SÁBADO DA 4ª SEMANA DA QUARESMA

Féria de 3ª Classe – Estação em S. Nicolau “in Carcere”

Comemoração de S. Vicente Férrer, Confessor
Nasceu em Valença em 1350. Entrou para a ordem dos Dominicanos aos 17 anos. Orador violento e inflamado, percorreu a Espanha, a França e a Itália, verberando os pecadores com as suas advertências. As palavras do profeta “levantai-vos, mortos e vinde ao julgamento”, que repetia sem cessar, operaram numerosos milagres de conversão. Chamavam-lhe o “anjo do julgamento”. Morreu em Vannes, na Bretanha a 5 de abril de 1419.

PRÓPRIO DO DIA

Introito (Is 55, 1| Sl 77, 1)
Sitiéntes, venite ad aquas, dicit Dóminus... Todos vós que tendes sede, vinde às águas, assim diz o Senhor; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde e bebei com alegria. Sl. Escutai a minha lei, ó povo meu: inclinai os vossos ouvidos às palavras de minha boca.

Epístola (Is 49, 8-15)
Leitura do Profeta Isaías.Eis o que diz o Senhor: Em tempo favorável eu te ouvi, e no dia da salvação sou o teu auxílio. Eu te conservei e te estabeleci para aliança do povo, para restaurares as terras e possuíres abundantes heranças. Para dizer aos presos: Saí. E aos que gemem nas trevas: Vinde à luz. Ao lado dos caminhos eles apascentarão, é em todas as planícies, para eles haverá pastagens. Não mais terão fome nem sede, nem serão vexados pelo calor do sol: pois Aquele que deles tem piedade os guiará, e às fontes das águas os conduzirá. E mudarei todos os meus montes em caminhos e as minhas veredas elevadas serão. Vede estes que vêm de longe e aqueles do norte e do poente e os outros das terras austrais. Louvai, ó céus; exulta, ó terra; prorrompei, ó montes, em louvores; porque Deus consolou o seu povo e de seus pobres se compadecerá . E Sião disse: Abandonou-me o Senhor, e o Senhor de mim se esqueceu. [Deus responde:] Porventura, poderia a mulher esquecer o seu infante e n ã o ter compaixão do filho de suas entranhas? E ainda que ela se esquecesse, eu não me esqueceria de ti, diz o Senhor Onipotente.

Evangelho (Jo 8, 12-20)
Naquele tempo, falou Jesus às turmas dos judeus, dizendo: Eu sou a Luz do mundo. O que me segue não anda em trevas e terá a luz da vida. Disseram-Lhe os fariseus: Vós testemunhais de Vós mesmo; vosso testemunho não é verdadeiro. Respondeu-lhes Jesus e disse: Se bem que eu testemunhe de mim mesmo, é verdadeiro o meu testemunho. Porque sei de onde vim e par a onde vou; vós, porém, ignorais de onde venho e para onde vou. Vós julgais segundo a carne e eu não julgo a ninguém. Se julgo, o meu julgamento é verdadeiro, porque não estou só, e comigo está o Pai, que me enviou. Em vossa lei está escrito que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro. Eu sou quem testemunha de mim mesmo; e de mim dá também testemunho, quem me enviou, isto é, o Pai. Disseram-Lhe, pois: Onde está o vosso Pai? Respondeu Jesus: Vós não conheceis, nem a Mim, nem a meu Pai. Se Vós me conhecêsseis, conheceríeis também a meu Pai. Jesus disse essas palavras no gazofilácio [tesouro] quando ensinava no templo; e ninguém O prendeu porque não chegara ainda a sua hora.

Homilias

Santo Agostinho – Sermão 34 - A luz que se proclama é a verdadeira divindade que ilumina os corações e dissipa as trevas do pecado, não sendo apenas um reflexo ou uma sombra, mas a essência eterna que guia a humanidade à salvação. Essa luz não é compreendida pelos olhos carnais, mas pela alma que se eleva à contemplação divina, pois os fariseus, presos à letra da Lei, não enxergam a verdade que transcende suas disputas terrenas. O testemunho do Filho é válido porque procede da unidade com o Pai, uma comunhão tão perfeita que o julgar humano, limitado e falho, não pode abarcar. Aquele que é luz julga com justiça porque vê o interior do homem, enquanto os homens julgam pela aparência e pela carne, incapazes de penetrar os mistérios divinos. Quem segue essa luz abandona as trevas da ignorância e do orgulho, recebendo a vida eterna como dom, pois a luz não apenas ilumina o caminho, mas é a própria vida que se comunica aos que creem.
 
São Tomás de Aquino – Suma Teológica, Pars III, q. 7, a. 9 - A declaração de ser a luz do mundo manifesta a excelência da natureza divina de Cristo, que possui em si a plenitude da graça e da sabedoria, iluminando as criaturas racionais para que conheçam a verdade e sejam conduzidas ao bem supremo. Essa luz é distinta da luz sensível, pois pertence ao intelecto, elevando a alma à contemplação das coisas eternas, enquanto os fariseus, fixados em juízos materiais, rejeitam o testemunho por não compreenderem a origem celestial de Cristo. O testemunho do Filho é verdadeiro porque procede da sua união hipostática com o Pai, sendo Ele mesmo a Palavra eterna que revela o Criador às criaturas. O julgamento de Cristo é justo, não por condenação arbitrária, mas porque reflete a ordem divina, que ordena todas as coisas ao fim último. Seguir essa luz é participar da vida divina, pois a graça que dela emana santifica e aperfeiçoa a natureza humana, guiando-a à beatitude.
 
