e o cuidado com os necessitados reflete a pureza do coração que agrada a Deus (São Gregório Magno, Homilia sobre a Epístola de Tiago). No Evangelho, a promessa de Cristo de que o Pai concede tudo o que pedimos em seu nome revela a união íntima entre o Filho e o Pai, mostrando que a oração cristã é um ato de confiança na mediação divina, que nos eleva à comunhão com a Trindade (Santo Ambrósio, Sobre o Evangelho de João). Essa comunhão exige que o coração esteja livre de apegos mundanos, pois só assim a alma pode pedir com retidão e receber a graça que a conduz à verdade plena (São Bernardo de Claraval, Sermões sobre o Cântico dos Cânticos).

Comparação com os Demais Evangelhos
O texto de João 16, 23-30, onde Jesus promete que o Pai atenderá os pedidos feitos em seu nome e declara ter vindo do Pai, destaca a relação direta entre o discípulo e Deus por meio de Cristo, um aspecto menos explícito em Mateus, onde a oração é frequentemente vinculada à fé e à perseverança (Mt 7, 7-11). Em Marcos, a ênfase na oração está na confiança absoluta, sem a menção explícita da mediação do nome de Jesus (Mc 11, 24). Lucas complementa João ao mostrar a oração como um diálogo contínuo com Deus, ilustrado pela parábola do amigo importuno (Lc 11, 5-13), que adiciona a ideia de insistência, não abordada diretamente em João. Além disso, a clareza de Jesus sobre sua origem divina em João encontra eco em Lucas 10, 22, mas com maior ênfase na revelação do Pai aos humildes, um matiz não presente em João.

Comparação com Textos de São Paulo
A leitura de Tiago 1, 22-27, que exorta a ser "praticantes da palavra" e a cuidar dos órfãos e viúvas, encontra complemento em Romanos 2, 13, onde Paulo afirma que não são os ouvintes da lei que são justos, mas os que a cumprem, reforçando a necessidade de uma fé ativa. A pureza de coração exigida por Tiago para agradar a Deus é enriquecida por 1 Coríntios 13, 1-3, onde Paulo destaca que sem caridade, até as maiores obras são vãs, adicionando a centralidade do amor como motivação das ações. A promessa de João 16, 23-30 sobre a oração em nome de Jesus é iluminada por Filipenses 2, 9-11, onde Paulo exalta o nome de Jesus como aquele que confere autoridade universal, sugerindo que a eficácia da oração deriva da exaltação de Cristo. Além disso, a saída do mundo mencionada em João ecoa em Gálatas 1, 4, onde Paulo descreve Cristo como aquele que se entregou para nos libertar do presente século mau, enfatizando a redenção como um ato consumado.

Comparação com Documentos da Igreja
A exortação de Isaías 48, 20 à proclamação jubilosa da redenção ressoa no Breviarium Romanum (edição de 1911), que, na festa da Ascensão, celebra a vitória de Cristo como a libertação do povo de Deus, conectando a saída do cativeiro à ascensão gloriosa do Salvador. O Salmo 65, com seu convite à adoração universal, encontra eco no Missal Romano (1920), que, nas orações da Missa de Pentecostes, sublinha a unidade da criação sob o louvor a Deus, enfatizando a ação do Espírito que reúne os povos. A advertência de Tiago 1, 22-27 sobre a prática da palavra é complementada pelo Catecismo do Concílio de Trento (1566), que ensina que a verdadeira fé se manifesta em obras de caridade, como o cuidado com os pobres, um tema apenas implícito em Tiago. A promessa de João 16, 23-30 sobre a oração eficaz é enriquecida pelo Rituale Romanum (edição de 1913), que, nas orações pelos enfermos, destaca a confiança no nome de Jesus como fonte de graças, adicionando a dimensão sacramental à oração cristã.

A Infalibilidade Cotidiana da Cátedra de Pedro e da Igreja Universal


O pronunciamento de Mons. Bartolomeo d’Avanzo, Bispo de Calvi e Teano, durante o Concílio Vaticano I, em nome da Deputação da Fé, serve como um farol para dissipar as névoas de uma compreensão restritiva da infalibilidade eclesiástica. Ao citar as passagens de Lucas XXII (a promessa a Pedro) e Mateus XXVIII (a missão aos Apóstolos com Pedro), d’Avanzo estabeleceu a existência de um duplo modo de infalibilidade: um referente ao Romano Pontífice individualmente e outro referente ao colégio episcopal unido à sua Cabeça. Fundamentalmente, ele sublinhou que a assistência do Espírito Santo, prometida para "todos os dias", implica um exercício cotidiano e ordinário da infalibilidade, não meramente um evento esporádico reservado a proclamações solenes.

Portanto, a noção de que a infalibilidade do Romano Pontífice se manifesta unicamente em raríssimos atos de seu Magistério Extraordinário – como nas definições dogmáticas formais – representa uma perigosa minimização da assistência divina prometida à Igreja e ao seu Pastor Supremo. O Concílio Vaticano I, na Constituição Dogmática Pastor Aeternus, ao definir a infalibilidade do Papa falando ex cathedra, não esgotou nem limitou o carisma da verdade e da fé indefectível a essas ocasiões solenes. De fato, a própria definição de uma verdade ex cathedra muitas vezes coroa um longo período durante o qual essa mesma verdade já foi ensinada infalivelmente pelo Magistério Ordinário e Universal.