Santo Ambrósio – A luz anunciada é o esplendor da glória divina que rompe as trevas do mundo corrompido pelo pecado, oferecendo aos homens a possibilidade de serem libertos da escravidão da morte. Os fariseus, ao questionarem o testemunho, revelam sua cegueira espiritual, pois buscam sinais externos e não reconhecem a autoridade daquele que é a fonte de toda a verdade. O Filho, unido ao Pai na eternidade, não precisa de testemunhas humanas, mas o Pai dá testemunho por meio das obras realizadas, que manifestam a divindade encarnada. O julgamento verdadeiro procede dessa luz, que não condena por ódio, mas ordena todas as coisas segundo a justiça divina, chamando os homens à conversão. Quem segue essa luz é elevado acima das paixões terrenas, tornando-se filho da luz, participante da vida que não perece, pois a luz de Cristo é o caminho que conduz à visão de Deus.

SEXTA-FEIRA DA 4ª SEMANA DA QUARESMA

Féria de 3ª Classe – Estação em S. Eusébio

DIA DE ABSTINÊNCIA

Comemoração de S. Isidoro, Bispo, Confessor e Doutor
(c. 560 – 4 de abril de 636)
Foi um bispo, confessor e Doutor da Igreja, nascido em Cartagena, na Hispânia visigótica, e falecido em Sevilha, onde serviu como arcebispo por mais de três décadas. Educado por seu irmão Leandro, também bispo, Isidoro destacou-se como um dos maiores eruditos de sua época, contribuindo para a conversão dos visigodos do arianismo ao catolicismo e presidindo o Concílio de Toledo em 633. Canonizado em 1598 por Clemente VIII e declarado Doutor da Igreja em 1722 por Inocêncio XIII, ele fundou escolas e seminários, promovendo a educação e a disciplina eclesiástica. Sua vida espiritual foi marcada por profunda humildade, caridade e devoção à oração, penitência e meditação, influenciando a cultura cristã medieval. Sua obra mais célebre, Etymologiae (Etimologias), é considerada a primeira enciclopédia cristã, compilando o conhecimento da antiguidade em 20 livros que abrangem temas como teologia, gramática, astronomia e agricultura. Um texto representativo é: "Deus não fez todas as coisas do nada: algumas foram baseadas em alguma coisa e outras do nada. Deus criou o mundo do nada, como também os anjos e as almas"

PRÓPRIO DO DIA

Introito (Sl 18, 15| ib., 2)
Meditátio cordis mei in conspéctu tuo semper... Os pensamentos do meu coração estarão sempre em vossa presença, ó Senhor, meu Auxílio e meu Redentor. Sl. Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos.

Epístola (3 Reis 17, 17-24)
Naqueles dias, adoeceu o filho de uma mulher, mãe de família, e tão grande era a sua fraqueza que não havia nele respiração. Disse ela pois, a Elias: Que há entre ti e mim, homem de Deus? Vieste porventura a mim, para me lembrares os meus pecados e matares o meu filho? E disse-lhe Elias: Dá-me o teu filho. Tomando-o no seu colo, levou-o ao aposento em que morava, pondo-o sobre o seu leito. E clamando ao Senhor, disse: Senhor, Deus meu, por que afligistes esta viúva que me sustenta, chegando ao ponto de deixardes morrer o seu filho? Estendendo-se em seguida, por três vezes sobre o menino, disse ao Senhor, em oração: Senhor, Deus meu, fazei, eu Vos suplico, que a alma deste menino volte a seu corpo. E ouviu, o Senhor, a voz de Elias: a alma do menino a ele voltou e ele ressuscitou. Tomando o menino, Elias desceu do quarto ao andar térreo da casa e entregando-o à mãe dele, disse-lhe: Eis que o teu filho vive. Respondeu a mulher a Elias: Reconheço agora, por esta ação, que és um homem de Deus e que a palavra do Senhor em tua boca é verdadeira.

Evangelho (Jo 11, 1-45)
Naquele tempo, um homem chamado Lázaro estava doente em Betânia, aldeia de Maria, e de Marta, sua irmã. (Maria era aquela que ungira o Senhor com bálsamo e Lhe enxugara os pés com seus cabelos, e cujo irmão, Lázaro, adoecera.) Suas irmãs enviaram a Jesus um recado, dizendo: Senhor, aquele a quem amais, está enfermo. Ouvindo isto, Jesus disse-lhes: Esta enfermidade não é mortal, porém é para a glória de Deus e para que seja glorificado por ela o Filho de Deus. Ora, Jesus amava a Marta, a sua irmã Maria, e a Lázaro. Tendo sabido que este enfermara, ficou entretanto ainda dois dias no mesmo lugar. Só então, disse a seus discípulos: Voltemos à Judeia, novamente. Disseram-Lhe os discípulos: Mestre, não queriam os judeus Te lapidar e queres voltar para -lá? Jesus respondeu: Não tem o dia doze horas? Se alguém caminhar de dia não se magoa, porque vê a luz deste mundo. Se no entanto caminhar de noite, magoar-se-á, porque lhe falta a luz. Falando assim, após estas palavras disse: Lázaro, nosso amigo, dorme; porém, eu irei, e do sono o despertarei. Responderam os discípulos: Senhor, se ele dorme, será salvo. Jesus lhes falara, no entanto, de sua morte, porém eles julgaram que Ele falasse do descanso do sono. Então Jesus lhes disse, claramente: Lázaro morreu, e eu me alegro que lá não estivesse, por vossa causa, para que acrediteis. Vamos, porém, até ele. Disse então Tomé, chamado Dídimo, aos companheiros: Vamos também nós, e morramos com Ele! Chegou Jesus, e aconteceu que Lázaro já estava no sepulcro, havia quatro dias. (Estava Betânia quase a quinze estádios de Jerusalém - cerca de 3 km.) Muitos eram os judeus que haviam vindo consolar a Marta e Maria, por causa de seu irmão. Marta, logo que soube da vinda de Jesus, correu a seu encontro; Maria, porém, ficou em casa, sentada. Disse Marta a Jesus: Senhor, se estivésseis aqui, meu irmão não estaria morto. Sei, porém, que ainda agora,a tudo que pedirdes a Deus, Ele vo-lo dará. Respondeu-lhe Jesus: Teu irmão ressuscitará. Disse-lhe Marta: Sei que ressuscitará na ressurreição do dia do Juízo. Jesus lhe disse: Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crer em mim, mesmo que morto esteja, viverá; e qualquer que viva e creia em mim, jamais morrerá. Crês isto? E ela: Sim, Senhor, creio que sois o Cristo, o Filho de Deus vivo, que a este mundo veio. Depois destas palavras, retirou-se ela, e chamou a Maria, sua irmã, em voz baixa, dizendo: O Mestre aí está e te chama. Ouvindo isto, Maria depressa se levantou e foi ter com Ele; porque Jesus ainda não entrara na aldeia, permanecendo no lugar em que Marta O encontrara. Os judeus, no entanto, que estavam em casa com ela, consolando-a, vendo Maria levantar-se e sair, seguiram-na, dizendo: Ela vai ao sepulcro para chorar ali. Quando Maria chegou onde estava Jesus, vendo-O, lançou-se a seus pés e disse-Lhe: Senhor, se estivésseis aqui, meu irmão não estaria morto. Jesus então, vendo-a em lágrimas e os judeus que haviam vindo com ela, a chorar, comoveu-se e perturbando-se em seu íntimo, disse: Onde o pusestes? Disseram-Lhe: Senhor, vinde e vede. E Jesus chorou. Os judeus disseram então: Vede como Ele o amava. Alguns porém insinuaram: Não poderia Este que abriu os olhos do cego de nascença, fazer com que Lázaro não tivesse morrido? Jesus estremeceu novamente em si mesmo, e aproximou-se do sepulcro. Era uma gruta, e uma lápide fora posta sobre ela. Replicou-Lhe Marta, a irmã daquele que morrera: Senhor, já cheira mal, porque há quatro dias que está aqui. Respondeu-lhe Jesus: Não te disse que se acreditares, verás a glória de Deus? Tiraram pois a lápide. E Jesus elevando os olhos aos céus, disse: Pai, graças Te dou, porque me ouviste. Sabia eu que sempre me ouves, porém se assim falei, foi por causa do povo que me cerca, a fim de que creia que foste Tu quem me enviou. Tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! E logo saiu o que estivera morto, ligados os pés e as mãos por faixas e envolta a cabeça em um sudário. Disse-lhes Jesus: Desligai-o e deixai-o ir. Muitos dos judeus que tinham vindo com Maria e Marta, e haviam visto o milagre que Jesus fizera, n’Ele acreditaram.

Homilias

Santo Agostinho (Doutor da Igreja Católica, Sermão 49, sobre João 11) - A ressurreição de Lázaro é um sinal sublime da divindade de Cristo, que não apenas prefigura sua própria vitória sobre a morte, mas também manifesta o poder de Deus que transcende os limites da natureza humana. O choro de Jesus revela a profundidade de sua humanidade, unida à divindade, mostrando que ele assume nossas dores e as transforma em esperança. A demora de dois dias antes de ir a Betânia não é negligência, mas um desígnio para que a glória de Deus se revele mais plenamente, pois o milagre após quatro dias sepultado dissipa qualquer dúvida de que Lázaro estava verdadeiramente morto. Cristo, ao dizer "Eu sou a ressurreição e a vida", proclama-se a fonte eterna de vida, oferecendo aos fiéis a certeza de que a morte física não é o fim, mas um passagem para a vida eterna. Este evento é um chamado à fé, para que os corações endurecidos se abram à verdade de que somente em Cristo há salvação, e sua voz, que despertou Lázaro, continua a chamar os mortos espirituais à conversão. A pedra removida do túmulo simboliza a libertação dos pecados que aprisionam a alma, e as faixas desatadas representam a liberdade concedida pela graça divina.
 
São Tomás de Aquino (Suma Teológica, Parte III, Questão 53-56) - A ressurreição de Lázaro é uma manifestação do poder divino de Cristo, que, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, opera milagres para confirmar sua missão redentora. Este ato não é apenas um retorno à vida mortal, mas um sinal da ressurreição gloriosa que Cristo realizará no fim dos tempos, quando os corpos dos justos serão glorificados. A permanência das cicatrizes no corpo de Cristo após sua própria ressurreição, que podemos inferir como modelo, indica que tais marcas são sinais de vitória e não de imperfeição, e assim também os mártires carregarão suas chagas como testemunho de glória. A demora de Jesus em atender ao chamado das irmãs demonstra que a providência divina age segundo um plano superior, ordenado à maior glorificação de Deus e ao fortalecimento da fé dos discípulos. Quando Cristo diz "Eu sou a ressurreição e a vida", estabelece-se como a causa eficiente e exemplar da ressurreição universal, pois nele reside a vida em plenitude, que ele comunica aos que creem. O milagre é, portanto, um prenúncio do triunfo final sobre a morte, assegurando que a vida eterna é o destino dos que estão unidos a ele pela fé e pela graça.
 