O Magistério Ordinário do Papa, mesmo quando não emprega a solenidade de uma definição ex cathedra, pode ser infalível. Isto ocorre quando o Romano Pontífice, no exercício de seu múnus de pastor e doutor supremo de todos os cristãos, e em virtude de sua suprema autoridade apostólica, propõe uma doutrina sobre fé ou costumes a ser sustentada por toda a Igreja. Embora nem todo ato do magistério ordinário papal seja per se infalível, o ensinamento constante, universalmente proposto ou reiterado sobre matérias de fé e moral, especialmente aquelas necessárias para a salvaguarda do depósito da fé, goza da mesma assistência divina. A promessa de Cristo – "Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos" (Lc 22,32) – não se circunscreve a momentos isolados de crise, mas permeia o exercício contínuo do múnus petrino.

Ademais, existe o Magistério Ordinário e Universal (MOU), que é o ensino concorde dos Bispos dispersos pelo mundo, mas em comunhão com o Papa, quando propõem uma doutrina de fé ou moral como devendo ser sustentada definitivamente. Este modo de ensinar, como afirmado pela Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Vaticano II (que neste ponto reitera o ensino tradicional), é igualmente infalível. As verdades ensinadas por este Magistério Ordinário e Universal são tão obrigatórias para a fé católica quanto aquelas definidas solenemente. Mons. d’Avanzo já aludia a isso ao afirmar que "Todos, Papa e Bispos, são infalíveis nesse magistério ORDINÁRIO com a própria infalibilidade da Igreja", distinguindo apenas que os Bispos necessitam da comunhão com o Papa, enquanto o Papa necessita "SOMENTE DA ASSISTÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO QUE LHE FOI PROMETIDA".

A restrição da infalibilidade apenas aos atos extraordinários abre a porta para um subjetivismo pernicioso, onde os fiéis, ou mesmo clérigos, se arrogam o direito de "peneirar" o magistério papal, aceitando o que lhes parece conforme à Tradição e rejeitando o que lhes soa novo ou problemático. Tal postura ignora que a Tradição viva da Igreja é interpretada e proposta autoritativamente pelo Magistério vivo, ao qual Cristo prometeu assistência divina. Se o Papa, como sucessor de Pedro, tem o dever de confirmar seus irmãos na fé e de ser o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade, então seu ensinamento ordinário, quando intenciona vincular toda a Igreja em matéria de fé e moral, deve ser recebido com um assentimento religioso da vontade e do intelecto, e em casos específicos, com um assentimento de fé teologal, mesmo que não se revista da forma solene de uma definição.

A prática da Igreja ao longo dos séculos testemunha esta realidade: encíclicas, constituições apostólicas e outros documentos papais têm, de forma consistente, proposto doutrinas como definitivas ou como seguras e obrigatórias, sem recorrer sempre à proclamação ex cathedra. A infalibilidade, portanto, é uma qualidade inerente ao ofício de ensinar da Igreja, exercida de forma contínua e não apenas em "estados de emergência" doutrinal. Compreender isso é crucial para manter a integridade da fé e a devida submissão ao Vigário de Cristo.

Referências

D’Avanzo, B. (1870). Intervenção no Concílio Vaticano I. In Mansi, J. D. (Ed.), Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio (Vol. 52, cols. 763 D9-764 C7).
Concílio Vaticano I. (1870). Constituição Dogmática Pastor Aeternus. (DH 3074).
Concílio Vaticano II. (1964). Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 25.
Escritura Sagrada. Lucas 22:32; Mateus 28:20.

24 MAIO - S. MARIA NO SÁBADO


Análise dos Primeiros Pronunciamentos de Leão XIV: A Sombra Persistente do Erro


Os recentes discursos emanados daquele que agora se apresenta como "Leão XIV" não trazem, infelizmente, qualquer alívio às almas católicas fiéis, mas antes confirmam a trágica continuidade da trajetória desviante que aflige a Igreja visível desde o Concílio Vaticano II. Longe de um retorno à sã doutrina e à Tradição perene, o que se observa é um aprofundamento nos mesmos erros que caracterizaram os seus predecessores conciliares.

Um dos pontos mais alarmantes é a insistência no falso ecumenismo e no diálogo inter-religioso indiferentista. Ao dirigir-se aos "Representantes de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, e de outras religiões" (19 de maio de 2025), "Leão XIV" louva o "Papa Francisco" por avançar "com grandes passos as iniciativas já empreendidas pelos Pontífices anteriores, especialmente desde São João XXIII". Esta é uma admissão tácita da ruptura, pois foi precisamente a partir de João XXIII e do Vaticano II que se abriu a porta para uma concepção de unidade e diálogo que contradiz o ensinamento multissecular da Igreja sobre a sua unicidade como Arca da Salvação. A menção ao aniversário do Primeiro Concílio de Niceia como um "marco na formulação do Credo compartilhado por todas as Igrejas e Comunidades Eclesiais" é uma distorção, pois Niceia definiu dogmas católicos que muitas dessas "comunidades eclesiais" rejeitam. A busca pela "plena e visível comunhão" com aqueles que não professam integralmente a Fé Católica é um objetivo condenado, pois a verdadeira unidade só pode se dar pelo retorno dos dissidentes ao único redil de Cristo. Pior ainda, "Leão XIV" afirma que "a sinodalidade e o ecumenismo estão intimamente ligados", unindo dois conceitos problemáticos da eclesiologia moderna.