São Bernardo de Claraval, Sermão sobre a Ressurreição de Lázaro - A ressurreição de Lázaro é uma revelação do amor de Cristo, que se compadece da miséria humana e deseja elevar a alma à contemplação divina. O choro de Jesus não é apenas por Lázaro, mas por todos os homens mortos no pecado, pois ele veio para resgatar o que estava perdido. A espera de quatro dias simboliza as quatro etapas da queda humana – ignorância, concupiscência, fraqueza e malícia – que Cristo supera ao chamar Lázaro de volta à vida, mostrando que nenhum abismo é profundo demais para seu poder salvífico. A voz de Cristo que ordena "Lázaro, vem para fora" é a mesma que ressoa no coração dos fiéis, convidando-os a abandonar o túmulo do pecado e a viver para Deus. Este milagre é uma antecipação da ressurreição espiritual que cada alma pode experimentar na conversão, e um apelo para que os homens se unam a Cristo na caridade, pois é pelo amor que se participa da vida eterna. A pedra removida é a dureza do coração que deve ser quebrada pela fé, e as faixas desatadas simbolizam a libertação das paixões terrenas, conduzindo à união mística com Deus.

QUINTA-FEIRA DA 4ª SEMANA DA QUARESMA

Féria de 3ª Classe – Missa própria – Estação na basílica SS. Silvestre e Martinho

Na igreja de S. Martinho, venerado por ter ressuscitado vários mortos, as Leituras nos falam de duas ressurreições. A mãe aflita (a Igreja) encontra um Enviado de Deus. Pelo Batismo e pela Penitência, ressurgimos a uma vida nova. É o Cristo quem no-la comunica por sua Ressurreição.

PRÓPRIO DO DIA

Introito (Sl 104, 3-4| ib., 1)
Lætétur cor quæréntium Dóminum... Alegre-se o coração dos que procuram o Senhor! Procurai o Senhor e Ele vos fortalecerá; procurai sempre a sua face. Sl. Louvai o Senhor e invocai o seu Nome: anunciai as suas obras entre as nações.

Epístola (4 Reis 4, 25-38)
Naqueles dias, procurou uma Sunamita a Eliseu, no monte Carmelo. Quando esse homem de Deus a viu chegar, disse a Giezi, seu servo: Eis aquela Sunamita. Vai ao seu encontro e pergunta-lhe: Tudo vai bem para ti, para o teu marido e para o teu filho ? E ela lhe respondeu: Bem. Quando chegou junto ao homem de Deus, na montanha, abraçou os pés dele; e Giezi aproximou-se para a afastar. O homem de Deus lhe disse: Deixa-a, pois a sua alma está em amargura e o Senhor mo escondeu e não mo revelou. Disse ela então: Pedi eu, porventura, algum filho a meu senhor? Não te disse eu: Não me iludas ? Eliseu disse a Giezi: Cinge os teus rins, toma em tua mão o meu bastão e parte. Se encontrares alguém, não o saúdes; se alguém te saudar, não lhe respondas; e põe o meu bastão sobre a face do menino. Disse-lhe entretanto a mãe do menino: Pelo Senhor e por tua alma, eu não te deixarei. Ele levantou-se, pois, e a acompanhou. Giezi entretanto os havia precedido, e pusera o bastão sobre a face da criança. Esta, porém, não tinha voz, nem dava sinal de vida. Ele voltou ao encontro do seu senhor e lho anunciou, dizendo: A criança não ressuscitou. Chegando pois, Eliseu, à casa, achou a criança morta, deitada em seu leito. Entrou e logo fechou a porta sobre a criança; e orou ao Senhor. Subindo então ao leito, deitou-se sobre a criança; pôs sua boca sobre a boca do menino, os seus olhos, sobre os olhos dele e as suas mãos sobre as mãos da criança; e curvando-se sobre ela, aquecida ficou a carne da criança. Descendo, deu voltas pela casa, de um lado para o outro; e depois, subindo ao leito, deitou-se novamente sobre o menino. Então a criança bocejou sete vezes e abriu os olhos. E Eliseu chamou Giezi e disse-lhe : Chama esta Sunamita. Quando chamada, veio ela até junto dele. E Eliseu disse: Toma o teu filho. Aproximou-se a mulher e lançou-se a seus pés, adorando-o com o rosto em terra. Tomando o seu filho, retirou-se. E Eliseu regressou para Gálgala.

Evangelho (Lc 7, 11-16)
Naquele tempo, ia Jesus para uma cidade chamada Naim. Iam com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. E quando chegou perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva. Vinha com ela muita gente da cidade. Vendo-a, o Senhor moveu-se de compaixão para com ela, e disse-lhe: Não chores. Depois, aproximou-se e tocou no esquife. (E os que o levavam, pararam.) Então Jesus disse: Jovem, eu te digo, levanta-te. E o que estava morto se sentou, e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. Todos porém se encheram de temor; e glorificavam a Deus, dizendo: Um grande Profeta surgiu entre nós; e Deus visitou o seu povo.

Homilias

Santo Agostinho de Hipona – Sermão 98 (Sermones in Lucam) - A ressurreição do filho da viúva de Naim é um sinal da vitória divina sobre a morte, que aponta para a ressurreição final de todos os homens. A compaixão do Senhor não é apenas um sentimento humano, mas um ato da vontade divina que restaura a vida onde a esperança estava perdida. A viúva representa a alma humana, privada de seu esposo, que é Deus, e o filho único simboliza a vida espiritual que perece no pecado. Quando Cristo toca o caixão, Ele interrompe o curso da morte, mostrando que o poder do Verbo é suficiente para reverter a corrupção. O jovem que fala após ser ressuscitado é a imagem da alma que, ao receber a graça, volta a louvar a Deus. Este milagre não é apenas para consolar uma mãe, mas para revelar que Deus visita seu povo, trazendo salvação e prometendo a ressurreição universal no fim dos tempos. A multidão que glorifica a Deus reconhece nisso o cumprimento das promessas proféticas, pois o Messias é aquele que dá vida aos mortos e renova a criação.

São Tomás de Aquino – Suma Teológica, Tertia Pars, Q. 53-56 (Sobre a Ressurreição de Cristo e seus sinais) - O milagre em Naim demonstra o poder de Cristo como Senhor da vida e da morte, um prenúncio de sua própria ressurreição. A compaixão manifestada não é apenas emoção, mas a expressão da vontade divina que ordena a restauração da ordem natural pervertida pelo pecado. O toque no caixão significa a união da natureza humana e divina em Cristo, pois por sua humanidade Ele se aproxima da miséria humana, e por sua divindade Ele a supera. O jovem ressuscitado, ao sentar-se e falar, mostra que a vida restaurada por Cristo é plena, não apenas física, mas também espiritual, pois a palavra é sinal da razão que retorna. Este ato é um sinal da redenção universal, pois assim como o filho é devolvido à mãe, a humanidade é restituída a Deus por meio de Cristo. A glorificação da multidão aponta para a manifestação da glória divina, que será plenamente realizada na ressurreição geral, quando todos os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e viverão. O milagre, portanto, é um testemunho da divindade de Cristo e da esperança escatológica.

Santo Ambrósio de Milão – Expositio Evangelii secundum Lucam, Livro 5 - A ressurreição do filho da viúva é um mistério da misericórdia divina que transcende a justiça humana. A viúva, desamparada e sem sustento, é figura da Igreja que, privada de seus filhos pelo pecado, clama por redenção. O Senhor, ao deter o cortejo fúnebre, interrompe o domínio da morte, mostrando que Ele é o verdadeiro esposo que não abandona sua esposa. O jovem que se levanta é a imagem da juventude espiritual renovada pela graça, que fala para proclamar a bondade de Deus. Este milagre é um sinal da vitória sobre o pecado original, que trouxe a morte ao mundo, e um anúncio da ressurreição de Cristo, que abrirá o caminho para a vida eterna. A multidão que louva a Deus reconhece a presença do Criador entre os homens, pois somente aquele que deu a vida pode retomá-la da morte. Assim, o evento em Naim é uma promessa de que a salvação não é apenas para os vivos, mas também para os mortos que serão chamados à vida no último dia.

QUARTA-FEIRA DA 4ª SEMANA DA QUARESMA

Féria de 3ª Classe – Missa própria – Estação em S. Paulo

Comemoração de S. Francisco de Paula, Confessor. Foi um eremita italiano nascido em 27 de março de 1416, em Paola, Calábria, e falecido em 2 de abril de 1507, em Tours, França. Fundador da Ordem dos Mínimos, ele se destacou por sua vida de extrema penitência, humildade e caridade, sendo conhecido como "O Eremita da Caridade". Desde jovem, após ser curado de um abscesso no olho por intercessão de São Francisco de Assis, dedicou-se à espiritualidade, vivendo como eremita e atraindo seguidores que compartilhavam seu ideal de simplicidade e serviço aos pobres. Entre seus feitos, construiu igrejas e mosteiros, realizou milagres como curas e profecias, e influenciou reis, como Luís XI da França, a quem auxiliou espiritualmente em seus últimos dias. Sua vida espiritual foi marcada pelo voto de "vida quaresmal" perpétua, enfatizando jejum, oração e desapego material. Uma obra significativa relacionada a São Francisco de Paula é a "Regra da Ordem dos Mínimos", aprovada pelo Papa em 1506, que reflete sua visão de humildade radical e serviço. Um texto representativo atribuído ao santo é extraído de uma de suas cartas, onde ele exorta: "A caridade de Cristo nos compele; que nossa grandeza esteja em reconhecer nossa pequenez diante de Deus."

O dia de hoje era de grande importância para os catecúmenos. Reuniam-se junto à sepultura do grande Catequista e Doutor das gentes, S. Paulo, que, em sua conversão, foi milagrosamente curado da cegueira. Os Catecúmenos eram submetidos a novo’escrutínio e realizava-se a cerimônia da abertura dos ouvidos. (O Sacerdote tocava os ouvidos dos catecúmenos, dizendo: “Ephpheta”, isto é, abre-te, como ainda hoje diz, ao administrar o Batismo.) Em seguida, recebiam o Padre nosso, o Credo e o início dos quatro Evangelhos.