A referência ao documento de Abu Dhabi, promovido por Francisco, como um caminho para a "cultura do diálogo" e a "fraternidade humana" (19 de maio de 2025) é particularmente grave. Tal documento promove uma visão de fraternidade universal desligada da mediação única de Nosso Senhor Jesus Cristo e da necessidade de pertença à Sua Igreja para a salvação. As saudações "aos nossos irmãos e irmãs judeus e muçulmanos" e a citação de Nostra Aetate (nº 4 e nº 3) reforçam essa agenda de relativização da verdade revelada. A afirmação de que, "se estivermos de acordo... podemos ser eficazes em dizer 'não' à guerra" (19 de maio de 2025) sugere que a paz pode ser construída sobre um consenso humano naturalista, em detrimento da Paz de Cristo no Reino de Cristo.

Ao dirigir-se ao "Colégio Cardinalício" (10 de maio de 2025), "Leão XIV" exorta a um "compromisso total com o caminho que a Igreja universal seguiu agora por décadas no rastro do Concílio Vaticano II". Este é o cerne do problema: o Vaticano II é a fonte dos erros atuais. A exaltação da Evangelii Gaudium de Francisco, com seus pontos sobre "crescimento na colegialidade e sinodalidade" e "diálogo corajoso e confiante com o mundo contemporâneo" (citando Gaudium et Spes), apenas reafirma a demolição da autoridade papal e a mundanização da Igreja.

No discurso à Fundação "Centesimus Annus Pro Pontifice" (17 de maio de 2025), a própria noção de "doutrina" é subvertida. "Leão XIV" sugere que a Doutrina Social da Igreja "não pretende possuir o monopólio da verdade" e que "saber qual a melhor forma de abordá-los [os problemas sociais] é mais importante do que fornecer respostas imediatas". Mais chocante é a afirmação de que "'Doutrina' pode ser sinônimo de 'ciência', 'disciplina' e 'conhecimento'... produto de pesquisa e, portanto, de hipóteses, discussões, progressos e retrocessos". Esta é a heresia modernista da evolução do dogma, condenada por São Pio X. A crítica à "doutrinação" como algo "imoral" que "resiste a novas noções e rejeita movimento, mudança ou a evolução de ideias" é um ataque direto à transmissão fiel e imutável do depósito da fé.

Mesmo ao dirigir-se aos "funcionários da Santa Sé" (24 de maio de 2025), a referência à reforma da Cúria Romana por Francisco "na perspectiva da evangelização, com a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium" é preocupante, dado que tal reforma é vista por muitos como uma descentralização que dilui a autoridade doutrinal romana em favor de uma "sinodalidade" vaga e perigosa. O apelo para ser uma "Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes e encoraja o diálogo" soa vazio quando o conteúdo dessa missão e o destino dessas pontes não é a conversão inequívoca à Fé Católica.

A promoção da "liberdade religiosa" no discurso ao Corpo Diplomático (16 de maio de 2025), afirmando que "naturalmente requer pleno respeito pela liberdade religiosa em todos os países", ecoa o erro de Dignitatis Humanae, que contradiz o ensinamento tradicional sobre os direitos da Verdade e os deveres do Estado para com a verdadeira Religião. A ideia de que a verdade "não é a afirmação de princípios abstratos e desencarnados, mas um encontro com a pessoa do próprio Cristo, vivo em meio à comunidade de fiéis" pode ser facilmente distorcida para um subjetivismo que nega a objetividade das proposições dogmáticas.

Em suma, os discursos iniciais de "Leão XIV" demonstram uma adesão firme aos princípios errôneos do Vaticano II e de seus sucessores conciliares. Não há sinal de ruptura com o modernismo, mas sim uma perigosa reconfirmação do caminho que levou a Igreja à crise atual.

Referências

Discursos de Leão XIV. Maio.
Donald J. Sanborn.  L'unité de la foi dans la réaction à Vatican II. Most Holy Trinity Seminary. Dezembro de 2021.

O "Credo do Povo de Deus" de Montini: Contradição ou Cortina de Fumaça?


Em 30 de junho de 1968, em meio ao turbilhão de "aggiornamento" que varria a estrutura visível da Igreja Católica, Giovanni Battista Montini, o homem que então ocupava a Sé Petrina sob o nome de "Paulo VI", promulgou uma "Solene Profissão de Fé", popularmente conhecida como o "Credo do Povo de Deus". Este documento surgiu num momento em que a confusão doutrinária, fomentada pelas ambiguidades e novidades do Concílio Vaticano II (1962-1965) – um concílio que Montini ratificou e impôs –, atingia proporções alarmantes.

O texto do Credo, em sua superfície, reafirma muitas verdades centrais da fé católica perene. Encontramos ali menções à Santíssima Trindade, à Encarnação do Verbo, à obra redentora de Cristo, à Presença Real na Eucaristia através da Transubstanciação, ao Pecado Original, aos dogmas marianos, à Igreja una, santa, católica e apostólica, à necessidade da Igreja para a salvação, à infalibilidade papal (embora curiosamente não invocada para este Credo), à realidade do Céu, Inferno e Purgatório, e à ressurreição dos mortos. O propósito declarado era fornecer um ponto de referência seguro contra as "perturbações" e "incertezas" que afligiam os fiéis.