PRÓPRIO DO DIA

Introito (Ex 36, 23-26| Sl 33, 2)
Cum sanctificátus fúero in vobis, congregábo vos de univérsis terris... Quando eu for santificado em vós, eu vos congregarei de todas as partes da terra; derramarei sobre vós uma água pura, e sereis purificados de todas as suas iniquidades; e vos darei um Espírito novo. Sl. Bendirei o Senhor em todo o tempo; o seu louvor esteja sempre em minha boca

Leitura (Ex 36, 23-28)
Profeta Ezequiel. Assim diz o Senhor Deus: Santificarei o meu grande Nome que profanado foi entre as nações e que vós aviltastes no meio delas, a fim de que os povos saibam que sou o Senhor, quando eu tiver sido santificado em vós, diante delas. Porque vos tirarei dentre as nações, vos congregarei de todas as terras e vos levarei ao vosso país. E sobre vós derramarei uma água pura, é purificados sereis de todas as vossas iniquidades; e de toda a vossa idolatria vos limparei, Dar-vos-ei um coração puro, e um novo Espírito porei no meio de vós; tirarei o coração de pedra de vosso corpo e vos darei um coração de carne. Colocarei o meu Espírito em vosso interior, e farei que caminheis em meus preceitos, guardando e praticando os meus mandamentos. Habitareis na terra que por mim foi dada a vossos pais. Vós sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus, disse o Senhor Onipotente.

Epístola (Is 1, 16-19)
Profeta Isaías. Eis o que diz o Senhor Deus: Lavai-vos, purificai-vos, afastai de meus olhos a malícia de vossos pensamentos. Deixai de agir com perversidade e aprendei a fazer o bem. Procurai a justiça, assisti ao oprimido, protegei ao órfão, defendei a viúva. Vinde, e discuti comigo, diz o Senhor. Se forem os vossos pecados como o escarlate, ficarão brancos como a neve; se forem rubros como o carmim, tornar-se-ão brancos como a lã. Se quiserdes e me escutardes, comereis os bens da terra, disse o Senhor Todo-poderoso.

Evangelho (Jo 9, 1-38)
Naquele tempo, ao passar, viu Jesus um homem, que era cego de nascença. E os discípulos perguntaram a Jesus: Mestre, quem pecou? Este homem, ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem este pecou, nem pecaram os seus pais, mas foi para que as obras de Deus nele se manifestassem. Importa-me executar as obras d’Aquele que me enviou, enquanto é dia, pois virá a noite, quando ninguém poderá trabalhar. Enquanto eu estiver no mundo, eu sou a Luz do mundo. Após ter dito isto, cuspiu na terra, fez lodo com a saliva, e com ele untou os olhos do cego, dizendo-lhe: Vai e lava-te na piscina de Siloé (que significava o Enviado). Ali foi ele, pois, e lavou-se e voltou com vista. Seus vizinhos e aqueles que antes o haviam visto como mendigo, diziam: Não é este mesmo que estava assentado e mendigava? Uns diziam: É ele. E outros: Não é, apenas com ele se parece. Ele porém dizia: Sou eu mesmo. Eles lhe disseram então: Como foram abertos os teus olhos? Respondeu: Esse homem que se chama Jesus, fez lodo, untou os meus olhos e disse-me: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e agora vejo. E perguntaram-lhe: Onde está Ele? Respondeu: Não sei. Eles levaram então aos fariseus aquele que fora cego. Ora, foi num sábado que Jesus fez lodo e lhe abriu os olhos. De novo, pois, lhe perguntaram os fariseus como recobrara a vista. Ele lhes respondeu: Pôs lodo sobre os meus olhos, lavei-me e vejo. Diziam então alguns dos fariseus: Aquele homem não é de Deus, desde que não observa o sábado. Outros porém, diziam: Como poderá um homem pecador fazer tais maravilhas? E havia dissensão entre eles. Disseram então, novamente, ao que fora cego: Tu que dizes d’Aquele que te abriu os olhos? Ele respondeu: Que é um Profeta. Só acreditaram no entanto os judeus que ele tivesse sido cego e estivesse vendo, quando chamaram os país do que agora via. E interrogaram-nos, dizendo: Este é o vosso filho, do qual afirmais ter nascido cego? Como é que ele agora vê? Responderam-lhe os pais dele e disseram: Sabemos que é o nosso filho e que nasceu cego. Como vê agora, não o sabemos, nem conhecemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o vós mesmos; tem idade; que fale por si. Disseram eles assim, porque temiam os judeus, pois estes já haviam combinado que se alguém reconhecesse Jesus como o Messias, fosse expulso da sinagoga. Por isso os pais do que fora cego haviam dito: Já tem idade. Interrogai-o vós mesmos. Eles chamaram pois, uma segunda vez, o homem que nascera cego e lhe disseram: Dá glória a Deus, pois sabemos que aquele homem [Jesus] é um pecador. Disse-lhes ele então: Se é pecador não sei; sei apenas que eu era cego e agora vejo. Disseram-lhe eles: Que te fez Ele? Como abriu os teus olhos? Replicou-lhes: Já vos disse e o ouvistes; por que quereis ouvi-lo de novo? Pretendeis porventura ser também seus discípulos? Amaldiçoaram-no então, dizendo-lhe: Sê seu discípulo: nós somos discípulos de Moisés. Sabemos que a Moisés, Deus falou; e daquele homem nem sabemos de onde é. Respondeu-lhes o homem e lhes disse: E isto que é singular: vós não sabeis de onde Ele é, e Ele me abriu os olhos. Ora, sabemos que Deus não atende aos pecadores; porém se alguém honra a Deus e faz a sua vontade, este será ouvido. Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença, desde que o mundo existe. Se esse homem não viesse de Deus, não poderia fazer coisa semelhante. Responderam eles, dizendo: Tu nasceste cheio de pecados e queres nos ensinar? E expulsaram-no. Ouviu Jesus que o haviam lançado fora e tendo-o encontrado, disse-lhe: Crês tu no Filho de Deus? Respondeu ele, dizendo: Quem é Ele, Senhor, para que n’Ele eu creia? E disse-lhe Jesus: Tu já O viste. O que te fala, Esse é. Ele respondeu: Creio, Senhor. (Todos se ajoelham) E prostrando-se ele O adorou.