Contudo, para uma análise verdadeiramente católica, informada pelo Magistério constante da Igreja e pelos princípios da teologia, a primeira e mais crucial questão a ser levantada é a da autoridade. Quem promulgou este "Credo"? Um verdadeiro Vigário de Cristo ou um herege público que, por esse mesmo fato, perdeu qualquer ofício eclesiástico, conforme ensinado por teólogos de peso como São Roberto Belarmino (cf. De Romano Pontifice, Livro II, Capítulo 30)? Se Montini, através da promulgação e imposição de doutrinas e práticas contrárias à fé católica (como a liberdade religiosa do Vaticano II, o ecumenismo indiferentista e o Novus Ordo Missae), já havia manifestado sua defecção da fé, então este "Credo", por mais ortodoxo que pareça em certas passagens, carece de qualquer valor magisterial autêntico. Seria, no máximo, a profissão de fé de um indivíduo particular, e não um ato do Papado.

Ademais, mesmo que se concedesse, arguendo, a ortodoxia formal de grande parte do texto, o "Credo do Povo de Deus" não pode ser examinado isoladamente do contexto revolucionário em que foi emitido.

Como pode o mesmo "pontífice" que solenemente proclama a Transubstanciação ser aquele que impôs o Novus Ordo Missae (1969)? Este novo rito, como a análise crítica do Cardeal Ottaviani e Bacci ("Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae") e estudos subsequentes demonstraram, representa um "impressionante afastamento da teologia católica da Santa Missa como formulada na Sessão XXII do Concílio de Trento". Ele obscurece o caráter sacrificial da Missa, aproxima-se perigosamente da teologia protestante da Ceia e minimiza a Presença Real.

O Credo menciona que a Igreja de Cristo "subsiste" na Igreja Católica, ecoando a infame formulação de Lumen Gentium (LG 8) do Vaticano II. Enquanto a doutrina tradicional sempre ensinou que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica (cf. Pio XII, Mystici Corporis Christi), a noção de "subsistit in" foi explorada para abrir portas a um falso ecumenismo, sugerindo que a Igreja de Cristo pode existir, de alguma forma, também fora da estrutura visível da Igreja Católica.

Como conciliar as afirmações do Credo sobre a unicidade da Igreja e sua necessidade para a salvação com a declaração Dignitatis Humanae do Vaticano II sobre a liberdade religiosa, que concede um direito civil a todas as religiões para propagarem seus erros publicamente? Isto contradiz frontalmente o ensinamento constante dos Papas (e.g., Pio IX, Quanta Cura e Syllabus Errorum; Leão XIII, Immortale Dei e Libertas Praestantissimum). Como harmonizar a fé na Igreja "una" com a prática ecumênica promovida por Montini, que tratava seitas heréticas e cismáticas como se fossem caminhos válidos para a salvação, em direta oposição a Pio XI em Mortalium Animos?

Crucialmente, o Credo de Montini, mesmo reafirmando verdades antigas, falha em condenar os novos erros que emanavam do Vaticano II e que eram ativamente promovidos pela hierarquia modernista. Não há uma condenação explícita do novo ecumenismo, da nova noção de liberdade religiosa, da colegialidade que subverte o primado papal, ou das tendências que levariam à criação do Novus Ordo Missae.

Portanto, o "Credo do Povo de Deus", quando analisado sob a luz da Tradição e da consistência doutrinária, surge menos como um farol de ortodoxia e mais como uma cortina de fumaça. Poderia ser visto como uma tentativa de Montini de aplacar as preocupações dos católicos mais conservadores, oferecendo-lhes palavras familiares enquanto, simultaneamente, ele presidia a demolição sistemática da fé e da prática católicas através da implementação das reformas conciliares. Um documento não pode ser julgado apenas por suas afirmações positivas, mas também por suas omissões e pelo contexto e ações de quem o promulga.

Em suma, para o católico que compreende a natureza da crise pós-Vaticano II como uma ruptura fundamental com o passado católico, o "Credo do Povo de Deus" de Montini é, na melhor das hipóteses, uma anomalia irrelevante vinda de uma autoridade duvidosa ou inexistente e, na pior, uma peça de engano destinada a dar uma falsa aparência de continuidade enquanto a revolução modernista consolidava seu domínio. A verdadeira fé não se encontra em documentos isolados de uma "hierarquia" que abraçou o erro, mas no depósito imutável da fé, guardado e ensinado pela Igreja Católica antes da catástrofe conciliar.

Referências

Paulo VI. Sollemnis Professio Fidei (Credo do Povo de Deus). 30 de junho de 1968.
Concílio Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium.
Concílio Vaticano II. Declaração Dignitatis Humanae.
Cardeais Ottaviani e Bacci. Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae. 1969.
Papa Pio XII. Encíclica Mystici Corporis Christi. 1943.
Papa Pio IX. Encíclica Quanta Cura e Syllabus Errorum. 1864.
Papa Leão XIII. Encíclica Immortale Dei. 1885.
Papa Leão XIII. Encíclica Libertas Praestantissimum. 1888.
Papa Pio XI. Encíclica Mortalium Animos. 1928.
São Roberto Belarmino. De Romano Pontifice.
Concílio de Trento. Sessão XXII (sobre o Santo Sacrifício da Missa).
Anthony Cekada, Work of Human Hands (2010).

23 MAIO - S. João Batista de Rossi, confessor


Missa de domingo

São João Batista de Rossi, Confessor
Nascido em 22 de fevereiro de 1698, em Voltaggio, Itália, dedicou sua vida ao serviço dos pobres e ao ministério sacerdotal, sendo ordenado presbítero em 1721. Faleceu em 23 de maio de 1764, em Roma, após uma vida marcada pela caridade e zelo apostólico. Sua canonização ocorreu em 8 de dezembro de 1881, pelo Papa Leão XIII, reconhecendo sua santidade e exemplo de vida evangélica. A alma de São João Batista de Rossi ardia com o fogo da caridade divina, que o impelia a buscar os mais necessitados, os doentes e os pecadores, para conduzi-los à misericórdia de Deus. Como sacerdote, sua vida foi um reflexo do Bom Pastor, gastando-se incansavelmente na pregação, na confissão e no cuidado pastoral, especialmente com os pobres e marginalizados de Roma. Sua humildade era tal que, apesar de sua sabedoria e eloquência, preferia a simplicidade, vivendo em pobreza voluntária e rejeitando honras. Sua espiritualidade, enraizada na oração e na mortificação, manifestava-se em sua paciência com os sofredores e em sua confiança na Providência, vendo em cada alma a imagem de Cristo. Entre as obras que refletem o espírito de São João Batista de Rossi, destaca-se sua dedicação ao catecismo e à pregação, embora não tenha deixado escritos próprios amplamente documentados. Seu legado é mais bem expresso em suas ações e nas palavras que proferia aos fiéis, exortando-os à conversão. Um texto representativo de seu espírito poderia ser extraído de suas homilias, como esta paráfrase de seu ensinamento: “Ó vós, que carregais o peso dos pecados, não vos desespereis! A misericórdia de Deus é maior que vossas faltas; achegai-vos ao confessionário, pois ali o Salvador vos espera com os braços abertos para vos restaurar à graça.”

Introito
Deuteronômio 15,11 Præcípio tibi, ut apé rias manum fratri tuo egéno et páuperi... “Ordeno-te que abras a mão a teu irmão necessitado e ao pobre que está contigo na tua terra.” Salmo 40,2 “Bem-aventurado o que atende ao pobre e ao necessitado: no dia mau o Senhor o livrará.”

Leitura do livro de Jó 29, 1 e 8-18
Naqueles dias, Jó retomou a sua parábola e disse: “Os jovens me viam e se escondiam; e os anciãos se levantavam e ficavam de pé. Os príncipes cessavam de falar, e punham a mão sobre a boca. Os chefes calavam sua voz, e sua língua aderira ao céu da boca. O ouvido que me escutava me proclamava feliz, e o olho que me via dava testemunho de mim, porque eu salvava o pobre que clamava e o órfão que não tinha quem o ajudasse. A bênção do que ia perecer vinha sobre mim, e o coração da viúva eu consolava. Vestia-me de justiça, e ela era meu manto; o meu juízo era como turbante e diadema. Era olhos para o cego e pés para o coxo. Pai dos pobres era eu, e a causa que não conhecia investigava com diligência. Quebrava os queixais do iníquo e arrancava-lhe a presa de entre os dentes. E dizia comigo: ‘No meu ninho morrerei, e multiplicarei meus dias como a palmeira.’”

Sequência do santo Evangelho segundo Mateus 25, 31-40
Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: "Quando o Filho do Homem vier em sua majestade, e todos os anjos com Ele, então se assentará no trono de sua glória. E todas as nações serão reunidas diante dele, e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita, e os cabritos à esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era estrangeiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; estava na prisão, e viestes a mim.” Então os justos lhe responderão, dizendo: “Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro, e te acolhemos? Ou nu, e te vestimos? Ou quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?” E o Rei lhes responderá: “Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”

Homilias e Explicações Teológicas
A justiça praticada com coração puro, como descrita nas ações de Jó, revela a alma que, movida pela caridade divina, não busca vanglória, mas a glória de Deus, pois o verdadeiro justo não se contenta com a própria retidão, mas estende a mão ao necessitado, reconhecendo neles a imagem do Criador (Santo Agostinho, Sermo de Scripturis, 115). A cena do julgamento final, onde o Rei separa as ovelhas dos cabritos, ensina que a caridade é o critério supremo da salvação, pois quem ama o pobre e o sofredor ama o próprio Cristo, que se identifica com os menores, unindo a terra ao céu num só ato de misericórdia (Santo Ambrósio, Expositio Evangelii secundum Lucam, 7). A vida de São João Batista de Rossi, marcada pela dedicação aos pobres e enfermos, exemplifica a virtude da humildade, que não se exalta nas boas obras, mas as oferece como sacrifício silencioso ao Senhor, mostrando que a santidade se consuma no serviço desinteressado (São Gregório Magno, Moralia in Job, 23). A verdadeira justiça, portanto, não é apenas cumprir a lei, mas viver para a glória de Deus, servindo aos irmãos com um coração que reflete a luz divina, pois o amor ao próximo é o reflexo do amor a Deus, que nos chama a sermos instrumentos de sua providência (São Bernardo de Claraval, Sermones in Cantica Canticorum, 50).

Comparação com os Demais Evangelhos
O evangelho de Mateus 25, 31-40, com sua descrição do julgamento final e a identificação de Cristo com os necessitados, encontra complementos distintos nos outros evangelhos. Em Lucas 10, 25-37, a parábola do Bom Samaritano enfatiza a ação concreta de misericórdia, mostrando que o próximo não é apenas o conhecido, mas qualquer um que precise de ajuda, ampliando o conceito de caridade para além dos limites sociais ou étnicos, algo não explicitado em Mateus. Em João 13, 34-35, o mandamento novo do amor mútuo é apresentado como sinal distintivo dos discípulos de Cristo, destacando a reciprocidade do amor cristão, enquanto Mateus foca na caridade como critério de julgamento. Marcos 9, 35-37 reforça a ideia de acolher os pequenos, mas adiciona que receber uma criança em nome de Jesus é receber o próprio Deus, apontando para a humildade como via para acolher o Reino, um aspecto menos enfatizado em Mateus. Esses textos complementam Mateus ao aprofundar a universalidade, a reciprocidade e a humildade no serviço ao próximo.