Homilias
 
Santo Agostinho - Sermão 136 - A cura do cego de nascença revela o mistério da luz divina que ilumina as trevas da alma humana. O homem, cego desde o nascimento, simboliza toda a humanidade, mergulhada na escuridão do pecado original, incapaz de ver a verdade por seus próprios meios. A saliva de Cristo, misturada ao pó da terra, aponta para a Encarnação, onde o Verbo se fez carne para restaurar a criação decaída. O tanque de Siloé, cujo nome significa "Enviado", é figura do batismo, pelo qual o homem é purificado e recebe a visão espiritual. Os fariseus, que rejeitam o milagre, representam aqueles que, confiando em sua própria justiça, permanecem cegos à graça de Deus, enquanto o cego, humilde e obediente, progride da ignorância à fé plena, adorando o Filho do Homem. Este milagre ensina que a verdadeira visão não é dos olhos do corpo, mas da alma, que só se abre à luz de Cristo pela fé e pela submissão à sua vontade. A expulsão da sinagoga mostra que o caminho da verdade muitas vezes leva ao desprezo do mundo, mas é recompensado pelo encontro com o Salvador.
 
São Tomás de Aquino - Suma Teológica, Suplemento, Q. 77, Art. 1 (interpretação teológica aplicada) - A cura do cego de nascença manifesta a ordenação divina das coisas para a glória de Deus e a salvação do homem. A cegueira desde o nascimento não é punição por pecado pessoal ou ancestral, mas um meio pelo qual a potência divina se revela, mostrando que Deus pode tirar o bem até mesmo dos males naturais. A ação de Cristo, que usa a matéria (saliva e terra) para operar o milagre, demonstra que os sacramentos, instituídos por Ele, operam pela virtude divina através de sinais sensíveis, elevando o homem do estado natural ao sobrenatural. A luz que Cristo afirma ser não é apenas física, mas a luz da graça que ilumina o intelecto para conhecer a verdade eterna. Os fariseus, ao rejeitarem o testemunho do milagre, pecam contra a luz, pois sua cegueira espiritual nasce da soberba, que os impede de reconhecer a origem divina da obra. O progresso do cego, de uma fé implícita ("é profeta") a uma fé explícita ("creio, Senhor"), exemplifica como a graça age no homem, levando-o gradualmente à beatitude pela contemplação do Filho de Deus. Assim, este evento é um espelho da redenção, onde o homem, cego pelo pecado, é restaurado pela misericórdia divina.

Santo Ambrósio - O cego de nascença é imagem da alma humana, obscurecida pela ignorância e pelo erro, que necessita da mão de Cristo para ser libertada. A cura não é apenas um prodígio do corpo, mas uma revelação da divindade de Cristo, que, como luz do mundo, dissipa as trevas do coração. O uso do lodo e da água de Siloé simboliza a humildade da Encarnação, pois o Filho de Deus se rebaixa à condição humana para elevar o homem à visão celestial. Os fariseus, com sua incredulidade, mostram que a verdadeira cegueira é a da mente que rejeita a verdade manifesta, enquanto o cego, ao lavar-se, representa a purificação da alma pelo arrependimento e pela fé. Sua expulsão pelos homens e acolhida por Cristo ensinam que a salvação vem pela cruz, e que os que sofrem por amor à verdade encontram a verdadeira comunhão com Deus. Este milagre é um convite a todos para que, deixando as trevas do orgulho, busquem a luz da humildade e da obediência, que conduz à visão da glória divina.

TERÇA-FEIRA DA 4ª SEMANA DA QUARESMA

Féria de 3ª Classe – Missa própria

Introitus.
Salmo 54, 2-3. Exáudi, Deus, oratió nem meam, et ne des péxeris deprecatiónem meam... Escuta, ó Deus, a minha oração, e não desprezes a minha súplica: atende-me e ouve-me. Salmo 54, 3-4. Estou entristecido na minha aflição, e fui perturbado pela voz do inimigo e pela tribulação do pecador.

Êxodo 32,7-14
Então disse o Senhor a Moisés: Vai, desce, porque o teu povo, que tiraste da terra do Egito, se corrompeu. Bem depressa se desviaram do caminho que eu lhes tinha ordenado; fizeram para si um bezerro de fundição, e o adoraram, e lhe ofereceram sacrifícios, e disseram: Estes são os teus deuses, ó Israel, que te tiraram da terra do Egito. Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho visto este povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, que se acenda contra eles a minha ira, e os consuma; e de ti farei uma grande nação. Porém Moisés suplicou ao Senhor seu Deus, dizendo: Por que, Senhor, se acende a tua ira contra o teu povo, que tiraste da terra do Egito com grande fortaleza e com mão poderosa? Por que hão de dizer os egípcios: Com mau intento os tirou, para os matar nos montes, e para os consumir da face da terra? Acalma a tua ira, e arrepende-te deste mal contra o teu povo. Lembra-te de Abraão, de Isaque, e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo, dizendo-lhes: Multiplicarei a vossa descendência como as estrelas do céu, e toda esta terra, de que falei, a darei à vossa descendência, e a possuirão para sempre. E o Senhor se arrependeu do mal que dissera que havia de fazer ao seu povo.

João 7,14-31
Já no meio da festa, subiu Jesus ao templo, e ensinava. E os judeus se maravilhavam, dizendo: Como sabe este letras, não as tendo aprendido? Respondeu-lhes Jesus, dizendo: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá da doutrina, se é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo. O que fala de si mesmo busca a sua própria glória; mas o que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e nele não há injustiça. Não vos deu Moisés a lei? E nenhum de vós cumpre a lei. Por que procurais matar-me? Respondeu a multidão, e disse: Tens demônio; quem procura matar-te? Jesus respondeu, e disse-lhes: Uma obra fiz, e todos vos maravilhais por isso. Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos pais), e no sábado circuncidais um homem. Se o homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrada, indignais-vos contra mim, porque no sábado fiz um homem são de todo? Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça. Diziam, pois, alguns dos de Jerusalém: Não é este o que procuram matar? Eis que fala livremente, e nada lhe dizem. Porventura sabem os príncipes que este é verdadeiramente o Cristo? Mas deste sabemos donde é; ora, quando vier o Cristo, ninguém saberá donde é. Clamava, pois, Jesus no templo, ensinando, e dizendo: Vós me conheceis, e sabeis donde sou; e eu não vim de mim mesmo, mas aquele que me enviou é verdadeiro, o qual vós não conheceis. Mas eu o conheço, porque dele sou, e ele me enviou. Procuravam, pois, prendê-lo; mas ninguém lhe deitou as mãos, porque ainda não era vinda a sua hora. E muitos da multidão creram nele, e diziam: Quando vier o Cristo, fará mais sinais do que os que este tem feito?

Homilias

Santo Agostinho (Sermão 113A) - A sabedoria divina manifesta-se na humildade do Mestre que ensina sem arrogância, mostrando que a verdadeira ciência vem de Deus, não do esforço humano isolado. A multidão se espanta com a falta de estudos formais de Cristo, mas o espanto revela a incapacidade humana de compreender que o Verbo encarnado não precisa de mestres terrenos, pois Ele é a fonte de toda verdade. Aquele que busca a vontade do Pai encontra a luz para discernir o que é divino, enquanto os que se apegam à glória própria permanecem cegos. A Lei, dada como caminho de justiça, torna-se vazia sem o coração voltado para Deus, e a circuncisão no sábado aponta para a superioridade da caridade sobre a letra da Lei. Cristo, ao curar no sábado, não viola a Lei, mas a cumpre em seu espírito mais profundo, ensinando que o amor e a misericórdia transcendem as aparências legais. Os que o rejeitam julgam superficialmente, presos às suas próprias expectativas messiânicas, enquanto os humildes reconhecem os sinais e creem. A incredulidade dos líderes é um véu que os impede de ver que o enviado do Pai está diante deles, e a hora de sua glorificação ainda está por vir, determinada pela vontade divina.

São Tomás de Aquino (Suma Teológica, Suplemento, Q. 92, Art. 1) - O ensinamento de Cristo no templo revela a origem divina de sua doutrina, que não procede da invenção humana, mas da vontade eterna do Pai. A verdade se manifesta naquele que não busca a própria glória, mas a do Criador, mostrando que a autenticidade de um mestre está em sua submissão àquele que o envia. Os homens, ao se admirarem de sua sabedoria sem estudos, demonstram a limitação do intelecto natural, que não alcança os mistérios divinos sem a graça. A Lei de Moisés, enquanto prefiguração da ordem divina, é superada pela obra redentora de Cristo, que cura o homem inteiro, restaurando-o à imagem de Deus. A circuncisão no sábado é um sinal da justiça parcial, mas a cura plena no sábado é o cumprimento da justiça perfeita, pois o fim da Lei é a caridade. Os que tentam prendê-lo agem por ignorância da vontade divina, mas a providência os impede, pois o tempo da redenção segue o plano eterno. A multidão que crê reconhece os sinais como testemunho da missão messiânica, enquanto os incrédulos se perdem em especulações sobre a origem terrena, incapazes de elevar o olhar ao mistério da encarnação.

Santo Anselmo (Proslogion, Cap. 1-4) - A manifestação de Cristo como mestre no templo é um convite à alma para buscar a verdade além das aparências sensíveis. Sua sabedoria, que não vem de escolas humanas, aponta para a luz inacessível de Deus, que ilumina todo homem que deseja conhecê-lo. A multidão se maravilha, mas o verdadeiro maravilhar-se é reconhecer que Deus se fez homem para ensinar a humanidade a encontrar o Pai. A Lei, com seus preceitos, é um espelho da ordem divina, mas Cristo, ao curar no sábado, mostra que a ordem divina é a própria vida, que supera toda prescrição. Julgar justamente não é seguir as aparências, mas contemplar a intenção do coração, que em Cristo é puro amor. Os que o rejeitam estão presos à ideia de um Messias glorioso segundo os padrões humanos, enquanto ele revela a glória humilde do enviado do Pai. A incredulidade é a recusa de elevar a mente ao mistério, mas os que creem são atraídos pela graça que os sinais manifestam. Sua hora ainda não chegada é o sinal de que a redenção se cumpre no tempo de Deus, não no dos homens.