Comparação com Textos de São Paulo
Em 1 Coríntios 13, 1-3, Paulo exalta a caridade como a maior das virtudes, afirmando que sem ela até as maiores obras carecem de valor, complementando a ênfase de Mateus no amor como critério de salvação, mas destacando sua primazia sobre dons espirituais. Em Gálatas 6, 2, a exortação a “carregar os fardos uns dos outros” reforça a prática da misericórdia de Jó e São João Batista de Rossi, mas adiciona a ideia de comunidade solidária como cumprimento da lei de Cristo, um aspecto menos explicitado nas leituras. Em Filipenses 2, 3-4, Paulo chama à humildade e ao cuidado com os interesses alheios, ecoando a vida de serviço de São João Batista de Rossi, mas enfatizando a imitação de Cristo na kénosis, um motivo teológico ausente nos textos do dia. Essas passagens paulinas aprofundam a caridade como fundamento da vida cristã, unindo humildade e comunhão.

Comparação com Documentos da Igreja
O Catecismo Romano (1566, Parte III, cap. 5) ensina que as obras de misericórdia corporais e espirituais são expressão da verdadeira fé, complementando Mateus ao explicitar que tais atos não apenas atendem aos necessitados, mas purificam a alma do benfeitor, um aspecto não detalhado no evangelho. A encíclica Rerum Novarum (1891, n. 22) de Leão XIII destaca a caridade cristã como solução para as injustiças sociais, ecoando a justiça social de Jó, mas adicionando a responsabilidade de transformar estruturas sociais, um tema ausente nas leituras. O Missal Romano (1920, Comum dos Confessores) sublinha que a vida dos confessores, como São João Batista de Rossi, é um modelo de santidade prática, enfatizando a perseverança na caridade em meio às provações, o que reforça a mensagem de Jó, mas com foco na vocação sacerdotal. Esses documentos enriquecem as leituras ao conectarem a caridade com a purificação pessoal, a justiça social e a perseverança na missão.

22 MAIO - FÉRIA - S. Rita de Cássia, Viúva


Localidades em que não é celebrada - Missa de domingo

Próprio de alguns lugares - Santa Rita de Cássia

Cuja vida resplandece como luz no calendário da Igreja, nasceu por volta de 1381 em Roccaporena, na Úmbria, Itália, e partiu para a glória celestial em 22 de maio de 1457, em Cássia. Casada ainda jovem, viveu cerca de dezoito anos em matrimônio, enfrentando provações com um esposo de temperamento difícil, até a conversão deste. Após a trágica perda do marido e dos dois filhos, ingressou na Ordem de Santo Agostinho por volta de 1413, dedicando-se inteiramente a Deus. Sua festa, celebrada no dia 22 de maio, conforme o rito tridentino, é um convite a contemplarmos a paciência e a fortaleza de uma viúva que se fez esposa de Cristo. A vida espiritual de Santa Rita é um espelho da Cruz, onde o sofrimento se entrelaça com a caridade ardente. Em sua juventude, aspirava à vida religiosa, mas, obediente à vontade dos pais, abraçou o matrimônio, transformando as tribulações de um lar conturbado em ocasião de santificação. Com paciência heroica, converteu o coração de seu esposo e educou seus filhos na fé. Órfã de família terrena, voltou-se ao Esposo Celeste, ingressando no convento agostiniano, onde se destacou pela penitência, oração e amor aos pobres. Recebeu um estigma na testa, sinal de sua união com os sofrimentos de Cristo, que carregou com humildade até o fim. Sua vida ensina que a verdadeira paz nasce da entrega total à vontade divina, mesmo nas dores mais agudas. Embora Santa Rita não tenha deixado escritos próprios, sua vida é uma obra viva, inscrita no coração da Igreja. A tradição associa a ela a “Oração de Santa Rita”, amplamente divulgada entre os fiéis, que reflete sua intercessão poderosa, conhecida como “advogada dos casos impossíveis”. Um trecho representativo dessa oração é: “Ó Santa Rita, vós que fostes esposa fiel, mãe dedicada e religiosa fervorosa, intercedei por nós junto a Deus, para que, nas nossas impossibilidades, encontremos a força da vossa fé e a graça da vossa paciência.”

Introito (Sl 117, 19 e 22 | ib., 1)
Aperíte mihi portas justítiae, ingréssus in eas confitébor Domino... Abri-me as portas da justiça, a fim de que eu entre e louve o Senhor, a pedra rejeitada pelos que construíam tornou-se a pedra angular. Aleluia, aleluia. Sl. Louvai o Senhor, porque Ele é bom, porque sua misericórdia é eterna.

Epístola (Cant. 2, 1-14)
Eu sou a flor dos campos e o lírio dos vales. Como um lírio entre os espinhos, assim é minha amiga entre as jovens. Como a macieira entre as árvores da floresta, assim é o meu amado entre os jovens. Sentei-me à sombra daquele que eu desejara; e seu fruto é doce à minha boca. Introduziu-me no celeiro do vinho, e em mim pôs em ordem o amor. Sustentai-me com flores, fortalecei-me com frutos, pois enlanguesço de amor. Sua mão esquerda está sob minha cabeça e com a direita ele me abraça. [Diz o esposo:] Eu vos imploro, filhas de Jerusalém, pelas gazelas e pelos cervos dos campos, não desperteis a bem amada, até que ela o queira. [A esposa:] É a voz do meu amado: eis que ele vem, saltando pelas montanhas, transpondo as colinas; meu amado é semelhante a uma gazela e ao cabrito da corça. Eis que Ele está atrás de nosso muro; olhando pelas janelas, observando através das grades. Fala-me o meu amado; Levanta-te minha amiga, apressa-te, minha pomba, minha formosa, e vem. Já passou o inverno, cessou a chuva e foi-se. As flores apareceram em nossa terra; chegou o tempo da poda. A voz da rola fez-se ouvir em nossa terra; a figueira produziu seus primeiros frutos; as vinhas em flor espalharam o seu perfume. Levanta-te, minha amiga, minha formosa e vem.

Evangelho (Mt 13, 44-52)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos esta parábola: O Reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo. Quem o encontra o esconde, e, contente com o achado, vai e vende tudo o que tem, e compra aquele campo.—O Reino dos céus é também semelhante a um mercador que procurava belas pérolas, e tendo achado uma de grande preço, foi-se e vendeu tudo o que possuía e a comprou. — O Reino dos céus é ainda semelhante a uma rede, que lançada no mar, recolheu peixes de toda espécie. Quando estava cheia, os pescadores a puxaram para a praia, e sentados ali, escolheram os bons peixes para os vasos, e lançaram fora os ruins. Assim será no fim do mundo. Virão os Anjos e separarão os maus do meio dos Justos, e os lançarão na fornalha de fogo. E ali haverá choro e ranger de dentes. Compreendestes tudo isto? Responderam-Lhe: Sim. E Ele continuou: Por esta razão todo escriba instruído no Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas.

Homilias e Explicações Teológicas
O amor ardente entre o esposo e a esposa no Cântico dos Cânticos revela a união mística entre Cristo e a alma, onde a beleza da criação reflete a graça divina que atrai o coração humano à santidade, assim como Santa Rita de Cássia, em sua vida de sofrimento e caridade, espelhou essa entrega total ao Esposo celestial, abandonando-se à providência divina (Santo Agostinho, Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, Sermão 9). A parábola do tesouro escondido no campo ilustra a supremacia do Reino dos Céus, que exige a renúncia de todas as posses terrenas para sua aquisição, um sacrifício que Santa Rita exemplificou ao perseverar na pobreza e na paciência, mostrando que a verdadeira riqueza está na conformidade com a vontade de Deus (Santo Ambrósio, Comentário sobre Mateus, Livro 13). A rede que reúne peixes bons e maus aponta para o juízo final, onde a Igreja, como Santa Rita em sua vida de oração, deve discernir entre o justo e o injusto, mantendo a pureza da fé em meio às provações (Santo Gregório Magno, Homilias sobre os Evangelhos, Homilia 11). A imagem da pomba no Cântico simboliza o Espírito Santo, que guia a alma à intimidade com Deus, um chamado que Santa Rita viveu ao buscar a paz e a reconciliação em sua comunidade, tornando-se um reflexo da harmonia divina (Santo Bernardo de Claraval, Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, Sermão 47).

Comparação com os Demais Evangelhos
O Evangelho de Mateus (13, 44-52) apresenta as parábolas do tesouro escondido, da pérola de grande valor e da rede, que enfatizam o valor supremo do Reino dos Céus e o juízo final. Em Marcos, a parábola do semeador (Mc 4, 1-20) complementa ao destacar o processo de crescimento do Reino, focando na receptividade do coração humano à palavra divina, um aspecto não abordado em Mateus. Lucas, na parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), amplia a ideia do tesouro ao ilustrar a misericórdia divina que acolhe o pecador, mostrando que o Reino é também um retorno à casa do Pai, não apenas uma posse a ser adquirida. João, por sua vez, no discurso do Bom Pastor (Jo 10, 11-18), oferece uma visão complementar ao enfatizar Cristo como a porta do Reino, que guia as ovelhas à vida eterna, contrastando com a rede de Mateus que separa os justos dos injustos no fim dos tempos.

Comparação com Textos de São Paulo
A parábola do tesouro escondido ressoa com Filipenses 3, 7-8, onde Paulo considera tudo como perda diante do valor supremo de conhecer Cristo, reforçando a renúncia total exigida pelo Reino, um tema implícito em Mateus. A imagem da rede, que separa os bons dos maus, é complementada por 1 Coríntios 3, 12-15, onde Paulo descreve o julgamento das obras pelo fogo, detalhando o critério divino de purificação não explicitado em Mateus. No Cântico, a união esponsal reflete Efésios 5, 25-27, onde Paulo apresenta a Igreja como esposa de Cristo, purificada para ser santa, um aspecto que amplia a intimidade mística do Cântico. A vida de Santa Rita, marcada pela paciência e caridade, encontra paralelo em Gálatas 5, 22-23, onde Paulo lista os frutos do Espírito, destacando a paciência como virtude essencial, não diretamente mencionada nas leituras.

Comparação com Documentos da Igreja
O Missal Romano de 1920, na oração própria de Santa Rita, destaca sua vida de sofrimento e caridade como modelo de conformidade com a cruz, ecoando a renúncia exigida na parábola do tesouro, mas enfatizando a dimensão prática da santidade vivida na vida cotidiana. A Encíclica Rerum Novarum (1891) de Leão XIII, ao tratar da dignidade do trabalho e da justiça social, complementa a parábola da rede ao chamar a Igreja a discernir entre práticas justas e injustas na sociedade, um aspecto social do juízo não explicitado em Mateus. O Catecismo Romano (1566), no tratado sobre os fins últimos, amplia a parábola da rede ao detalhar o juízo final como separação definitiva entre justos e pecadores, com ênfase na responsabilidade moral individual. A imagem do Cântico, com sua linguagem esponsal, é refletida no Breviário Romano (edição de 1900), que, nas orações místicas, exalta a união da alma com Deus, destacando a contemplação como caminho para a santidade, um tema implícito na vida de Santa Rita.

Espiritismo: Deturpação da Palavra Divina sob o Manto de uma Nova Interpretação


O texto em apreço, que se intitula "O Evangelho Segundo o Espiritismo", pretende oferecer uma elucidação dos ensinamentos morais de Nosso Senhor Jesus Cristo, buscando, para tal, um alicerce em comunicações espirituais e até mesmo em figuras veneráveis como Moisés, e nos pensadores pagãos Sócrates e Platão, apresentados como precursores. No entanto, tal empreendimento, longe de iluminar a Verdade Eterna e Imutável do Evangelho, lança sobre ela o véu de perigosas novidades e interpretações que desviam as almas do único caminho da Salvação.

É de se questionar, primeiramente, a audácia de se propor uma "terceira revelação" (p. 38), como se a Palavra de Deus, encarnada em Jesus Cristo e confiada à Sua Igreja, fosse insuficiente ou necessitasse de complementos advindos de fontes obscuras e não verificáveis. A alegação de que o Cristo não teria dito tudo (p. 38) e que seus ensinamentos permaneceram incompreendidos ou alegóricos, aguardando uma "chave" espírita para sua decifração, atenta contra a clareza e a suficiência da Revelação Divina. A tentativa de colocar filósofos pagãos, por mais nobres que fossem suas intuições parciais, no mesmo patamar de precursores da doutrina cristã que Moisés, dilui a singularidade e a origem divina da Lei Antiga e da Nova Aliança.

Ademais, a interpretação de passagens cruciais do Santo Evangelho é torcida para se adequar a doutrinas estranhas à Fé Apostólica. A promessa de "muitas moradas na casa do Pai" (p. 48) é transfigurada em uma teoria sobre mundos habitados para sucessivas reencarnações, e o "nascer de novo" (p. 56), claro ensinamento sobre a regeneração espiritual pelo Batismo e pela graça, é pervertido em um ciclo de existências terrenas. Tais noções anulam a unicidade da vida terrena como tempo de merecimento ou demerecimento, esvaziam o significado do Juízo e da eternidade das penas e das recompensas, e contradizem frontalmente o dogma da Ressurreição da carne. A própria natureza do sofrimento e da justiça divina é reinterpretada sob a luz de supostas "causas anteriores" (p. 66), em existências pretéritas, minimizando a misericórdia divina e a redenção operada por Cristo.

Questiona-se, com gravidade, a natureza e a origem dos "espíritos" que teriam ditado tais "revelações". A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja advertem sobejamente contra as comunicações com os mortos e as astúcias do Inimigo da Salvação, que pode se disfarçar para semear o erro. A pretensa "concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos" (p. 17, 19) como critério de verdade é um fundamento frágil e subjetivo, que abre as portas para toda sorte de ilusões e enganos.

Mesmo a máxima "Fora da caridade não há salvação" (p. 173), em si mesma sublime, quando destacada do conjunto da Fé e da verdadeira doutrina sobre a natureza de Deus e os meios de Salvação por Ele instituídos, torna-se um preceito incompleto, podendo levar a um perigoso indiferentismo religioso. A caridade verdadeira floresce no terreno da Fé autêntica e da obediência aos Mandamentos divinos, tal como ensinados pela única e verdadeira Igreja.

Em suma, o referido texto, ao propor uma releitura do Evangelho fundamentada em comunicações espirituais e em princípios como a reencarnação, a pluralidade dos mundos evolutivos e a lei de causa e efeito como justificativa para as aflições, afasta-se perigosamente da pura doutrina de Jesus Cristo. Constitui-se, pois, em uma construção humana que, sob a aparência de explicar e moralizar, introduz erros funestos e conduz as almas por sendas que não são as da Verdade revelada por Deus.

Referências

Monsenhor Louis-Gaston de Ségur. Les Mystères du Spiritisme dévoilés.
Kardec, A. (s.d.). O Evangelho Segundo o Espiritismo:
Página 17, 19: Autoridade da Doutrina Espírita; Controle universal dos ensinamentos dos Espíritos.
Página 38: As três revelações (Moisés, Cristo, Espiritismo); O Espiritismo é a chave.
Página 48: Capítulo 3 – Há Muitas Moradas na Casa de Meu Pai.
Página 56: Capítulo 4 – Ninguém Pode Ver o Reino de Deus se Não Nascer de Novo.
Página 66: Capítulo 5 – Bem-Aventurados os Aflitos; Causas anteriores das aflições.
Página 173: Capítulo 15 – Fora da Caridade Não Há Salvação.